Periscópio Internacional 27 – Um olhar sobre o mundo
Resultado do referendo revogatório na Bolívia
Fernando Lugo toma posse como o novo presidente do Paraguai
Nova Primeira Ministra no Haiti
Eleições presidenciais americanas
Congresso do partido da Refundação Comunista na Itália
Negociações entre Mugabe e MDC no Zimbabwe ainda emperradas
Presidente do Paquistão renuncia
Ocupação do Afeganistão cada vez mais difícil
Resultado do referendo revogatório na Bolívia
Segundo a lei aprovada pelo congresso boliviano no mês de janeiro, o presidente e vice-presidente do país, bem como os governadores, chamados na Bolívia de “prefectos” perderiam seus cargos se no referendo recebessem mais votos “No” do que o número de votos que receberam quando se elegeram. Por exemplo, Evo Morales e Álvaro Linera receberam 53,74% dos votos nas últimas eleições presidenciais e para terem seus cargos revogados seriam necessários 53,74% + 1 votos contrários a sua permanência.
Com exceção de Savina Cuéllar governadora de Chuquisaca eleita no mês de junho de 2008 e também da oposição, embora antes fosse filiada ao MAS, a situação dos demais governadores submetidos ao referendo era a seguinte:
Província | Governador | Partido | Votos (%) |
Pando | Leopoldo Fernández | Podemos (Oposição) | 48,03 |
Santa Cruz | Rubén Costas | APB (Oposição) | 47,88 |
Cochabamba | Manfred Reyes | AUN (Oposição) | 47,64 |
Tarija | Mario Cossío | Camino al Cambio (Oposição) | 45,65 |
Beni | Enesto Suárez | Podemos (Oposição) | 44,64 |
Oruro | Alberto Aguilar | MAS (Governo) | 40,95 |
Potosi | Mario Virreira | MAS (Governo) | 40,69 |
La Paz | José Luis Paredes | Podemos (Oposição) | 37,99 |
No entanto, no início de agosto ao regulamentar os procedimentos para a votação, a Corte Nacional Eleitoral (CNE) decidiu que somente perderiam seus cargos os governadores que recebessem 50% + 1 de votos “No” e no caso do presidente e vice-presidente foi mantida a referência de 53,74% + 1 de votos.
Mesmo com esta facilitação os governadores de Cochabamba, La Paz e Oruro tiveram seus mandatos rejeitados por mais de 50% dos eleitores de seus estados, enquanto os demais governadores, o presidente e o vice-presidente foram mantidos por meio de altos índices de apoio. Evo Morales e Álvaro Liñera tiveram mais de 50% dos votos pela continuidade frente ao governo em seis dos nove estados e receberam 67,41% de votos favoráveis em todo o país. Eles somente perderam em Tarija com 49,8%, Beni com 43,7% e Santa Cruz com 40,7%. Porém, mesmo assim, estes resultados foram melhores do que os da eleição presidencial de 2005 quando obtiveram, respectivamente, 31,6%, 16,5% e 33,2% nestes três estados.
Este apoio popular recebido por Evo Morales e Álvaro Liñera, bem como, a derrota de dois governadores da oposição devolve a ofensiva política ao presidente para tentar aprovar a nova constituição e implementar seu projeto político apesar da continuidade das razões estruturais que dividem a sociedade boliviana.
Sua primeira iniciativa, embora sem resultados concretos, foi a de tentar reabrir negociações com a oposição. Todos os governadores, menos o de Santa Cruz compareceram a uma reunião poucos dias após o referendo e foi nomeado um ministro para servir de interlocutor direto entre o governo federal e cada um dos governadores.
Porém, apesar desta disposição ao diálogo, a oposição manteve sua postura sectária e a situação se acirrou poucos dias depois com manifestações de protesto e bloqueio de estradas nos estados da “Meia Lua”, onde ela governa. Os protestos são, principalmente, contra a convocação do referendo para aprovar o texto da nova Constituição marcado por decreto pelo governo federal para 7 de dezembro e pelo aumento dos repasses de recursos provenientes da exploração de gás para os governos estaduais.
A oposição quer transformar a mobilização num processo de desobediência civil. Pelo que se pode interpretar do resultado eleitoral, isto não será tão fácil, embora ao longo de quase dois anos de conflitos tenham conseguido organizar grupos de agitação compostos por jovens de classe média cujas atitudes têm crescido em violência como as agressões contra um grupo de indígenas em Sucre a poucos meses e os recentes bloqueios de pistas de aeroportos quando o presidente Evo se propõe a visitar os Estados.
Um elemento recente e adicional para a crise é a decisão do CNE de não acatar o decreto presidencial para começar a organizar o referendo, alegando que somente o Congresso teria poderes para convocá-lo.
Eleições municipais no Chile
Os partidos políticos chilenos se encontram em plena preparação para as eleições municipais de outubro próximo e que representam uma ante-sala das eleições presidenciais de 2009.
A grande novidade foi a aliança que os partidos da “Concertación” (Partido da Democracia Cristã – PDC, Partido Socialista – PS, Partido Pela Democracia – PPD e Partido Radical Social Democrata – PR), que elegeu todos os presidentes do país desde a redemocratização no final dos anos 1980, realizou com o Partido Comunista Chileno (PCC) na disputa pelas prefeituras em 25 municípios. Onde os candidatos do PCC estão melhores situados, a “Concertación” os apoiará e haverá reciprocidade dos comunistas nos municípios onde os candidatos desta sejam mais competitivos.
A previsão é que esta composição possibilitará ao PCC ampliar os cinco prefeitos que tem atualmente para nove ou dez. Por sua vez, a vantagem desta composição para a “Concertación” é tentar ampliar a aliança em torno da disputa eleitoral para a presidência em 2009 desde o primeiro turno, tendo em vista que, particularmente, as duas últimas vitórias eleitorais de seus candidatos Ricardo Lagos e Michelle Bachelet, somente foram definidas no segundo turno com os votos decisivos dos eleitores do PCC.
Embora o governo de Bachelet esteja razoavelmente bem avaliado sempre há o desgaste de quatro governos seguidos da “Concertación” e o provável candidato da direita em 2009, Sebastián Piñera, é bem conceituado. Trata-se de um empresário, dono da LAN (Líneas Aéreas Nacionales) e que não é identificado com o “Pinochetismo”. Aliás, foi um dos pouquíssimos empresários a apoiar o voto contrário no plebiscito de reforma constitucional proposto pelo general-ditador em 1988 que foi fragorosamente derrotado nas urnas possibilitando retornar a democracia para o Chile na seqüência.
Nas fileiras da “Concertacíon” são mencionados como possíveis candidatos o ex-presidente Eduardo Frei da Democracia Cristã, o ex-presidente Ricardo Lagos e o atual secretário geral da OEA, Jose Miguel Insulza, ambos do PS.
Fernando Lugo toma posse como o novo presidente do Paraguai
O grande fato político na América Latina em agosto foi a posse do presidente Fernando Lugo no Paraguai, principalmente, por ser a primeira vez em dois séculos que um partido sucede a outro naquele país sem violência. Além disso, a “Alianza Patriotica por el Cambio” de Lugo substituiu o Partido Colorado que ocupou o governo no país por 61 anos.
Também foi a primeira vez que uma posse presidencial neste país teve a presença de tantos chefes de estado de outros países, incluindo os presidentes Lula, Cristina Kirchner, Bachelet, Chávez, entre outros, o que demonstra o interesse da comunidade internacional, particularmente, os setores progressistas para que tudo dê certo.
Seu discurso de muito conteúdo apontou para vários dos problemas mais graves a serem enfrentados como a diáspora de paraguaios devido a falta de oportunidades em seu próprio país, o tema da reforma agrária, a questão ambiental, a cooperação com os países vizinhos, assistência à infância, uma repartição mais equilibrada dos resultados da geração de energia de Itaipu e Yaciretá, o combate à corrupção e a desprivatização do aparelho de estado paraguaio, entre outros.
Os direitos dos povos indígenas que vivem no Paraguai tiveram uma menção especial quanto à preservação de suas terras e a proteção contra os brancos. No dia da posse, Lugo nomeou uma índia Aché, Margarita Mbywangi, como ministra para assuntos aborígenes. Ela mesma foi raptada quando criança 42 anos atrás para trabalhar como criada numa fazenda de brancos.
Embora Lugo tenha manejado bem a composição de seu ministério de modo a fazer um governo equilibrado e conseguir aprovar seus projetos no Parlamento, a primeira crise já apareceu.
Trata-se do esvaziamento das atividades no senado há um mês para evitar a posse do ex-presidente, Nicanor Frutos. Ex-presidentes são senadores vitalícios, mas não votam e nem recebem salários para participar. Entretanto, Nicanor Frutos, mesmo no cargo de presidente, candidatou-se ao senado e foi eleito, mas ainda não tomou posse devido ao questionamento sobre a legitimidade de sua eleição. Lugo sugeriu que talvez seja necessário convocar um referendo junto à população para consultar o que fazer com esta instituição para superar o impasse, já que nada é votado a um mês.
Além de lidar com o poder legislativo, um outro desafio no Paraguai é desprivatizar o Estado que ao longo de 61 anos de Governo Colorado se transformou em propriedade do partido contratando apenas os membros e apadrinhados do mesmo, além de distribuir terras públicas para “os amigos”.
Na área internacional, uma questão importante a decidir é se o Paraguai prosseguirá sendo um dos poucos países do mundo que reconhecem Taiwan como uma nação ao invés da China.
Nova Primeira Ministra no Haiti
O Parlamento haitiano ratificou a escolha da economista Michele Pierre Louis como a nova Primeira Ministra do país. O anterior era Jacques Edouard Alexis foi destituído do cargo devido às manifestações populares em abril contra a alta dos preços dos alimentos. (Leia mais em: Periscópio 23).
A nova “Premier” é politicamente próxima do presidente René Preval e antes dirigia uma ONG chamada Fokal responsável pelo desenvolvimento de programas culturais e projetos de alfabetização no Haiti.
Tem pela frente enormes desafios, particularmente, o combate à pobreza no país e construção de uma política de desenvolvimento que ajude a superá-la ainda mais num momento desfavorável devido ao comportamento da economia internacional.
Além disso, há outros problemas com origem no passado a enfrentar como a recente ocupação de um antigo cárcere em Cap Haitien por cerca de 200 ex-militares para reivindicar a restauração do exército desmantelado em 1995 e o pagamento de 14 anos de salários atrasados.
Esperemos que o prometido apoio da comunidade internacional se faça mais presente para que estes desafios possam ser enfrentados da melhor maneira.
Eleições presidenciais americanas
As eleições presidenciais dos EUA representam um processo político que se inicia quase dois anos antes das próprias eleições e cada fase dele é eliminatório.
Tudo começa formalmente quando os postulantes de cada partido registram suas candidaturas internamente permitindo iniciar a captação de recursos para financiar uma possível campanha para disputar as prévias (primárias) partidárias no ano seguinte e também para avaliar suas possibilidades junto aos filiados. O insucesso nesta estruturação provoca as primeiras desistências de postulantes da disputa interna.
A segunda fase é a campanha pela indicação do candidato a presidente nas primárias de cada partido, o que pode levar até oito meses desde a realização da primeira primária estadual de Iowa em janeiro até as convenções partidárias no início do segundo semestre que oficializam os candidatos a presidente e vice.
A terceira e última fase é a disputa eleitoral entre os candidatos dos partidos definidos nas primárias e na convenção que culmina na eleição em novembro.
Isto significa que a disputa, particularmente, entre republicanos e democratas começa muito antes da definição de seus candidatos presidenciais e cada decisão pode ser comparada a movimentos de um jogo de xadrez, pois o movimento errado num momento decisivo aumenta a possibilidade de derrota.
Neste momento, os dois partidos, republicano e democrata estão concluindo a segunda fase com a realização de suas convenções. Até o local para a realização delas é uma definição tática. Os democratas realizaram sua convenção entre 25 e 28 de agosto em Denver, capital do Colorado, estado onde os republicanos têm vencido as últimas eleições com o intuito de tentar reverter esta situação. Os republicanos realizam a sua em St. Paul, capital do estado de Minesota entre os dias 1 e 4 de setembro. Apesar de o governador ser republicano, os democratas costumam vencer as eleições presidenciais neste estado.
A escolha do candidato a vice-presidente também é um momento importante, pois pode fortalecer a candidatura eleitoral e aglutinar as correntes políticas internas dos partidos. O candidato democrata Barack Obama anunciou o seu candidato a vice poucos dias antes da convenção e o escolhido foi o senador Joseph (Joe) Biden. A sua escolha foi menos em função do pequeno estado que representa no senado, Delaware, e mais em função de seu prestígio junto aos sindicatos e aos trabalhadores industriais brancos; a ponte que faz com Hillary Clinton, a candidata derrotada nas primárias democratas e pela sua atuação na Comissão de Política Externa do senado, o que reforça esta área na campanha democrata.
O candidato republicano, John McCain escolheu como vice a atual governadora do Alaska, Sarah Lapin. A intenção desta escolha é fortalecer a campanha junto às mulheres e junto aos setores conservadores do partido, pois ela é uma fervorosa militante anti-aborto, cuja restrição é um tema atualmente em debate nos EUA, é contra uniões entre homossexuais e a favor da liberação do porte de armas.
O anúncio da candidatura de Sarah Lapin foi feito taticamente no dia 29 de agosto, um dia após o término da convenção democrata para tentar minimizar as repercussões na imprensa do discurso de aceitação da nomeação de Barack Obama como candidato a presidente.
As convenções, além de referendar candidaturas e mobilizar os ativistas partidários também são momentos importantes na campanha em si e são organizados de modo a atrair grande cobertura televisiva e a máxima audiência possível por meio da participação de personalidades em dias e horários estratégicos. Os discursos principais na convenção democrata em Denver eram feitos entre 20:00 e 21:00 horas locais para que fossem exibidos nas principais redes de TV antes das 23:00 horas na costa leste do país devido ao fuso horário.
A principal intervenção no primeiro dia foi a de Michelle Obama, a esposa do candidato, reforçando a personalidade de seu marido e seus compromissos com o povo e valores familiares e no segundo dia foi o de Hillary Clinton pedindo unidade partidária e apoio à candidatura de Obama. No terceiro dia foi a intervenção de Joe Biden aceitando a nomeação como candidato à vice-presidente e no quarto foi a de Barack Obama aceitando a candidatura e apresentando suas propostas de governo.
Além deles houve marcantes participações do senador Ted Kennedy cuja presença era incerta devido a seus problemas de saúde, do ex-presidente Bill Clinton e do ex-vice-presidente Al Gore.
No terceiro ocorre a votação dos delegados para escolher o candidato, mesmo que o resultado seja conhecido de antemão como era o caso. No entanto, houve um acordo com Hillary Clinton para que, além dela defender que seus apoiadores se empenhassem na campanha eleitoral, que a escolha do candidato fosse feita por aclamação. Isto ocorreu a partir de uma proposta de encaminhamento que ela mesma apresentou e a convenção deu um sinal de forte unidade partidária para a sociedade.
As principais propostas apresentadas por Obama se relacionam com a economia, a principal preocupação do eleitorado americano neste momento, com a energia, com o seguro saúde e com a política externa. Para a economia e para a questão energética propôs reduzir os impostos para 95% da população e investir na geração de “energia limpa” para romper a dependência do petróleo do Oriente Médio em dez anos e gerar empregos nos EUA a partir da chamada “indústria verde”.
Sua postura quanto à política externa é a de substituir o unilateralismo e belicismo de Bush por uma composição de força e diplomacia, além de buscar recompor o arco de alianças com outros países perdido pelo atual governo. Também reiterou que promoverá a retirada das tropas americanas do Iraque.
As pesquisas eleitorais realizadas após a conclusão da convenção mostraram que seu resultado foi positivo para a campanha democrata, pois de um empate técnico existente na semana entre a preferência de Obama e McCain, a situação passou a 49% a 41%, respectivamente. (Leia mais em: www.usatoday.com ).
Apesar desta vantagem de Obama e da baixíssima popularidade de Bush, é perceptível que a campanha para ele não será fácil e seu principal problema será vencer o preconceito racial, além da pecha de inexperiente que os republicanos tentam lhe imputar.
É importante relembrar também que a pesquisa de preferência eleitoral tem que considerar os eleitores que efetivamente declaram que irão votar em 3 de novembro e fazer a avaliação sobre os votos no colégio eleitoral em cada estado.
Os democratas estão fazendo de tudo para relacionar McCain com Bush usando o dado que ele votou 90% das vezes no senado a favor das propostas apresentadas pelo governo durante o último ano.
Uma outra arma deles é a campanha de registro de novos eleitores, principalmente, jovens, o que é permitido até a proximidade da eleição. Quando o eleitor se registra, ele também declara se é republicano, democrata ou independente. Dos quase dois milhões que se registraram até o momento, cerca de dois terços se declararam democratas.
Os sindicatos americanos também jogam um papel relevante, pela influência que podem exercer sobre os trabalhadores brancos da indústria, particularmente, dos estados de Ohio, Pensylvania e Michigan que, embora normalmente votem nos democratas, são os mais renitentes quanto ao voto em Obama.
Serão 70 dias de muita disputa e além da presidência está em jogo também a renovação de um terço do senado americano. Neste caso as pesquisas indicam que as chances dos democratas são ainda maiores do que para a presidência.
Congresso do partido da Refundação Comunista na Itália
Entre 24 e 27 de julho foi realizado o VII Congresso do partido da Refundação Comunista da Itália que aprovou uma série de documentos políticos e elegeu seu novo Comitê Político Nacional, bem como um novo Secretário Geral, Paolo Ferrero.
Este congresso ocorreu num momento dramático para os comunistas italianos que viram minguar 2,5 milhões de votos nas eleições parlamentares ocorridas em abril quando pela primeira vez desde 1945 ficaram fora do Parlamento.
O PRC foi fundado em 1991 quando o setor majoritário do antigo Partido Comunista Italiano (PCI) se transformou no Partido Democrático de Esquerda (PDS) e começou a atuar para construir uma coalizão com o centro político italiano visando participar do governo. Isto se viabilizou poucos anos depois com a eleição de Lamberto Dini de centro direita em 1994 em substituição ao primeiro governo de Berlusconi. Este se desfez devido naquele momento devido ao rompimento da Liga Norte com a sua coalizão de direita.
Posteriormente, o PRC participou com o PDS, nesta ocasião com a denominação simplificada de DS, da coalizão de esquerda, centro-esquerda e centro, “Olivo”, que pela primeira vez elegeu Romano Prodi como primeiro ministro. Devido a divergências quanto à permanência neste governo, um grupo minoritário se afastou do PRC e fundou o Partido dos Comunistas Italianos (PdCI) em 1998.
O partido também participou da coalizão “Unione” do segundo governo de Prodi por decisão do VI Congresso realizado em 2006. Este governo eleito em 2007, no entanto, durou pouco e foi substituído novamente pela coalizão de direita e extrema-direita de Berlusconi que desta vez retornou com mais força do que antes.
Acabaram por se formar dois grupos distintos em torno do debate político no VII Congresso. Menos em torno da avaliação negativa sobre a participação do PRC na última coalizão governamental e mais em torno da estratégia quanto ao futuro da organização partidária e à próxima eleição do Parlamento Europeu.
O secretário geral do partido e ex-senador Fausto Bertinotti defendia a eleição do governador da Puglia, Nichi Vendola, para sucedê-lo. No debate eles apontavam para uma nova hegemonia da direita em função das mudanças estruturais da classe trabalhadora e individualização da sociedade como resultado do neoliberalismo. Um dos indicadores, seria a migração de uma parte dos votos tradicionais dos comunistas na região industrial do norte da Itália para a Liga Norte em função da sua campanha anti-imigrantes.
A proposta que defendiam era a realização de uma “Assembléia Constituinte da Esquerda” para “regenerar” o partido e redefinir a estratégia diante desta nova realidade. Nas discussões que antecederam o Congresso, esta posição tinha o apoio de quase 47% dos possíveis delegados.
Porém, esta posição foi interpretada pelos demais setores do partido como um encaminhamento para uma próxima adesão ao recém fundado Partido Democrata, resultado da fusão da DS com os democratas-cristãos da “Margarita”. Como reação, formou-se uma coalizão de diversas tendências internas em torno da candidatura do ex-ministro da Solidariedade Social, Paolo Ferrero, propondo uma guinada à esquerda com a recriação do partido, volta às ruas e participação nos sindicatos e movimentos sociais. Também rejeitaram a colaboração com a centro-esquerda e a prioridade de atuação com a esquerda alternativa na Itália e Europa, bem como a independência na disputa das eleições européias.
Esta posição obteve 342 votos contra 304 e possibilitou eleger Ferrero como o novo secretário geral. Apesar da margem estreita de votos e dos comentários negativos de integrantes do grupo de Bertinotti e Vendola sobre a nova política não se desenha, ao menos por ora, uma nova divisão no partido.
Guerra entre Rússia e Geórgia
O mundo foi surpreendido no início de agosto pela ofensiva de tropas da Geórgia sobre o território de uma de suas regiões, a Ossétia do Sul, que reivindica autonomia desde o desmantelamento da União Soviética em 1991. Naquele momento, tanto este território quanto a Abkházia, que estão incrustados na Geórgia tentaram conquistar sua independência.
A população destas duas regiões é majoritariamente de origem russa e a tentativa foi brutalmente reprimida pelo exército georgiano na época. Alcançou-se um acordo em 1992 com interferência da Rússia que preservou seu status quo de territórios da Geórgia, mas com a presença de “forças de paz” russas para garantir a estabilidade. Este acordo foi articulado por Edward Shevarnadze ex-ministro das relações exteriores da URSS no governo Gorbatchov (1989 a 1991) e que se tornou presidente da Geórgia de 1995 a 2003 quando foi derrubado pelo atual Mikhail Saakashvili.
Este vinha prometendo que reincorporaria os dois territórios ao país embora na prática estivessem hoje mais ligados a Rússia do que a Geórgia. Em 7 de agosto ele rompeu a estabilidade assegurada desde a década de 1990, possivelmente apostando que não haveria uma reação russa muito forte, ainda mais no momento de trégua da abertura dos jogos olímpicos em Beijing e caso houvesse, que os EUA apoiariam suas pretensões, uma vez que os americanos já vinham equipando e treinando seu exército há tempos.
Não aconteceu nem uma coisa e nem outra. A resposta russa foi uma forte ofensiva militar que derrotou as forças armadas georgianas em poucos dias, além do bombardeio devastador à capital Tsibilisi e outras cidades. A reação americana foi meramente retórica liberando os dois mil soldados georgianos que servem no Iraque para retornar ao seu país. O governo francês, na presidência da União Européia, mediou um cessar fogo, mas seus termos possibilitaram a permanência de tropas russas na Ossétia do Sul e na Abkházia.
Na prática Saakashvili acabou prestando um serviço a Rússia que desde o colapso da União Soviética só vinha perdendo espaço no Leste Europeu, no Báltico, no Cáucaso e nos Bálcãs para a influência americana e européia e agora pode reagir.
Todos os países do antigo Leste Europeu situados entre a Bulgária e a Estônia substituíram sua participação no antigo Pacto de Varsóvia pela adesão a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Em recente reunião desta organização na Romênia, o presidente George Bush defendeu a entrada da Geórgia e Ucrânia na OTAN, o que, no entanto, não teve o apoio da União Européia devido à oposição russa.
Além disso, os EUA acertaram a instalação de uma bateria de mísseis na Polônia e radares na República Tcheca, considerados uma ameaça pelos russos e também incentivaram a independência de Kosovo apesar da oposição da Sérvia aliada da Rússia.
Embora a “guerra fria” tenha terminado no início da década de 1990, na prática os EUA e seus aliados europeus continuaram pressionando e cercando a Rússia para reduzir seu poder e influência geopolítica. Saakashvili forneceu a justificativa para a reação e hoje os russos dominam totalmente as duas regiões autonomistas da Geórgia concordando com sua declaração de independência, pois, afinal, se Kosovo pode, porque elas não poderiam?
A União Européia chegou a aventar a possibilidade de decretar sanções contra a Rússia por não retirar integralmente suas tropas da Geórgia após a aceitação do acordo de cessar fogo por Saakashvili.
Porém, isto foi rapidamente descartado, pois a UE depende do fornecimento de gás russo para atender 25% de suas necessidades e sua reação acabou se limitando a um “pronunciamento enérgico”.
O ocorrido alterou a correlação de forças na região e será difícil que a movimentação ocidental em direção ao leste prossiga como vinha acontecendo. É, inclusive, possível que os russos tentem retomar a ofensiva para restaurar sua influência sobre outros países da região como a Ucrânia, Moldova e Azerbaijão. (Leia mais em: artigo de Immanuel Wallerstein na FSP em 17/08/2008).
Negociações entre Mugabe e MDC no Zimbabwe ainda emperradas
Após a interferência da Unidade Africana no processo político do Zimbabwe ao nomear os presidentes da África do Sul, Thabo Mbeki e o do Quênia, Mwai Kibaki, como interlocutores para tentar promover um acordo entre Robert Mugabe do ZANU e Morgan Tsvangirai da oposição do MDC, foi assinada uma minuta de intenções no final de julho. (Leia mais em: Periscópio 26).
A novidade é a participação de um grupo dissidente do MDC, liderado por Arthur Mutambara, no processo de negociação e a possibilidade de uma composição começou a tomar em conta a correlação de forças no parlamento do Zimbabwe. Nas eleições parlamentares, o MDC elegeu 100 deputados, o ZANU 99 e o grupo de Mutambara elegeu apenas 10. Porém, agora eles são o fiel da balança, pois para onde Matumbara pender estará assegurado o controle do parlamento.
A última fórmula que se apresentou com vistas a um acordo previa Mugabe na presidência, Tsvangirai para primeiro ministro, Charles Monangagwa do ZANU para uma das duas vice presidências e Arthur Mutambara para a outra.
No entanto, tanto Mugabe quanto Tsvangirai, tentaram esvaziar o poder do outro, de modo que tanto a presidência quanto o cargo de primeiro ministro se tornassem cargos decorativos e cerimoniais alegando que não pode haver dois cargos executivos.
Esta é a proposta que está sobre a mesa até o final de agosto e os diferentes grupos pediram um prazo para realizar consultas internas.
Para o povo do Zimbabwe a situação piora dia a dia. Além da inflação galopante e desemprego devido às sanções econômicas internacionais e ao caos administrativo interno, agora há uma seca numa importante região do país que ameaça ampliar a carestia e a falta de alimentos básicos. Muitos estão se preparando para sobreviver com uma refeição diária.
Presidente do Paquistão renuncia
O presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, renunciou ao cargo no dia 18 de agosto. Ele havia assumido o poder no país por meio de um golpe de estado em 1999 quando derrubou o primeiro ministro Nawaz Sharif que o nomeara chefe do exército um ano antes.
Ele se tornou um aliado crucial dos EUA após os ataques terroristas às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001 e quando estes decidiram atacar o Afeganistão para derrubar o governo Taleban que estaria dando cobertura a Bin Laden e a Al-Quaeda.
Manteve-se no poder por nove anos por intermédio de uma série de manobras como um referendo em 2002 que lhe deu um mandato de cinco anos, a reeleição pelo parlamento em outubro de 2007 e a decretação de estado de emergência, bem como destituição dos juízes da suprema corte que questionavam sua reeleição na mesma época.
No entanto, apesar de ter sido bem recebido pela população em 1999 quando substituiu um governo fraco e corrupto, ele se desgastou neste meio tempo com vários setores da sociedade, principalmente, com os muçulmanos mais fundamentalistas devido a relação estabelecida com os EUA e a ofensiva contra o Taleban.
Porém, ele tampouco melhorou a vida da população em geral e o descontentamento popular abriu caminho para que os partidos tradicionais, a Liga Muçulmana do Paquistão – Nawaz (LMP-N) e o Partido do Povo Paquistanês (PPP) voltassem ao poder na última e recente eleição parlamentar. O primeiro é liderado por Nawaz Sharif, primeiro ministro destituído por Musharraf em 1999 e o segundo por Asif Zardari, viúvo de Benazir Bhutto que também já fora primeira ministra de 1988 a 1990 e novamente entre 1993 e 1996.
Ambas as vezes ela foi destituída por envolvimento em corrupção e desaparecimento de adversários políticos. Após 1999 ela foi para o exílio e o marido para a prisão por cinco anos condenado por corrupção.
A partir de seu desgaste, Musharraf negociou um acordo com Benazir Bhutto que anulou as condenações judiciais que havia contra ela e seu marido possibilitando que regressassem ao Paquistão para disputar as eleições parlamentares a se realizar em janeiro de 2008, após a reeleição do presidente em 2007. A aliança entre os partidos leais a Musharraf no parlamento com o PPP permitiria a divisão de poder entre os dois.
Porém, ela morreu num atentado a bomba durante a campanha eleitoral em dezembro de 2007. As eleições parlamentares foram adiadas por um mês e os partidos mais votados foram, respectivamente, o PPP e a LMP-N. Os apoiadores de Musharraf se tornaram minoritários no parlamento e uma aliança entre Sharif e Zardari deu início a uma ferrenha oposição ao presidente, inclusive com a articulação de um impeachment.
Musharraf havia deixado a chefia do exército após a sua reeleição em 2007, pois a Constituição veda o acúmulo de cargos e já não tinha apoio suficiente do exército para tentar um novo golpe ou dissolver o parlamento. Somente lhe restou a renúncia.
Sharif e Zardari se uniram para compor o governo de transição até a eleição de um novo presidente, mas romperam em seguida diante da candidatura de Zardari à presidência com o apoio dos partidos pró-Musharraf, o que deverá garantir sua eleição, mas não a estabilidade e o progresso do país.
Ocupação do Afeganistão cada vez mais difícil
Após sete anos de ocupação não foi alcançada nem a estabilidade etampouco a reconstrução do país. Os militantes do Taleban continuam ativos e a permanência das tropas da OTAN tem se tornada cada vez mais cara em custos materiais e humanos.
Diferentemente do Iraque, a ocupação do Afeganistão, iniciada após os ataques terroristas às Torres Gêmeas em Nova Iorque em 11 de setembro de 2001, teve o apoio dos países europeus e foi assumida pela OTAN e uma coalizão bélica muito mais ampla.
No dia 19 de agosto, morreram 10 soldados franceses durante uma emboscada organizada pelo Taleban, além de 21 feridos, embora haja indícios de que vários deles podem ter sido atingidos por “fogo amigo”. Até o momento pereceram 934 soldados estrangeiros dos quais 574 são americanos, 116 ingleses, 90 canadenses e 154 de países do continente europeu, além de alguns milhares de afegãos, soldados e civis.
Embora a proporção de vítimas seja menor do que no Iraque, a perspectiva de retirada de tropas estrangeiras e entrega da responsabilidade pela segurança do país para o atual governo afegão parece estar muito mais distante do que no primeiro caso. O candidato presidencial Barack Obama defende a retirada de tropas do Iraque e o aumento da presença americana no Afeganistão.
Reafirma-se a situação que ninguém até hoje, ingleses, russos e americanos, conseguiu dominar os afegãos.
Olimpíadas de Beijing
Para muitos, os jogos olímpicos nada mais são do que disputas esportivas de primeira qualidade onde atletas de todo o mundo buscam superar recordes anteriores em diferentes modalidades de esporte.
Porém, as olimpíadas modernas contêm mais do que este objetivo. Em alguns casos elas atendem a propósitos políticos nem sempre dos mais nobres como foi o boicote americano e seus aliados mais próximos aos Jogos Olímpicos de Moscou em 1980 quando o presidente americano, recém eleito, Ronald Reagan acirra a guerra fria e decide que os EUA não participariam de um evento desta magnitude no “Império do Mal”.
Em outros, todo o aparato que deve ser construído e organizado, além dos recursos financeiros que fluem ao redor do evento, pode ser um fator de transformação urbano e de desenvolvimento como foi a Olimpíada de 1992 em Barcelona que marcou profundamente a cidade e a transformou numa referência urbanística, cultural e turística perante o mundo. Não é sem razão que a disputa para sediar os jogos é muito acirrada.
A China conquistou o direito de sediar em Beijing os Jogos Olímpicos de 2008 que se realizaram entre 8 e 24 de agosto. Calcula-se que gastou mais de U$ 10 bilhões para realizá-los com o objetivo de mostrar para o mundo sua capacidade de organizar um evento deste porte e colocar-se como uma grande potência também no esporte, bem como de auferir benefícios como os alcançados em sua época pela cidade de Barcelona.
Houve tentativas de politizar o evento praticamente até o seu início, particularmente, em relação ao movimento de autonomia do Tibet, mas situações como estas foram contornadas pelo governo chinês.
A China alcançou seu objetivo de mostrar a sua capacidade organizativa ao apresentar um belo espetáculo de abertura e encerramento que ficou marcado na história deste evento. Saiu-se bem também nas disputas esportivas ao conquistar o maior número de medalhas de ouro e ter ficado em segundo lugar no total de medalhas.
As Olimpíadas de 2012 realizar-se-ão em Londres.