Valter Pomar
Uma leitura diagonal das 12 teses inscritas ao 3º Congresso permite uma constatação: ao menos no PT, a era Palocci acabou. E somos todos socialistas. Basta comparar as teses apresentadas em 2005 e agora, pelo campo ex-majoritário, para perceber como mudou o ambiente ideológico no Partido.
Isto não quer dizer que todas as teses façam um balanço crítico e auto-crítico da atuação do governo e do Partido, de 2003 em diante. Algumas fazem isto, outras apenas ensaiam, poucas dão a entender que a política paloccista foi um mal necessário.
A tese que sustenta de maneira mais explícita esta interpretação é “Construindo um novo Brasil”. Para seus signatários, o governo Lula é “um governo de esquerda que constrói os fundamentos de uma verdadeira revolução democrática, essencial para caminharmos na direção de uma sociedade socialista”.
É difícil sustentar que o governo Lula seja um governo “de esquerda”. A esse respeito, recomendamos o artigo escrito por Elói Pietá, disponível nao Portal do PT
Certamente o PT, todos nós, desejamos que o governo Lula seja de esquerda. Para isso, é preciso enfrentar –como diz a própria tese “Construindo um novo Brasil”– “discursos de membros do próprio governo” (a começar por discursos do próprio Lula, sobre ser de esquerda aos 60 anos, sobre o heroísmo dos latifundiários e outros do gênero).
Mas quais discursos foram/são estes, na opinião da tese “Construindo um Novo Brasil”? Ficamos sem saber. A tese defende, inclusive, uma “mudança da política econômica, com predominância do desenvolvimento sobre a estabilidade”, mas não analisa a política econômica vigente no primeiro mandato, onde a “estabilidade” predominou sobre o “desenvolvimento”.
Nós concordamos com os signatários da tese “Construindo um Novo Brasil”: para mobilizar e avançar, é preciso um “partido de pernas firmes”. Mas também precisamos de um partido com idéias claras. O que supõe a capacidade de analisar, de maneira “crítica e responsável”, aquilo que fizemos nos últimos anos.
Ao menos no que toca a política econômica, a tese “Construindo um Novo Brasil” não faz um balanço crítico do primeiro mandato de Lula. Uma atitude que lembra muito o comportamento de certos soldados que voltam da guerra e não querem falar das atrocidades que cometeram. “Fizemos o que tínhamos de fazer, agora sigamos em frente com nossas vidas”. No nosso caso, entretanto, nem tudo o que se fez, precisava ser feito; e não é possível seguir em frente, sem analisar o que se passou.
Ao mesmo tempo em que é nula no tocante a política econômica, a tese “Construindo um novo Brasil” busca apontar as causas da crise política que vivemos em 2005: “é uma crise do sistema político brasileiro” e também “uma crise do PT, decorrente de opções feitas pelo partido, do crescente acesso a mandatos, do distanciamento das lutas sociais e da nebulização de nosso projeto estratégico”. Ainda segundo a tese: devemos “realizar uma autocrítica profunda sobre o ocorrido e analisar suas causas para não mais reproduzi-las”.
Mas a tese do campo ex-majoritário não aponta, entre as causas, a estratégia adotada pelo PT desde 1995. Ao não fazer uma autocrítica sobre a linha geral, que criou o ambiente político para os erros cometidos, a tese “Construindo um novo Brasil” permanece na superfície do fenômeno. E, o que é mais grave, condena-se a repetir os mesmos erros, ao longo do segundo mandato.