Promoção da igualdade racial será ampliada desde o ensino básico
O segundo encontro do ciclo de debates “Ações afirmativas: estratégias para ampliar a democracia”*, realizado no último dia 3, em São Paulo, reuniu especialistas em educação que abordaram a importância da ampliação das políticas voltadas especificamente ao acesso e permanência de negros e indígenas em todos os níveis de ensino, de forma simultânea às políticas universais.
Com o tema “Ações afirmativas como estratégias para superação do racismo e da discriminação racial”, o debate teve como expositores o ministro da Educação, Fernando Haddad, o reitor da Universidade de Brasília, Timothy Mulholland, e o economista Marcelo Paixão. A doutora em Filosofia da Educação e diretora do Instituto da Mulher Negra Geledés foi comentarista da mesa, coordenada por Augusto Buonicore, secretário-geral do Instituto Maurício Grabois.
De acordo com o ministro da educação, Fernando Haddad, neste segundo mandato o governo federal pretende atuar desde a educação básica para promover a igualdade racial por meio de medidas que propiciem ensino de qualidade com eqüidade desde a infância. Ele informou que o Plano de Desenvolvimento da Educação resgata o conceito de território com o objetivo de promover a eqüidade de oportunidades educacionais em todos os níveis. Segundo Haddad, ao efetuar uma radiografia da educação brasileira, verifica-se que, nas escolas e sistemas onde há mais negros, as condições são mais precárias, e isso se reflete nos indicadores educacionais. “Se quisermos equalizar as oportunidades para valer, teremos de acompanhar indicadores de qualidade e reforçar do ponto de vista orçamentário a dotação para escolas e sistemas que estão abaixo da média nacional. Ao fazer isso, levaremos recursos para a educação no campo, nas comunidades quilombolas, para regiões onde é obrigação da União fazê-lo”, disse.
O ministro destacou ainda o mérito do Projeto de Lei 73/99 – que institui reservas de vagas para alunos oriundos de escolas públicas respeitando a proporcionalidade de negros e indígenas em cada unidade da Federação – ao suscitar a discussão dessa proposta. Independentemente da aprovação da Lei, as instituições de ensino passaram a aprovar em seus colegiados a adoção de várias modalidades de políticas de ações afirmativas, que, segundo ele, atualmente são praticadas por cerca de 40 universidades.
Além de viabilizar o ingresso de mais de 100 mil cotistas nas universidades federais, as ações afirmativas possibilitaram o ingresso de 200 mil bolsistas que se declararam afrodescendentes em instituições particulares por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni). “Podemos dizer com muita segurança que nenhuma previsão catastrofista em relação a essas políticas se verificou, nem suavemente. As idéias de recrudescimento do ódio racial, perda de qualidade da educação superior, tudo o que foi pregado como resultado imediato não aconteceu. Isso consolidou no âmbito do Ministério da Educação a idéia de que nós devemos avançar nessas políticas e apoiar as universidades já as adotam”, afirmou.
O professor Timothy Mulholland, reitor da Universidade de Brasília (UnB), apresentou dados que reforçam a necessidade de adotar ações afirmativas na área da educação e destacou especialmente a necessidade de desenvolver políticas de permanência para que os jovens cotistas consigam concluir os cursos. “Precisamos fortalecer as redes de parcerias para promover intercâmbio de soluções”, disse.
Na UnB, onde 20% das vagas são destinadas a negros e indígenas desde 2003, há dois mil estudantes cotistas autodeclarados. A Universidade adotou ainda como políticas de permanência um centro de convivência, um núcleo da igualdade racial, um grupo de trabalho e vários grupos atuantes.
Resposta aos conservadores – O economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Marcelo Paixão, que foi um dos expositores do evento, dedicou-se a contra-argumentar as principais idéias mais recentemente apresentadas pela reação conservadora às ações afirmativas que vêm sendo implantadas no Brasil. Entre elas, a de que o conceito de raça já estaria superado biologicamente. “Se as raças de fato não existem, como os pesquisadores conseguem tirar a composição racial do DNA das pessoas?”, indagou, referindo-se à série de reportagens publicadas sobre o tema recentemente.
Segundo Paixão, as formas físicas e traços das pessoas não são iguais e esses traços diferentes, em determinado momento histórico, foram utilizados para submissão e subordinação de outros povos. “Esse debate não remete ao plano biológico, e sim aos planos social e cultural, os quais, por sua vez, ainda geram diferenças na vida política e econômica dos cidadãos”, afirmou.
Outro argumento rebatido pelo professor é o de que as ações afirmativas supostamente desconheceriam que nem todos os afrodescendentes são exatamente negros. Para ele, a maioria da população negra apresenta dificuldade em assumir sua identidade, mas isso não a torna livre dos mecanismos discriminatórios. “O mais grave é que os conservadores, de forma totalmente autoritária, usam suas teorias para tentar nos roubar o conteúdo das nossas vivências. É como se a discriminação vivida pelos negros no dia a dia não existisse”, afirmou.
Paixão concluiu sua exposição com uma abordagem específica do debate sobre cotas para negros nas universidades. “Trata-se de fato da formação de quadros capacitados para ocupar postos públicos, é deles que a elite conservadora não quer abrir mão”.
A doutora em Filosofia da Educação e diretora do Instituto da Mulher Negra Geledés, Sueli Carneiro, afirmou ao comentar a exposição do ministro Haddad que é importante que o conceito de território seja aplicado sem renunciar à dimensão racial.
Ela destacou ainda que os conservadores que se opõem às ações afirmativas baseiam-se no princípio da igualdade formal do liberalismo clássico, do século XIX, historicamente utilizado para permitir à sociedade discriminar determinados grupos. “Eles ignoram todo o aporte teórico produzido pela Ciência Política no século XX e desconsideram toda a diversidade de países que adotaram as ações afirmativas para corrigir distorções sociais. Essas experiências envolvem países em desenvolvimento e desenvolvidos, passando pela Índia, Estados Unidos, Malásia, Inglaterra, Alemanha e África do Sul, entre outros”, concluiu.
Próximos encontros:
1°/10 – Aspectos jurídicos como base para as políticas de igualdade racial
22/10 – O impacto das ações afirmativas na comunicação social
5/11 – Democracia, igualdade racial e políticas internacionais
3/12 – Direitos culturais, políticos e cidadania no Brasil contemporâneo
Ciclo de Debates “Ações Afirmativas: estratégias para ampliar a democracia”
Realização:
Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR)
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
Apoio:
Agência de Notícias do Direitos da Infância (ANDI)
Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (ABONG)
Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN)
Fundação Friedrick Ebert (FES/ILDES)
Fundação João Mangabeira
Fundação Perseu Abramo (FPA)
Instituto Maurício Grabois (IMG)
União Nacional dos Estudantes (UNE)
Instituto de Pesquisa Econômic Aplicada (IPEA)
Ministério da Cultura (MINC)/Fundação Cultural Palmares
Ministério das Relações Exteriores (MRE)
Ministério da Educação (MEC)/Secretaria de Educação, Alfabetização e Diversidade (SECAD)
Secretaria de Comunicação Social (SECON/PR)
Ministério da Justiça (MJ)