Depoimento originalmente publicado no livro “Antonio Candido – Pensamento e Militância”

Publicado online em homenagem aos 90 anos de Antonio Candido.

 

Falo aqui em nome da Fundação Perseu Abramo, de cuja diretoria faço parte e que é co-participante deste seminário. Gostaria de dizer da honra que significa para a Fundação Perseu Abramo estar somando esforços com a Universidade de São Paulo e com os demais organizadores para que tenhamos a possibilidade de refletir um pouco sobre este país neste século.

Um certo mineiro, nascido em Itabira, mal saído da guerra, prefigurava num poema o homem futuro com estas palavras:

“(…)
Nalgum lugar faz-se esse homem…
Contra a vontade dos pais ele nasce,
contra a astúcia da medicina ele cresce,
e ama, contra a amargura da política.

Não lhe convém o débil nome de filho,
pois só a nós mesmos podemos gerar,
e esse nega, sorrindo, a escura fonte.

Irmão lhe chamaria, mas irmão
por quê, se a vida nova
se nutre de outros sais, que não sabemos?

Ele é seu próprio irmão, no dia vasto,
na vasta integração das formas puras,
sublime arrolamento de contrários
enlaçados por fim.
(…)”*

Esse itabirano assim prefigurava o homem do futuro. Um homem que ele desejava brotasse da história de seu país, da sua capacidade de retirar a energia criadora de sua própria cultura e, ao mesmo tempo, de trazer para si, pela exata dimensão humana, a universalidade. Penso que nós, ao refletir sobre o país que temos, e o país que desejamos, temos de enfrentar o desafio de construir esse homem. A Fundação Perseu Abramo busca contribuir com uma pequena parcela das suas possibilidades na construção desse perfil que não é de natureza estritamente política, no sentido pobre do termo, mas no sentido de trazer consigo a indispensá vel dimensão política que esse perfil tem de conter.

A juventude deste país está colocada hoje diante de um desafio que nenhuma das gerações anteriores deste século viveu. Está inserida na perspectiva da exclusão e na de ser vista exclusivamente como consumidora, e não como partícipe do processo produtivo criador da sociedade. Temos a obrigação de recolocar a dimensão da utopia, que não será desta vez uma ação exclusiva das gerações anteriores, mas que, sem dúvida nenhuma, terá algo da experiência passada. Terminaria estas palavras lembrando que a trajetória do professor Antonio Candido nos recoloca a necessidade de recolher na sombra aquela estrela que entre as dobras das sombras se revela, para que possamos acender a metade humana que combate e, combatendo, recria apaixonadamente a utopia.

*Hamilton Pereira (Pedro Tierra) é poeta e ex-presidente da Fundação Perseu Abramo

 

*ANDRADE, Carlos Drummond de. “Contemplação no banco”. In: Claro Enigma