Valter Pomar
Alguns signatários da “Mensagem ao Partido” acreditam que a “revolução democrática” seria nosso caminho para o socialismo. Quem acredita nisso, deveria ler a esclarecedora entrevista que Tarso Genro, um dos principais signatários da “Mensagem”, concedeu ao jornalista Otávio Cabral (Veja, 28/3/2007).
Lá, Tarso Genro afirma que “o PT também se originou de organizações revolucionárias que defendiam a visão unitária do estado a partir da luta de classes. Mas (…) essa visão unitária do estado nunca foi hegemônica no PT.
Hoje, é altamente minoritária, não tem nenhuma chance de vingar. É por isso, inclusive, que o PT vem sofrendo algumas dissidências. Dentro do partido, as visões mais tradicionalmente ligadas ao messianismo proletário tornaram-se cada vez menos expressivas. Hoje, independentemente de ranço ideológico aqui e ali, não há mais nenhum grupo no PT que defenda um projeto socialista compatível com a supressão das liberdades, com uma visão de dominação de classes, de estado classista”.
Portanto, ao menos para Tarso Genro, falar do caráter de classes do Estado é “ranço ideológico”. Mas se é assim, o que é o Estado? Algo neutro, que paira acima das classes? Ou um “espaço em disputa” entre várias classes sociais?
Admitida alguma destas duas explicações, então não haveria motivo para a “Mensagem” criticar a ilusão social-democrata na “neutralidade do Estado”.
Afinal, os social-democratas não acreditam que o Estado seja “neutro” no sentido vulgar da palavra. Fosse assim, eles não disputariam como disputam o controle do aparelho de Estado. O que os social-democratas modernos não aceitam é a teoria que atribui um “caráter de classe” ao Estado, entre outros motivos porque aceitar esta teoria implica em perceber os limites das disputas eleitorais e nos obriga a discutir a necessidade de substituir o Estado “burguês” por um Estado “socialista”.
Na entrevista já citada à revista Veja, Tarso afirma também que é difícil uma democracia se consolidar “com tanta desigualdade social. Isso porque a democracia tem um arcabouço institucional, mas sua base é a coesão social”.
Para o caso de não ter ficado claro o alcance do argumento, Tarso Genro desenvolve seu raciocínio e explica: “a palavra adequada é coesão social. A democracia tem de admitir uma desigualdade social relativa, senão ela não será democracia. O elemento estratégico vital para sua consolidação é a coesão social. Eu diria que a grande utopia da revolução democrática do Brasil é fazer com que as pessoas pertençam às classes sociais, e não que sejam destituídas de classes sociais. Temos de reestruturar a sociedade de classe. As pessoas têm de ter o sentimento de pertencer às classes sociais porque assim elas participam de um diálogo de coesão. Isso é que dá estabilidade e força à democracia”.
Poderíamos traduzir assim o raciocínio: o Estado democrático burguês não é compatível com o fim da desigualdade. Nos marcos do Estado democrático burguês, o máximo que se pode fazer é reduzir a desigualdade. Para isso, é preciso convencer os de baixo a não pedir demais e convencer os de cima a ceder um pouco mais. Sem isso, não será possível a coesão social. E um elemento central da coesão social é que as pessoas aceitem a divisão da sociedade em classes.
Ao menos na leitura de Tarso Genro (certamente não compartilhada por todos os signatários da “Mensagem”), há uma clara relação entre a “revolução democrática” e a social-democracia. Apresentar isto como um caminho para o socialismo é propaganda enganosa.