Um olhar sobre o Brasil
A agenda da direita, a manutenção do veto à emenda 3, a sucessão em 2010, o novo ministério e o 3º Congresso do PT são os assuntos abordados no Periscópio Internacional nº 13, que também fala um pouco sobre o conservadorismo econômico e sobre a questão do aborto e a saúde pública.
A vez e a hora de Lula e os sindicalistas
Agenda da direita
Manutenção do veto à emenda 3
Sucessão em 2010
Novo ministério
Nomes polêmicos
Conservadorismo econômico
Bons ventos
Aborto e a saúde pública
3º Congresso do PT
A vez e a hora de Lula e os sindicalistas
O presidente Lula concedeu no mês de maio sua primeira entrevista coletiva neste segundo mandato. Há quem esperasse ver um presidente acuado pelos entrevistadores, forçado a falar sobre temas considerados espinhosos pela mídia, como a reeleição, a coalizão dos partidos que sustentam o governo, a reforma trabalhista e o aborto. Mas o que se viu foi um presidente tranqüilo, disposto a responder a tudo o que lhe foi questionado.
Do ponto de vista da mídia, o espetáculo resultou em uma morna troca de informações, em parte pela própria pauta proposta pelas empresas de comunicação, e a incapacidade dos profissionais de irem além das manchetes do dia-a-dia.
Se, de um lado, os grandes jornais gostaram do que ouviram – o presidente descartou a possibilidade de disputar o terceiro mandato em 2010; defendeu candidato único da base aliada para a sucessão presidencial, deixando em aberto um leque amplo de opções, dado que 11 partidos compõem a coalizão governista -; de outro, Lula conseguiu polemizar com setores que o apóiam, antigos companheiros de partido e do movimento sindical, quando respondeu a questões sindicais.
Como era de se esperar, as manchetes do dia seguinte à entrevista deram destaque à crítica de Lula para a greve de servidores. “Lula compara greve de servidores a férias” estampou o jornal Correio Braziliense; “Lula acusa servidor de usar greve como férias”, na capa da Folha de S.Paulo; o jornal O Estado de S.Paulo destacou que, segundo Lula, “funcionários públicos não podem fazer greve como se fossem trabalhadores da iniciativa privada”.
Questionado por uma jornalista sobre o anteprojeto de lei preparado pela Advocacia-Geral da União (AGU), que “endurece as regras a sindicalistas”, Lula disse que sempre discutiu com os seus companheiros servidores públicos que a greve no setor público não deveria ser feita como se faz a greve numa fábrica. O “servidor público não tem patrão e o prejudicado, na verdade, não é o governo, é o povo brasileiro”. E foi mais além, declarou que “nenhum brasileiro pode aceitar, é alguém fazer 90 dias de greve e receber os dias parados, porque, aí, deixa de ser greve e passa a ser férias”.
À crítica de Lula, o presidente da Central Única dos Trabalhadores, Artur Henrique, respondeu que, “primeiro, é preciso garantir o direito dos servidores à negociação coletiva. Depois, se coloca a questão de como regulamentar os conflitos”. O dirigente sindical acrescentou que “ninguém gosta de fazer greve”. “Mas sem a garantia de negociação coletiva essa é a única forma de as autoridades responderem às reivindicações”.
A CUT é contra o anteprojeto que trata da greve no setor público. Para a central, o conteúdo é “autoritário e indecente” e aborda o assunto com termos usados na ditadura. O anteprojeto da AGU, encaminhado à Casa Civil, prevê, dentre outras coisas, que nenhuma greve do funcionalismo poderá ser deflagrada sem a presença de pelo menos dois terços da categoria na assembléia; em todos os setores do funcionalismo público, 40% dos serviços deverão ser mantidos sem alteração da rotina; e toda greve deverá ser comunicada às autoridades 48 horas antes de ser deflagrada.
O ex-presidente da CUT, João Felício, foi duro em sua resposta ao anteprojeto. Em artigo publicado no portal da Central na internet, o sindicalista afirma que “algumas das peças do baú de maldades são verdadeiras pérolas, jogadas aos porcos da grande mídia, cujos patrões insistem em pautar e impor o programa neoliberal derrotado nas últimas eleições como política de governo, desconstruindo o serviço público e ridicularizando os servidores para melhor viabilizar a privatização do Estado brasileiro”.
Para Felício, “ao defender o projeto de regulamentação de greve, o presidente da República entra em choque com a sua base de sustentação, com o movimento sindical e social que foi às ruas para defender a democracia e derrotar o golpe da direita. Enquanto isso, é aplaudido pela mesma direita que tentou derrubá-lo, o que deve servir de elemento de reflexão e, mais do que isso, intensa preocupação. Definitivamente, o movimento sindical brasileiro não merece uma legislação que regulamente a sua vida”.
A polêmica entre o presidente e os sindicalistas teve mais um episódio na mesma semana, em que concedeu a entrevista coletiva. Durante a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), órgão de assessoramento do presidente da República, Lula pediu aos sindicalistas que discutam reformas trabalhistas e previdenciárias sem “medo” e sem “dogmas”. Em resposta, mais uma vez o presidente da CUT endureceu no discurso e disse que “nós [sindicalistas] não temos medo do debate. Nós não temos dogmas. Mas, se a questão é combater dogmas, então peço aos conselheiros que os abandonem e venham debater a redução do elevadíssimo superávit primário, a redução da alta taxa de juros, o aumento das verbas para políticas públicas e sociais e a inclusão dos trabalhadores. Queremos discutir temas como o que fazer para acabar de uma vez por todas com a morte de trabalhadores cortadores de cana no Brasil, por exemplo. O que não aceitamos é sermos convidados sempre para discutir a agenda da direita, a agenda que foi derrotada nas últimas eleições”.
Agenda da direita
A agenda a que se refere o presidente da CUT foi tema de debate na última reunião do Diretório Nacional do PT. De acordo com a resolução aprovada pelos dirigentes petistas, “o conservadorismo neoliberal tenta recuperar espaço”. (Leia a íntegra)
“Derrotada nas eleições de 2006, a oposição neoliberal tenta recolocar em pauta uma reforma trabalhista e previdenciária que implicariam em perda de direitos. As medidas e atitudes do governo nessa área devem ter, sempre, o sentido oposto: ampliar os direitos trabalhistas e previdenciários da população brasileira”, diz o documento do PT.
Para os dirigentes petistas, “propostas que visam aumentar a idade da aposentadoria, transformar o atual sistema num regime privado e de capitalização individual, a exemplo do modelo chileno, são ademais politicamente insustentáveis. Já a defesa de medidas como a restrição ao direito de greve causa confusão no campo popular. O PT sempre defendeu e continuará defendendo o direito de greve”.
Ainda segundo o documento, o “PT considera necessário dar atenção às críticas que a CUT e outros setores dos movimentos sociais fazem ao PLP 01/07. O Diretório Nacional orienta a bancada do PT a buscar uma solução mediada entre o governo e os movimentos sociais, trazendo este debate para deliberação na direção nacional do Partido”.
A CUT, junto com outras entidades, está levantando duas bandeiras centrais de luta: Não à emenda 3 – vetada pelo governo; e Não à aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLP 01) – editado pelo governo.
Este último é uma parte essencial do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado pelo presidente Lula, que prevê corte de impostos e investimentos de R$ 503,9 bilhões até 2010 — incluindo recursos do governo federal, estatais, como a Petrobras e o BNDES, e a iniciativa privada —, com prioridade para a infra-estrutura. O programa engloba um conjunto de medidas destinadas a desonerar e incentivar a iniciativa privada, aumentar os investimentos públicos e aperfeiçoar a política fiscal.
De acordo com a CUT, o PLP 01/07 limita as despesas com pessoal da União nos próximos 10 anos à inflação mais 1,5% ao ano significa na prática uma política de arrocho salarial para os servidores públicos, pois as verbas vão cobrir apenas o crescimento vegetativo da folha de pagamento – eventuais promoções, anuênios, aposentadorias -, engessando a política de concursos públicos, inviabilizando novas contratações e a necessária valorização dos serviços, reconhecidamente sucateados.
Mas, como bem disse o jornalista Altamiro Borges, em seu artigo “A lei antigreve do governo Lula-II”, o governo Lula “dá uma no cravo e outra na ferradura”, como diz o ditado popular. “Ontem, o veto presidencial à Emenda-3 da precarização do trabalho, medida saudada pelo sindicalismo; hoje, uma brutal regressão no direito de greve dos trabalhadores. Portanto, se as entidades sindicais e dos movimentos sociais divergem do governo quanto ao PLP 01/07, estão juntos em defesa ao veto do presidente à Emenda 3”.
Manutenção do veto à emenda 3
A Emenda 3, vetada pelo presidente Lula, proibia os auditores fiscais da Receita Federal de autuar ou fechar as empresas prestadoras de serviço constituídas por uma única pessoa, quando entendessem que a relação de prestação de serviços com uma outra empresa era, na verdade, uma relação trabalhista. A emenda transferia para o Poder Judiciário a definição de vínculo empregatício, beneficiando profissionais liberais que atuam como pessoas jurídicas e as empresas que utilizam seus serviços, em substituição ao contrato de trabalho pela CLT.
Na prática, a tal emenda inviabilizaria fiscalizações do MTE nos casos de trabalho escravo. Caso uma equipe de funcionários públicos encontre trabalhadores sem carteira assinada em uma fazenda, o empregador poderia simplesmente alegar que as pessoas ali não têm vínculo com ele. E só caberia à Justiça do Trabalho, caso algum empregado entrasse com uma ação judicial, definir quem tem razão: o empregador ou a equipe de fiscalização. Os auditores estariam impossibilitados de aplicar autos de infração, que hoje constituem um dos instrumentos mais importantes no combate à escravidão.
Na reunião do Diretório Nacional, o PT deliberou o engajamento, junto aos movimentos sociais, no esforço concentrado para a votação da manutenção do veto presidencial à emenda 3, como um momento importante de articulação da luta institucional com a luta social em defesa dos direitos da classe trabalhadora. “O PT decide organizar uma campanha em defesa dos direitos trabalhistas, em apoio ao veto do Presidente Lula à emenda 3, questionando o seu conteúdo desregulamentador de direitos da classe trabalhadora através da pretensa regulamentação da PJ (pessoa jurídica)”, diz o documento.
Sucessão em 2010
Uma das primeiras perguntas enfrentadas por Lula, durante a entrevista coletiva, foi sobre a sucessão presidencial em 2010, e se ele poderia vir a concorrer ou não a um terceiro mandato consecutivo.
Lula respondeu o que já vem repetindo há tempos: “eu fui contra a reeleição até o momento em que a lei perdurou, e eu fui obrigado a ser candidato à reeleição porque a situação política exigia que eu fosse o candidato”. Disse ainda que não será candidato em 2010 e defendeu um mandato de cinco sem direito à reeleição.
O presidente declarou também que o candidato a sua sucessão deve ser da base de sustentação do governo, deverá ser discutido entre todos os partidos que a compõem. Não necessariamente um candidato do PT.
Segundo a jornalista Maria Cristina Fernandes, do jornal Valor, esta declaração diz mais sobre seu governo do que sobre sua sucessão. “Lula não será capaz de manter unidos os 11 partidos de sua coalizão se, desde já, ficar clara sua preferência por qualquer um deles”. Fernandes analisa que “é mais do que improvável que o partido do presidente da República não tenha um candidato à sua sucessão, o que não significa que venha a ser o preferido de Lula”.
A reeleição de Lula, em outubro de 2006, inaugurou uma nova conjuntura no país. Por um lado, as forças progressistas e de esquerda mantiveram o governo do país, tendo como obrigação implementar seu programa, pré-condição para viabilizar a vitória desta coalizão política, nas eleições de 2010. Por outro, as forças neoliberais sofreram sua segunda derrota nas eleições presidenciais, buscando agora a cumular forças para tentar recuperar a presidência da República na próxima eleição.
Como ressalta a resolução aprovada pelo Diretório Nacional do PT, “cabe ao governo, às forças da coalizão e ao PT aproveitar da melhor maneira possível as condições existentes para implementar o programa vitorioso nas eleições de 2006, especialmente no segundo turno. O lançamento do PAC, o programa para a Educação, a criação de uma rede pública de TV, a reforma política e a ampliação da integração continental constituem parte importante deste programa”.
No entanto, continua o texto, “é preciso compreender que os êxitos administrativos do governo, por si só, não criam as condições para a continuidade institucional do projeto democrático-popular. Faz-se necessário fortalecer o PT, reconstituir o campo democrático-popular (composto por partidos de esquerda e movimentos sociais) e definir uma tática adequada para as próximas eleições. A inexistência de uma candidatura natural para as eleições presidenciais de 2010, estimula a competição entre os diferentes partidos e personalidades que compõem a coalizão de governo”.
A eleição do petista Arlindo Chináglia para a presidência da Câmara dos Deputados mostrou a existência de uma disputa no interior das forças que apóiam o governo Lula. Esta disputa combina divergências programáticas com disputa de espaço, tendo em vista as futuras eleições presidenciais.
Na eleição da Câmara, Chináglia venceu Aldo Rebelo, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), também da base aliada do governo. O comunista contou com o apoio do Partido Socialista Brasileiro (PSB), aliado histórico do PT.
O esgarçamento das relações entre o PT, PSB e PCdoB pode ser algo muito negativo, tendo como efeito colateral o fortalecimento da oposição, bem como dos setores mais conservadores da coalizão.
Atento a este fato, na coalizão de governo, o PT defende a recomposição do campo democrático-popular, estabelecendo um diálogo permanente principalmente com o PSB e com o PCdoB. “Cabe lembrar que a coalizão governamental não é o bloco democrático-popular (PCdoB, PSB, PDT, PV, PMN), que tradicionalmente orienta nossas alianças eleitorais nos estados e municípios”.
Para o DN, a composição do ministério do segundo mandato Lula correspondeu apenas à correlação de forças existente no Congresso Nacional, mas não considerou devidamente as demais variáveis, como a governabilidade social e a correspondência com o movimento que foi realizado no segundo turno.
Novo ministério
O tempo gasto na reforma ministerial foi e segue sendo excessivo. A demora e também o método adotado resultaram, mesmo não tendo sido essa a intenção, num ambiente que facilitou a operação de desgaste contra o PT, operação alimentada pela oposição e pela mídia.
Quanto ao método, o mais adequado teria sido a discussão formal entre o PT e o presidente Lula, acerca das linhas gerais do segundo mandato e sobre o perfil da equipe; depois, a mesma discussão com os partidos de esquerda; finalmente, uma discussão com todos os partidos da coalizão. E, obviamente, que esta lógica de conversações não fosse apenas temporal, mas expressasse, da parte do presidente, uma valoração positivamente diferenciada da opinião do seu partido e dos aliados de esquerda acerca do processo.
O método adotado, mesmo que não fosse essa a intenção, tratou de maneira formalmente igual a todos; na prática, deu ao PT uma interlocução inferior a de outros partidos e setores.
Quanto à alteração quantitativa ou qualitativa na presença de petistas no governo, se o parâmetro de comparação, por exemplo, for o ministério montado no início de 2003, o PT perdeu dois espaços estratégicos: Saúde, para o PMDB; e Cidades, para o PP – um partido de direita.
De todo modo, é preciso distinguir “a presença de petistas no governo” da “presença do PT no governo”. A maior parte dos ministros petistas que seguem no governo, independentemente da avaliação que seja feita sobre eles, seguem por indicação do presidente, não necessariamente por indicação do Partido.
Por outro lado, há um crescimento quantitativo e qualitativo da presença do PMDB no governo e nas lideranças do governo no Legislativo, com implicações preocupantes sobre a dinâmica do governo e sobre as eleições de 2010. O PMDB está à frente dos ministérios da Agricultura, das Comunicações, da Integração Nacional, das Minas e Energia e da Saúde.
Nomes polêmicos
A composição do novo ministério de Lula também foi alvo de questionamento durante a coletiva. A revista Carta Capital, um dos 15 veículos de comunicação sorteados para a entrevista, quis saber sobre as presenças de antigos desafetos no primeiro escalão do governo: foram citadas as indicações de Geddel Vieira lima para o Ministério da Integração Regional e de Mangabeira Unger para a Secretaria de Ações de Longo Prazo.
O ministro Geddel, do PMDB, é acusado de improbidade administrativa, pecuarista, herdeiro político de uma das famílias tradicionais da política da Bahia, sem compromisso com as causas populares, apoiador de FHC, opositor até há pouco do governo Lula. Unger, do PR, chegou a escrever um artigo onde acusava Lula de chefiar o governo mais corrupto da história do Brasil, além de pedir o impeachment do presidente. Ao que Lula respondeu: “Muita gente ainda vai engolir o que disse do meu governo”.
Além de Geddel, outros nomes indicados pelo PMDB são, no mínimo, polêmicos para um governo democrático-popular. Com a indicação de Reinold Stephanes para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a equipe do segundo mandato tem mais um quadro da direita, ex-ministro de Collor e de FHC.
Nessas indicações, há um erro de origem, qual seja, o de tratar o Mapa como um ministério que deve ser dirigido, preferencialmente, por alguém ligado ao agronegócio. As críticas que a indicação de Stephanes recebeu de setores ruralistas não alteram este fato: o presidente segue optando, como fez no primeiro mandato com Roberto Rodrigues e com Furlan, por uma lógica de “coalizão social” com setores do grande empresariado.
É isto que explica, ao menos em parte, o convite feito a Miguel Jorge, para o Ministério do Desenvolvimento. Vice-presidente do Santader e membro do Conselho Administrativo da S.A. O Estado de S. Paulo, ex vice-presidente da Volkswagen (e da Autolatina), ex editor-chefe do Estadão, Miguel Jorge tem uma trajetória de “executivo” pontuada por sérios ataques à organização sindical e aos direitos trabalhistas de jornalistas, bancários e metalúrgicos. E expressará, no governo, os interesses de um setor do grande empresariado.
No ministério das Comunicações, a manutenção de Hélio Costa causa também uma profunda frustração, particularmente, por ser um das áreas mais estratégicas para o país. Nesta área, o PT sempre defendeu a indicação de alguém comprometido com a democratização dos meios de comunicação e sem vínculos com as empresas de radiodifusão ou operadoras de telefonia. Portanto, não é este o caso de Costa, sabidamente comprometido com os interesses das Organizações Globo. Por razões similares, não é possível deixar de registrar contrariedade com a indicação de Ronaldo Sardemberg, ex-ministro do FHC, para a Anatel.
Além destes problemas, ligados a uma determinada concepção sobre o que deve ser o “governo de coalizão”, ficou evidente a necessidade do governo não baixar a guarda nos temas éticos.
É preocupante, por exemplo, a existência de fortes acusações contra pessoas indicadas para o ministério, o rápido crescimento do Partido Republicano (ex PL – Partido Liberal), a presença do PTB (que segue presidido por Roberto Jefferson e tendo Collor dentre os seus integrantes) no ministério encarregado da articulação institucional e na liderança do governo na Câmara.
Vista de conjunto, a reforma ministerial segue até agora prisioneira de um conceito de governabilidade institucional.
A prioridade é corresponder à correlação de forças existente no Congresso Nacional, muito mais recuada do que aquela que foi produzida no segundo turno de 2006. Um exemplo disso é a presença de Roseana Sarney, filha do ex-presidente da República, José Sarney, na liderança de governo no Congresso, dando sobrevida a uma oligarquia de mais de 40 anos, que foi derrotada pelo povo.
Conservadorismo econômico
A respeito da área econômica, no caso do específico do Banco Central, a manutenção de seu atual presidente Henrique Meirelles e de uma diretoria alinhada com suas posições é contraditória com os propósitos de crescimento econômico enunciados pelo PAC e com a necessária subordinação política e institucional que o BC deve guardar em relação ao Ministério da Fazenda.
A queda do dólar abaixo de dois reais trouxe à tona o embate entre correntes econômicas. Novamente, de um lado os desenvolvimentistas que atribuem o preço do dólar à taxa alta de juros, a Selic, a maior do mundo, a incentivar a entrada da moeda norte-americana em operações especulativas que resultam na sobrevalorização do real. De outro, uma parcela de economistas que sustenta que a desvalorização do dólar é um fenômeno mundial, que pouco há de se fazer, apesar de deixar um rastro de destruição em setores industriais mais tradicionais.
Na entrevista coletiva, quem esperava uma mudança no discurso do presidente Lula decepcionou-se. Segundo o presidente, o câmbio vai continuar flutuante, e a depender do Banco Central seu objetivo é o controle da inflação.
A redução lenta da taxa de juros – de 19,75% em setembro de 2005 para 12,5% neste ano – promoveu a entrada de investimentos estrangeiros no país, com a entrada de grande volume de dólares injetados na economia.
Para o economista Ricardo Carneiro, da Universidade de Campinas, em entrevista à revista Carta Capital, dois movimentos são perceptíveis com a queda do dólar. O primeiro é a redução das exportações de manufaturas. O segundo, a troca de fornecedores internos por externos. “Isto é perda de emprego amanhã”, reforça. “O país já está no caminho da desindustrialização. E, nos setores tecnologicamente avançados, há um processo de transformação das indústrias em meras montadoras ou maquiadoras”, afirma.
David Kupfer, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também compactua com a mesma tese. Segundo ele, também em entrevista à Carta Capital, diante do cenário de um processo longo de câmbio valorizado, o país será um fabricante e exportador de produtos derivados de commodities com baixo grau de especialização. “Desindustrialização”, decreta.
Para os economistas, o Comitê de Política Monetária (Copom) poderia promover um corte substancial na taxa básica de juro, o que levaria os especuladores a desmontar as operações de apostas na contínua valorização do real. Segundo economistas, o ritmo poderia subir de 0,25% para 0,75% na próxima reunião.
Bons ventos
Mas o ministério de Lula também reservou boas surpresas. Para ficar em dois exemplos: o ministro da Saúde, José Gomes Temporão (PBDM); e o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Franklin Martins.
No caso de Franklin, colocou na pauta a criação da Rede Pública de TV, defendida pelo Ministério da Cultura, Radiobrás, Casa Civil e outras instâncias, responsáveis pela instalação do Fórum, desfazendo a confusão conceitual criada pelo ministro das Comunicações Hélio Costa. Afinal, como bem destaca o jornalista Bernanrdo Kucinski, a Constituição brasileira determina que o país deve ter um sistema de comunicação formado por três componentes: o público, o privado e o estatal. “Hoje, temos uma comunicação dominante de caráter privado de má qualidade, uma comunicação pública débil e fragmentada, e uma comunicação estatal que ficou com vergonha de ser estatal”, neste último caso, Kucinski refere-se à Radiobrás.
Atualmente, segundo a agência Carta Maior, as emissoras comerciais somam 80% das 350 TVs existentes no brasil, obtêm mais de 90% da audiência e arrecadam 95% das receitas disponíveis ao setor.
No mês de maio, 1º Fórum Nacional de TVs Públicas, realizado em Brasília, contou com a presença de Lula no encerramento – o que não estava previsto na programação oficial. O presidente declarou que ao convidar Franklin para ser ministro disse: ‘Nós vamos fazer a TV pública e vamos fazer sem trololó. Vamos fazer porque é preciso fazer. Muito mais do que uma vontade do governo, faremos porque a sociedade necessita de uma televisão deste tipo’.
O discurso do presidente, muito aplaudido pelos cerca de 500 participantes do evento, reflete bem as preocupações centrais dos setores engajados neste processo. A “Carta de Brasília” (Leia a íntegra), elaborada pelos representantes do governo, das TVs educativas, legislativas, universitárias e comunitárias e que contou com a contribuição das entidades que lutam pela democratização da mídia (Intervozes, FNDC, Fenaj, etc.) e dos movimentos sociais presentes (como MST, CUT e UNE), apresenta os parâmetros do que deverá ser esta TV pública, prevista para estrear em 2 de dezembro, data em que terá início a transmissão por sinal digital no país. Quem relata isso é o jornalista Altamiro Borges no artigo “TV pública “pegou no breu” mesmo?” (Leia a íntegra)
No documento aprovado, os participantes do Fórum afirmam, dentre outras coisas, a “TV Pública deve ser independente e autônoma em relação a governos e ao mercado, devendo seu financiamento ter origem em fontes múltiplas, com a participação significativa de orçamentos públicos e de fundos não-contingenciáveis”.
O texto diz ainda que “as diretrizes de gestão, programação e a fiscalização dessa programação da TV Pública devem ser atribuição de órgão colegiado deliberativo, representativo da sociedade, no qual o Estado ou o Governo não devem ter maioria”.
Aborto e a saúde pública
No caso do ministro da Saúde, a resolução do PT parabeniza sua corajosa atitude de defender o debate público sobre a descriminalização do aborto. “Neste debate sobre os direitos da mulher, o PT se orienta por suas posições históricas, e pela necessidade da saúde pública e pela preservação do caráter laico do Estado”, diz o documento.
Temporão, que colocou a questão na pauta, foi hostilizado pelos setores mais conservadores da sociedade.
A descriminalização do aborto ganhou destaque ainda maior em decorrência da vinda do Papa Bento XVI ao Brasil, e a condenação por parte da Igreja Católica, inclusive a excomunhão de políticos que defendam a legalização do aborto.
Durante a coletiva, Lula não escapou à pergunta dos jornalistas sobre a questão. O presidente reiterou o que já vinha afirmando desde a vinda do Papa: como cidadão, é contra o aborto, mas como chefe de Estado defende que o aborto seja tratado como problema de saúde pública.
Segundo pesquisas, ocorreram no Brasil 1,1 milhão de abortos clandestinos em 2005, tornando evidente a irresponsabilidade e a caducidade dos que defendem a atual legislação, que criminaliza inclusive as mulheres que morrem ou ficam com seqüelas resultantes de abortos clandestinos.
3º Congresso do PT
O Partido dos Trabalhadores realiza de 31 de agosto a 2 de setembro o seu 3º Congresso. Doze teses foram inscritas para disputar os rumos do partido.
De acordo com a resolução do Diretório Nacional do PT, “adotar uma postura firme no debate político-ideológico em curso na sociedade brasileira é essencial para recuperar a influência do PT junto à intelectualidade democrática, onde persiste predominando uma postura crítica e oposicionista, frente ao PT e ao governo Lula”.
Segundo o documento aprovado, o 3º Congresso do PT se insere neste esforço. A publicação das teses, os debates promovidos pelos diretórios e outras instâncias do partido, bem como pelos apoiadores das diversas teses, já colocaram o PT em pleno processo de preparação de seu 3º Congresso.
“O 3º Congresso do PT deve ser visto como parte deste movimento mais amplo de diálogo do Partido com nossas bases sociais e eleitorais, no sentido de criar um movimento político-social que garanta não apenas o êxito do governo Lula, mas principalmente a continuidade institucional do projeto democrático-popular”, conclui o texto.