Carta do Henfil, 11 de abril de 1979
São Paulo, 11 de abril de 1979
Mãe,
Não suporto mais a saudade sufocante do meu irmão Betinho. Minha vida segue sem sentido e sem alegrias. Sai um disco do Chico e não consigo me entregar no canto que gostaria de partilhar com ele e com a Maria. E grito de gol fica preso no peito porque me sinto sozinho no Maracanã mais lotado.
Profissionalmente? Estou bem, muito bem. Mas eu queria que eles também se orgulhassem de mim ao receberem o jornal de manhãzinha, na porta da casa deles, aqui, como todos. Faltam duas palmas, duas risadas brancas e quentinhas na hora em que as cartas são lidas ou as gracinhas são feitas na "Revista do Henfil".
Não . Não é por causa de mulher que eu vou parar. Olho e sou olhado, beijo e sou beijado, mimo e sou mimado.
Perdoa, mãe, mas biscoito de farinha só é gostoso se mastigado olhando nos olhos do irmão que sente na mesma hora a mesma delícia.
Compreenda,
Será que se comoveram? Será que agora vão apressar a anistia como apressaram a queda da denúncia vazia depois que um casal de velhinhos se suicidou, um dia antes de serem despejados?
Se é para o bem da nação, diga ao povo que me mato.
A bênção de um dos seus filhos,
Henfil