A derrota do presidente da Venezuela Hugo Chávez no referendo sobre a reforma constitucional no último domingo foi importante para o próprio líder venezuelano, por mostrar, antes de mais nada, que a democracia funciona em seu país.

A observação foi feita nesta terça-feira pelo cientista político, historiador e professor emérito da Universidade de Brasília, Luiz Alberto Moniz Bandeira, em entrevista à Agência Informes. ‘O presidente Chávez ganhou, porque, perdendo, salvou seu governo de uma situação cada vez mais difícil, em virtude da fratura social e política existente na Venezuela”, disse Moniz Bandeira.

Outro significado importante do ‘não” à mudança constitucional venezuelana é a facilitação do ingresso da Venezuela no Mercosul, pois,na opinião de Moniz Bandeira, destruiu-se o argumento de que o regime de Chávez é ditatorial e contraria a cláusula democrática do bloco. ‘E a entrada da Venezuela é demasiadamente importante para a expansão do Mercosul e o avanço da união de nações da América do Sul’.

Informes – Qual o significado da vitória do Não na Venezuela, tanto local como regional?

Moniz Bandeira – A vitória do Não comprova que a democracia está funcionando na Venezuela.

Informes – A mídia conservadora vinha chamando a Venezuela de país ditatorial. Com o referendo o senhor acha que esta imagem que a mídia tenta passar vai mudar?

Moniz Bandeira – As palavras não mudam a realidade dos fatos. E os fatos freqüentemente contraditam o que a mídia escreve. No caso, o fato é que o plebiscito e a pronta aceitação do resultado pelo presidente Hugo Chávez demonstraram, categoricamente, que na Venezuela há democracia, o que, aliás, as grandes manifestações da oposição estavam a evidenciar. As eleições não são a única característica do regime democrático.

Informes – Nesse caso, Chávez sai ganhando ?

Moniz Bandeira
– O presidente Chávez ganhou, porque, perdendo, salvou seu governo de uma situação cada vez mais difícil, em virtude da fratura social e política existente na Venezuela. A vitória do Sim poderia gerar um acirramento maior das contradições e levar o país a um beco sem saída e a um enfrentamento armado entre oposição e governo. Chávez estava esticando muito o elástico e um governo não pode avançar além das condições objetivas e subjetivas, das possibilidades reais do país. É necessário considerar as relações reais de poder, do que ele descuidava, levado pelo voluntarismo.

Informes – O presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, está tentando obter um terceiro mandato, mas não tem sido criticado pelas elites latino-americanas, incluindo a imprensa conservadora. O sr. acha que a partir do resultado na Venezuela Uribe poderá ser demovido?

Moniz Bandeira
– Em verdade, tentar um terceiro mandato ou reeleição sem limite de vezes, como queria Chávez, não tem em si nada de antidemocrático. Nenhum país na Europa, onde funciona o parlamentarismo, há limites de mandatos para os primeiro-ministros, desde que seu partido vença sucessivas eleições. Na Alemanha, Adenauer permaneceu cerca de 14 anos no governo. Helmut Kohl, cerca de 16 anos. E outros exemplos poderiam ser apontados, como o de Margareth Tatcher e Tony Blair, na Inglaterra.

O importante para a democracia é que haja possibilidade de alternância no poder. Esta tese eu defendi em 1995, em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo. Com respeito ao presidente Uribe, se será ou não removido, depende da correlação de forças na Colômbia. E, ao contrário de Chávez, ele conta com a simpatia das forças conservadoras e da mídia.

Informes – No âmbito das relações regionais, o que significa a derrota de Chávez?

Moniz Bandeira
– A derrota de Chávez, como já disse, liquida com o argumento de que a Venezuela não pode ser admitida no Mercosul, por ser uma ditadura e contrariar, portanto, a cláusula democrática estabelecida pelos quatro sócios da união aduaneira. Este argumento foi levantado por setores políticos brasileiros e até pelo Paraguai, cujo governo atual joga em favor dos interesses dos Estados Unidos.

Informes – Os EUA têm sido acusados por Chávez de interferência no assuntos venezuelanos. Como fica o governo Bush agora, com a derrota de Chávez?

Moniz Bandeira – Sim, os Estados Unidos interferiram e ainda continuam a interferir na Venezuela, assim como em outros países da América do Sul. As atividades da CIA na América Latina, conforme revelou o próprio embaixador John Negroponte, quando diretor de Inteligência dos Estados Unidos, voltaram aos níveis do tempo da Guerra Fria. Mas o governo do presidente George W. Bush já está fenecendo, derrotado por suas próprias políticas, que têm contribuído para o declínio da hegemonia dos Estados Unidos, perceptível na desvalorização do dólar. Há dois dias, o programa de televisão da agência Bloomberg, dedicada a negócios e investimentos, aconselhou na Alemanha os países a trocarem os dólares por moedas asiáticas, o yen, e o real, do Brasil. A China e os países árabes já estão a converter suas reservas em dólares em euros, mas o fazem cautelosamente, devagar, para evitar uma súbita débâcle, que desvalorize seus próprios acervos.

Informes – Charles de Gaulle, na França, ficou vários anos no poder, legitimado por consultas populares como as feitas pelo governo Chávez. Por que só agora questiona-se o mecanismo do plebiscito? Só por que se trata de Chávez?

Moniz Bandeira – O plebiscito é um recurso legítimo, democrático, mas De Gaulle permaneceu no poder porque era reeleito. Com o plebiscito, ele buscava referendar seus projetos, como agora Chávez pretendeu. E, aliás, era o que Allende queria fazer no Chile, em face da oposição do Congresso ao programa da Unidade Popular.

Informes – Por fim, para o Brasil e o governo Lula, o que significa tudo isto?

Moniz Bandeira – A derrota de Chávez em nada afeta o Brasil, como também a sua vitória não afetaria. A derrota, porém, aplainará o terreno para a aprovação do ingresso da Venezuela no Mercosul, destruindo o argumento de que o regime de Chávez é ditatorial e contraria a cláusula democrática. E a entrada da Venezuela é demasiadamente importante para a expansão do Mercosul e o o avanço da união de nações da América do Sul.

Publicado no boletim Informes em 5/12/2007