Planejamento Urbano – por estratégia de inclusão territorial
Por Adail Ribeiro de Carvalho*
Dada sua própria magnitude, desde há muito a questão urbana reclama sua inclusão na agenda política do país. Lembre-se, a propósito, que a população urbana representa mais de 80% do total da população do Brasil. Não por outra razão é que a maioria dos problemas sociais são também problemas urbanos, inclusive a violência, que tem vitimado muitos dos habitantes dos maiores cidades brasileiras.
Por Adail Ribeiro de Carvalho*
Dada sua própria magnitude, desde há muito a questão urbana reclama sua inclusão na agenda política do país. Lembre-se, a propósito, que a população urbana representa mais de 80% do total da população do Brasil. Não por outra razão é que a maioria dos problemas sociais são também problemas urbanos, inclusive a violência, que tem vitimado muitos dos habitantes dos maiores cidades brasileiras.
A questão urbana representa uma gama de fenômenos de relativa complexidade cujo enfrentamento tem de ser feito a partir de um conjunto de políticas públicas que mirem o seu âmago, que é justamente o secular processo de segregação social e territorial. A apropriação da cidade por uma elite descomprometida com o interesse público é responsável pelos surtos intermitentes de violência ou mesmo pela própria guerra continuada. A cidade fraturada que é vista nos meios de comunicações e encarada no dia-a-dia nada mais é do que o corolário trágico desse projeto nefasto.
Uma saída para o problema deve, portanto, fazer com que a vida da cidade – mesmo uma megalópole – não fuja de todo ao controle dos cidadãos. É necessário garantir mecanismos que revertam o processo de estranhamento – e este se apresenta de forma cada vez mais assustador – que a cidade vem representando para a maioria dos cidadãos. Em uma palavra, isso quer dizer que se deve fortalecer a gestão democrática da cidade, estimulando assim os cidadãos a pensar o presente e o futuro da sua cidade.
A Constituição Federal de 1988, reconhecendo a importância dessa faceta específica da realidade brasileira, incluiu em seu texto um Capítulo de Política Urbana, cuja regulamentação aconteceu com a aprovação do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001). A partir desse novo diploma legal, consagrou-se o comando constitucional que determina ser o Plano Diretor o instrumento básico de política urbana, obrigatório para municípios com mais de 20 mil habitantes, integrantes de regiões metropolitanas ou de aglomerações urbanas, integrantes de áreas de especial interesse turístico, inseridos em área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional. É o Plano Diretor que define as condições para o cumprimento da função social da propriedade através da aplicação de uma série de instrumentos de controle da especulação imobiliária – prática tão recorrente quanto danosa ao interesse público. A partir da entrada em vigor do Estatuto, foi estabelecido o prazo de cinco anos, para que os Municípios elaborem os Planos Diretores, os que ainda não tinham, ou adaptem os Planos Diretores que foram elaborado com outros parâmetros. É bom lembrar que esse prazo vai se encerrar no dia 10 de outubro do próximo ano, e o descumprimento pode levar o administrador público a responder por improbidade administrativa.
Ao se iniciar o Governo Lula, o Ministério das Cidades constatou que são aproximadamente 1.700 os municípios que se enquadram nos critérios de obrigatoriedade para elaboração do Plano Diretor e que poucos deles estão cumprindo o comando estabelecido pelo Estatuto da Cidade. É uma realidade que muitas vezes independe da vontade política dos administradores e decorre muito mais muito mais do baixo nível de desenvolvimento institucional que vitima a ampla maioria dos municípios brasileiros. Por essa razão, o Ministério das Cidades tomou a iniciativa de deflagrar a campanha nacional “Plano Diretor Participativo: Cidade para Todos”, que foi lançada oficialmente pelo Presidente Lula no dia 17 de maio deste ano. Essa providencial iniciativa logrou até o momento resultados altamente expressivos, dentre os quais se pode destacar o apoio técnico e financeiro a aproximadamente 370 municípios para elaboração dos seus respectivos Planos Diretores e ainda a constituição de 25 Núcleos Estaduais para permitir a necessária descentralização da campanha.
Essa boa recepção demonstra o interesse das organizações representativas da sociedade e também das autoridades estaduais e municipais em se engajarem não só na campanha em si mas – e o que é mais importante – no próprio processo de elaboração dos Planos Diretores. Afinal, o engajamento da sociedade é o fator diferencial que qualifica o planejamento urbano, e somente assim é que ele pode cumprir eficazmente sua meta, ou seja, materializar o desiderato da gestão democrática da cidade. Não por outra razão é que a campanha carrega já no seu título o termo “Participativo”, pois há a convicção de que não é suficiente que os municípios elaborem seus Planos Diretores. É imprescindível que isso se dê de forma democrática, meio e ao mesmo tempo finalidade da própria participação cidadã.
Embora seja verdade que a reversão do atual quadro de segregação e de degradação da qualidade de vida que conforma o cenário urbano do país carece de amplos investimentos em políticas públicas de caráter estruturante – como saúde, educação, habitação e transporte urbano – é imprescindível que os municípios estejam devidamente aparelhados para realizar investimentos de forma transparente, atendendo a uma estratégia de desenvolvimento urbano costurada democraticamente. O Plano Diretor, sob o enfoque aqui adotado, erige-se como instrumento indutor da revisão e da reversão mesma do modelo até hoje dominante. Portanto, a intenção da Campanha Plano Diretor Participativo – mais do que garantir a elaboração ou adaptação dos Planos Diretores municipais no prazo estipulado pelo Estatuto da Cidade – persegue a finalidade de construir mecanismos permanentes de democratização do planejamento urbano municipal e colocar os destinos da cidade nas mãos dos cidadãos. Ao fim e ao cabo, quer-se pautar a reapropriação da cidade pela cidadania, o que implica uma nova configuração territorial voltada para a universalização do acesso aos bens tanto materiais quanto simbólicos produzidos coletivamente na rica trama que se tece no meio urbano.
Brasília, 16 de novembro de 2005.
* Adail Ribeiro de Carvalho é assessor técnico da Liderança do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados.