Moniz Bandeira: Política externa do governo Lula defende os interesses nacionais

Moniz Bandeira: Política externa do governo Lula defende os interesses nacionais

O cientista político, historiador e professor emérito da Universidade de Brasília, Luiz Alberto Moniz Bandeira, 71 anos, voltou a rebater, ontem, as críticas que o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Roberto Abdenur, tem feito à política externa brasileira. Abdenur, agora aposentado, depois de ter ficado quatro anos à frente da embaixada do Brasil em Washigton, resolveu atacar a diplomacia brasileira e tachar o Itamaratay de “antiamericano”, no que é contestado por Moniz Bandeira.

“Por que a política externa desenvolvida pelo Brasil seria antiamericana? Por não aceitar a Alca e defender os interesses nacionais nas negociações em Doha? Antiamericanismo aí só pode ser entendido como não subserviência aos desígnios do Império, como alguns elementos desejam”, disse o professor, em entrevista à Agência Informes. Moniz Bandeira é autor de vasta obra sobre as relações Brasil—EUA e foi eleito, em 2005, pela União Brasileira de Escritores, como intelectual do ano por seu último livro, Formação do Império Americano, que acaba de ganhar versão em espanhol na Argentina. Escreveu também As Relações Perigosas: Brasil-Estados Unidos de Collor a Lula, 1990-2004, entre outros. Abaixo, os principais pontos da entrevista. Por Paulo Paiva.
Informes – Quais os motivos das críticas à política externa brasileira, como as que tem feito o ex-embaixador do Brasil em Washington, Roberto Abdenur?

Moniz Bandeira – A campanha contra a política externa constitui fundamentalmente uma conseqüência do fato de que o Brasil, juntamente com a Argentina e demais sócios do Mercosul, frustrou a proposta da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). As multinacionais estão descontentes bem como certas empresas nacionais, que pensam apenas no que podem exportar, mas não no interesse nacional. Por outro lado, o fato de que o Brasil não se alia aos Estados Unidos para combater Hugo Chávez e Evo Morales é outro fator que está por trás dessa guerra psicológica, promovida, sobretudo, pela sub-secretaria de Diplomacia Pública do Departamento de Estado e outras agências dos Estados Unidos. E o objetivo de Washington continua sendo destruir o Mercosul. Não se trata de teoria conspirativa, mas de conhecer como o governo dos Estados Unidos funcionam, tanto em seus objetivos econômicos e comerciais quanto político e estratégicos.

Informes – O senhor concorda que a política externa do governo Lula seja antiamericanista, como dizem esses críticos?

Moniz Bandeira – Por que a política externa desenvolvida pelo Brasil seria antiamericana? Por não aceitar a Alca e defender os interesses nacionais nas negociações em Doha? Antiamericanismo aí só pode ser entendido como não-subserviência aos desígnios do Império, como alguns elementos desejam, colaborando consciente ou inconscientemente com a guerra psicológica em curso. O que vemos é a defesa do interesse nacional. Brasil e EUA cooperam estreitamente em várias áreas.

Informes – Esses mesmos críticos falam que o governo Lula enterrou a Alca, mas sabe-se que desde o governo FHC os entendimentos não avançavam, mesmo porque há também grandes restrições à Alca nos EUA. Portanto, como explicar a utilização da Alca como argumento para atacar a política externa do governo Lula?

Moniz Bandeira – Sim, o próprio FHC declarou que a Alca, nos termos que os Estados Unidos queriam, seria indesejável. Mas as negociações ainda não haviam chegado ao fim, o prazo não havia expirado, e Celso Láfer, que tirou os sapatos nos aeroportos para entrar nos Estados Unidos, ainda era o chanceler.

Informes – O senhor acha que a aproximação do Brasil com países em desenvolvimento significa excluir os países industrializados, como os EUA e os da Europa, das prioridades da política externa brasileira, como afirmam os críticos à política conduzida pelo Itamaraty sob comando do chanceler Celso Amorim?

Moniz Bandeira – A política externa do Brasil não parece excluir qualquer país em detrimento de outros. Pelo contrário. Entretanto, a ênfase nos países em desenvolvimento é natural e necessária, porque é para eles que as exportações do Brasil estão a aumentar. Os Estados Unidos e a União Européia estão abarrotados, e querem áreas de livre comércio exatamente para dar escoamento à sua produção de manufaturados.

Informes – O senhor não acha que essas críticas são alimentadas por preconceitos, o que impede esses críticos de verem avanços na política externa do governo atual?

Moniz Bandeira – Como já disse, essas críticas se enquadram em uma campanha de guerra psicológica, que vem desde antes das eleições para a Presidência da República. Naturalmente, há preconceitos. Mas não tenho a menor dúvida de que são orquestradas e contam com a conivência, consciente ou inconsciente, de professores, jornalistas e diplomatas. E de ignorantes… que repetem o que os outros dizem.

Informes – E quanto às críticas que os oposicionistas fazem à condução das negociações com a Bolívia, em torno do fornecimento de gás, e mesmo ao relacionamento com a Venezuela? O que o senhor pode dizer sobre isto?

Moniz Bandeira – Que poderia fazer o Brasil? Ameaçar a Bolívia? Perder sua imagem perante os demais países da América do Sul? Apresentar-se como um país imperialista, que explora os mais fracos e se submete aos desígnios do Império? O Brasil chegou a um bom acordo com a Bolívia e fortaleceu sua posição e sua estratégia para consolidar a construção da Comunidade Sul-Americana de Nações, como um futuro pólo de poder nas negociações internacionais. Com estes objetivos estratégicos, não se conformam os interesses, particularmente estrangeiros, que estão por trás da campanha contra a política exterior.

Informes – E o suposto fracasso do Mercosul? Como rebater as críticas dos oposicionistas?

Moniz Bandeira – Por que o fracasso do Mercosul? O Mercosul aí está e continua avançando, com a adesão da Venezuela e, brevemente, da Bolívia. Mas que desejam os críticos? Que a construção de uma união aduaneira, primeiro passo para um mercado comum, se processe sem contradições, sem atritos, sem divergências? Até hoje a União Européia, que começou com a Comunidade do Carvão e do Aço há mais de 50 anos, defronta-se com dificuldades. Nem a Inglaterra nem os países nórdicos aderiram ao euro. E a Constituição foi rejeitada em referendum tanto na França como na Holanda. Pode-se dizer que a União Européia é um fracasso? E note-se que, enquanto o processo de formação da UE tem mais de 50 anos, o do Mercosul, desde o Tratado de Assunção, não tem 16 anos.

Informes – O senhor Roberto Abdenur fala em lavagem cerebral no Itamaraty. O senhor não acha que ele está subestimando a inteligência dos diplomatas brasileiros?

Moniz Bandeira – Sim, objetivamente, ele está subestimando a capacidade de seus colegas no Itamaraty. Mas parece que ele sofreu uma lavagem nos anos que passou (nos Estados Unidos) como Embaixador.

*publicado na Agência Informes, da liderança do PT na Cãmara dos Deputados
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