Emma e Beth
Emma Goldman |
Elizabeth de Souza Lobo tinha quarenta anos quando foi editado em 1983 o seu pequeno e precioso livro Emma. A vida como revolução, na coleção Encanto Radical da Brasiliense. Na apresentação do livro, Beth Lobo faz dialogar os sonhos de Emma Goldman com os sonhos futuros de seu filho, Leon Garcia, no ano 2000. Como quem diz, “Emma Goldman sou eu”.
Descontínuas, formuladas ao redor das margens, as culturas libertárias do anti-capitalismo precisam destes encontros. E é interessante seguir no livro as pegadas deste encontro formador da cultura feminista brasileira no início dos anos oitenta.
Há, em primeiro lugar, a identidade da fusão do feminismo com os mundos da classe operária. Emma Goldan, tecelã aos quinze anos em Rochester, nos EUA, constituiu a sua primeira militância junto aos círculos de lideranças operárias anarquistas que formaram os primeiros movimentos radicais em greves e lutas pela jornada de oito horas. Beth Lobo, empenhada em fundar a cultura feminista do recém criado Partido dos Trabalhadores, seria autora do clássico A classe operária tem dois sexos (Brasiliense, 1991).
Em segundo lugar, vem a crítica, pelo ângulo democrático radical, dos impasses da revolução russa já nos seus anos iniciais. Emma, deportada junto com 247 anarquistas para a União Soviética em 1919, chegaria a participar como intermediadora de um acordo que não houve entre os marinheiros do Kronstadt e o poder revolucionário dirigido pelos bolcheviques. Beth, formada nos valores do socialismo e liberdade, reconheceria na crítica anarquista as suas razões, sem partilhar com ela as alternativas doutrinárias.
Mas havia, sobretudo, a identidade radical do feminismo, encarnada na defesa pública de Emma dos valores do amor livre, típica do encontro entre os círculos do movimento operário e a boemia radical americana do começo do século em Village, New York. Emma fazia parte do circuito em que se formou John Reed, o insuperável cronista da revolução russa, o dramaturgo Eugene O`Neill. Durante as memoráveis jornadas de 1968, Beth estudava literatura em Paris e viveu, “em busca da revolução perdida”, como diz, os anos Allende no Chile.
Beth separou de Emma as seguintes palavras para concluir o seu encontro:
“ (…) Precisamos desembaraçar-nos das velhas tradições, dos hábitos ultrapassados, para então ir em frente. O movimento feminista deu apenas o primeiro passo nesta direção. É necessário que se fortaleça para dar o segundo passo. O direito de voto, a igualdade civil, podem ser reivindicações justas, mas a emancipação real não começa nem nas urnas nem nos tribunais. Começa na alma de cada mulher. A história nos ensina que em todas as épocas foi por seu próprio esforço que os oprimidos se libertaram de seus senhores. É preciso que a mulher aprenda esta lição: que a sua liberdade se estenderá até onde alcance seu poder de libertar-se de si mesma. Por isso, é mil vezes mais importante começar por sua regeneração interior: derrubar o fardo dos preconceitos, das tradições, dos hábitos(…).”
Os anos oitenta e noventa foram décadas conservadoras do ponto de vista das culturas da emancipação. Nesta conjuntura dos anos iniciais do novo século, lembrar o encontro de Emma e Beth é alimento para a cultura do socialismo democrático.
JG