Alguns setores do PT defendem a “incorporação radical de valores republicanos na formulação do socialismo petista”.

Quem defende isto não percebe as distinções existentes, do ponto de vista teórico e do ponto de vista histórico, entre democracia, socialismo e liberalismo. Por trás da defesa dos “valores republicanos” existe uma leitura incorreta acerca do que foi a luta pela democracia do século XVIII em diante; e da relação entre liberalismo e socialismo, no século XX e XXI. Como decorrência, enfatizam-se os “valores republicanos” como algo externo aos “valores socialistas”.

O movimento socialista é o principal herdeiro das grandes lutas democráticas que marcaram o século XVIII e a primeira metade do século XIX, lutas que foram travadas contra as correntes liberais. Nestas lutas, os socialistas tiveram ao seu lado correntes e forças sociais que eram anti-liberais, mas que não eram socialistas. São estas correntes e forças sociais que estão na origem do que podemos chamar de “democracia republicana”, que consiste exatamente numa tentativa de síntese entre liberalismo e socialismo. Se este raciocínio estiver correto, então quem defende a síntese entre republicanismo e socialismo está, na verdade, propondo introduzir elementos de liberalismo no interior da tradição socialista. Portanto, é mais adequado dizer que devemos ressaltar os componentes democráticos e republicanos que são integrantes legítimos da tradição socialista.

É evidente que várias correntes, bem como várias tentativas de construir uma sociedade pós-capitalista no século XX, não deram ou não conseguiram dar a ênfase devida aos componentes democráticos da tradição socialista. Um dos motivos pelos quais isto ocorreu reside, exatamente, no fato de que em países como a URSS, a tentativa de construir o socialismo a partir de condições iniciais extremamente atrasadas fez com que governos revolucionários lançassem mão de “métodos capitalistas”. E quanto mais capitalismo, menos democracia!

O déficit democrático nas experiências socialistas do século XX é uma das razões pelas quais o PT precisa se apresentar como adepto de um socialismo democrático.

Acontece que para uma parte dos adeptos do socialismo “democrático”, o socialismo é apenas um adjetivo. Para estes, não há diferença substantiva entre “socialismo democrático” e “social-democracia”. Para estes, “socialismo democrático” é a doutrina dos que defendem um “capitalismo democrático influenciado por valores socialistas”.

De nossa parte, achamos que falar de “socialismo democrático” quer dizer que percebemos que riqueza e poder estão totalmente interligados. Por isso, defendemos não apenas a socialização da riqueza e do poder.

Quando defendemos o controle social, democrático, público, das condições de produção e reprodução da sociedade, estamos falando exatamente de socialismo (no sentido de propriedade social) democrático (no sentido de controle social desta propriedade).

Não confundimos, por exemplo, propriedade estatal com propriedade social. Sem democracia, a propriedade de social só terá o nome. Mas se prevalecer a propriedade privada dos grandes meios de produção, então a democracia será capenga, formal, insuficiente, para poucos.

Claro que isto soa como uma barbaridade para os liberais, para quem a política pode ser democrática, desde que não toque na propriedade privada dos grandes meios de produção. Para eles, socialismo democrático é uma contradição em termos. Ou se é socialista, ou se é democrático.

*Artigo enviado em 21 de fevereiro de 2007

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