Hoje, mais de 80% da população brasileira mora nas cidades. Cresceu a segregação territorial, com a proliferação de condomínios fechados e a expulsão dos pobres das áreas centrais valorizadas. A mercantilização das cidades ganha terreno também na esfera cultural, como se vê pelo lugar que os shopping centers ocupam no imaginário e na representação que a população faz dos lugares de encontro e lazer cotidiano. Cresceu o número de favelas, onde habitam 20% da população do Rio de Janeiro, 22% da população de São Paulo, 20% de Belo Horizonte, 13% de Goiânia, 30% de Salvador, 46% do Recife, 31% de Fortaleza, 30% de Belém. Grande parte desta população vive em encostas íngremes, áreas alagadiças e solos instáveis.

Estimativas conservadoras do déficit habitacional montam a mais de 5.800.000 unidades. Ao mesmo tempo, 12,1 milhões de domicílios têm carência de ao menos um dos serviços básicos de infra-estrutura (iluminação pública, redes de abastecimento de água e coleta de esgoto, coleta de lixo).

A carência crônica de transporte coletivo de qualidade, com a concentração do setor em mãos de monopólios privados; a concentração das concessões de serviços públicos fundamentais como a energia elétrica e a telefonia em mãos de grandes grupos privados, que impõem altos custos tarifários e péssimos serviços; a escalada da violência urbana e a crise da segurança pública ajudam a compor o dramático quadro da vida nas cidades brasileiras neste início de século.

A reforma urbana demanda investimentos estatais massivos em habitação popular e saneamento básico, grandes obras públicas de infra-estrutura de transporte coletivo e equipamentos sociais nas periferias das grandes e médias cidades. No primeiro mandato do presidente Lula, estes investimentos foram constrangidos pelo conservadorismo da política econômica, pelos contingenciamentos orçamentários impostos pela produção de elevados superávits primários, pela inércia da máquina pública.

Para garantir o atendimento à população de baixa renda, é preciso incorporar subsídios significativos aos financiamentos, romper a inércia da burocracia dos bancos públicos, massificar os programas de regularização fundiária. Os mecanismos previstos no Estatuto das Cidades devem ser complementados com a criação de mecanismos mais ágeis e eficazes de desapropriação por interesse social, aplicáveis aos casos flagrantes de especulação e valorização dos latifúndios urbanos advinda do investimento público.

A população é diretamente atingida pelas altas tarifas de água, energia elétrica e telefonia, preços “administrados” que compõem a maior fatia da inflação aplicada à cesta de consumo das camadas populares. É necessário colocar em debate a reestatização destas empresas, pressionando desde já pelo estabelecimento de padrões mínimos de atendimento, com tarifas sociais para a população de baixa renda, proibição de corte por inadimplência dentro de limites que garantam as necessidades básicas de sobrevivência das famílias, obrigatoriedade de aplicação de parte dos lucros em programas sociais.

Já a luta contra os monopólios privados do transporte urbano passa por exigir transparência no controle das planilhas de custo do setor, assim como a extensão de programas de integração como o bilhete único e a progressiva cobertura do metrô nas grandes cidades.

A reforma urbana articula-se com os demais componentes e dimensões do programa democrático-popular, especialmente com a reforma agrária.

*Artigo enviado em 20 de março de 2007
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