10/10/1978

Através desta, venho pedir-lhes que se dê divulgação sobre os fatos abaixo relacionados, que por si revelam uma persistente perseguição contra brasileiros no Exterior.

Em 15 de junho de 1970, fui banido do território nacional. Naquele então, encontrava-me preso na Penitenciária Regional de Linhares, em Juiz de Fora, em Minas Gerais. Dali fui enviado com outros companheiros, algemados, para o aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. Fui colocado algemado, dentro de um avião, com outros 39 companheiros e desconhecia-se qual o nosso destino.

Naquele dia, ao aproximar da meia-noite, aterrissamos no aeroporto de Alger, capital da Argélia, e fomos recebidos por uma multidão de jornalistas, membros da FNL (Frente Nacional de Libertação) uma delegação de mulheres e crianças árabes (que nos entregaram flores) e companheiros portugueses no exílio.

Era a LIBERDADE. Sem algemas, sem grades, sem receios de novas torturas, sem o pavor de ser retirado da cela (para novas torturas? Para a auditoria? Para o hospital?) Mas, era o EXÍLIO. O desterro. O início de viver em liberdade, mas a liberdade perseguida. A LIBERDADE (muitas vezes confundida com o obrigado a partir), de "mudar de países como se muda de sapatos".

Caminhante do exílio. Abrindo países com novas bandeiras, onde o respirar em paz era um "eldorado imaginário". Sem passaporte. Sem trabalho. Em romarias por polícias; pelos departamentos para estrangeiros, novos retratos 3 x 4 com gravatas e ternos emprestados. E o começar tudo de novo.

Da Argélia ao Chile. Sem trabalho e sem documentos. Quase dois anos lutando para conseguir um passaporte e, quando tudo se aproximava do recebê-lo, eis que houve um desfecho mais trágico. Talvez, em la Moneda, onde funcionava uma seção do departamento para estrangeiros, queimado, feito em tições, rodopiando em ar com gosto de morte, junto a pedaços de tijolos e bombas. Talvez em "Investigaciones", o DOPS chileno, ali, em alguma prateleira ou arquivo, apanhando pó. Ali como troféu para algum interrogatório futuro.

Argentina. A mesma peregrinação. Transportado em avião militar (para paraquedistas) junto a mulheres, crianças, velhos, companheiros, retirantes do holocausto chileno. Ali, presos em Ezeiza, em hotel da Polícia. Ali, onde companheiros argentinos foram torturados quando do retorno de Perón. 15 em um quarto. Metralhadora às portas. Nós, refugiados portando somente a roupa do corpo. E, mesmo assim, que perigo éramos!

18 dias. Depois o DOPS argentino.

* "Piensas quedar en Argentina?"
* "Si. Que destino tengo?"
* " Quanto tiempo?"
* "Pero, Sr. Se hace poco que llegué…"
* "Bien! Se te quedas vamos te fuzilar…"

Agora tenho um pedido de asilo para a Alemanha Ocidental. Tenho alguns parentes ali. Será que me ajudarão?

"Mas que loucura. Você foi trocado pelo embaixador alemão".

Não recebo respostas. Nesse ínterim, recebo asilo na Suécia.

Em 20/2/1974 recebo o meu passaporte. Não o almejado, mas um que seguramente "quebrará o galho" PASSAPORTE PARA REFUGIADOS DE ACORDO COM A CONVENÇÃO DE GENEBRA DE 1952.

Começo a folheá-lo. Só posso viajar para alguns países, para outros que constam de uma relação "dos permitidos" tenho de pedir uma autorização, um visto de entrada. Descubro que é um passaporte limitado. Um passaporte controlado. Um passaporte de judeu para transitar numa Alemanha Nazista. Um passaporte onde não basta olharem o retrato ou o prazo de vencimento. Mas, que sempre é acompanhado de revistas, no corpo e nas malas. De perguntas indelicadas (de interrogatórios) e outras aporrinhações mais.

Faz quatro anos que possuo o passaporte para refugiados e por duas vezes fui retirado de trens (a primeira na Holanda e a segunda na Áustria, quando me encontrava em trânsito para a Itália).

Na Áustria, interrogado pela polícia alemã e austríaca, queriam me obrigar a falar em alemão, e era difícil me entenderem em inglês. Ali me fizeram perder a passagem e dois dias de viagem.

Devido a isto, que é um produto das informações que a Polícia brasileira enviou pela Interpol para todo este universo, decidi requerer um passaporte à embaixada brasileira.

Toquei o telefone para requerê-lo:

* "Eu sou brasileiro. Moro aqui em Gotemburgo há quase 4 anos e gostaria de requerer o meu passaporte, a que tenho direito de acordo com as leis brasileiras. O Sr. pode me enviar um formulário para preenchê-lo?"
* "Como o Sr. se chama?"
* "Marco Antonio de Azevedo Meyer"
* "O Sr possuía passaporte anteriormente?"
* "Não! Eu nunca tive passaporte.
* "Espera um momentinho"

Após 3 minutos

* "Olha, o Sr, me desculpa… Os formulários esgotaram. A procura está muito grande. Mas, escreva uma carta para a Embaixada e responda às seguintes perguntas:
* "Quando vai voltar ao Brasil?
* "Em que avião? De que companhia?"
* "Qual o motivo de sua presença no exterior?"
* "Lugar de trabalho?"
* "Endereço?"
* "Por quais países viajara?"
* "Quando o Sr. chegou à Suécia?"
* "Que países visitou?"

E outras perguntas mais.

Através de um amigo consigo um formulário. Agora tenho os retratos, fotocópias dos documentos exigidos (carteira de identidade e certificado militar). Tudo preenchido. Me dirijo ao consulado brasileiro em Gotemburgo, que está localizado em Partille.

Me assombro: o consulado brasileiro funciona dentro de uma empresa sueca OLAF ERICSSON. Endereço G Kranvägen, 60 – Partille. A sala do diretor da empresa, Per Anders Eriksson, é a sala do Consulado.

Claro que lhe deve interessar muito mais a compra do suco de laranja brasileiro ou da soja, do que os papéis de um refugiado brasileiro que almeja receber o seu passaporte. Sou atendido cordialmente, Mas, o cônsul se nega a receber meus papéis. Que raios de Consulado é este! Insisto, peço-lhe uma declaração de que ele não pode receber os meus papéis. Ele nega. Peço-lhe uma declaração de que ele nega receber os meus papéis. Tampouco.

Finalmente ele diz que tenho de remetê-los para a Embaixada em Estocolmo. Me resta como última alternativa enviar os papéis pelo correio e que alguém da embaixada assine um comprovante de recebimento dos meus papéis. Estou convencido de que esta é uma luta árdua, mas que somente a mobilização de grandes parcelas do nosso povo, na luta por uma ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA, terminará com esta perseguição incessante e irracional. EU QUERO TER A LIBERDADE DE SER BRASILEIRO.

Neste sentido, denuncio ao povo brasileiro estas constantes arbitrariedades que venho sofrendo (e acredito que outros brasileiros também a sofram). Quero ainda expressar o meu respeito e admiração por aqueles que hoje lutam por uma ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA, entre eles o Movimento Feminino pela Anistia, o Comitê Brasileiro pela Anistia, a Ordem dos Advogados do Brasil, a Imprensa Independente, setores da Igreja, e todos aqueles engajados na luta pela construção de um Brasil mais digno para todo o nosso povo.

Até sempre,
Ass: Marco Antonio de Azevedo Meyer
Do exílio-desterro
Em Gotemburgo, Suécia 10/10/1978