Mídia hegemônica brasileira, infiltrada de liberais-conservadores e sempre tão servil aos desejos do Tio Sam, tentou desqualificar de todas as formas a 32ª Reunião de Cúpula do Mercosul realizada na semana passada, no Rio de Janeiro.

Altamiro Borges*

A mídia hegemônica brasileira, infiltrada de liberais-conservadores e sempre tão servil aos desejos do Tio Sam, tentou desqualificar de todas as formas a 32ª Reunião de Cúpula do Mercosul realizada na semana passada, no Rio de Janeiro. A poderosa Organização Globo, através de suas filiadas de televisão, de suas rádios e de seus jornais impressos, evitou informar seus incautos sobre os resultados concretos do evento. Em várias matérias opinativas, ela investiu contra o Mercosul, classificando a reunião de “ideologizada, atrasada, politiqueira” e tantos outros adjetivos, e tentou semear intrigas entre os governantes presentes.

Não é para menos que o presidente Hugo Chávez, que não se ilude sobre o papel dos meios privados de comunicação, disparou contra o jornal desta organização, que condenou o Mercosul e fez duras críticas ao processo de nacionalização da economia venezuelana. Durante a solenidade de sua premiação com a Medalha Tiradentes, num ato que lotou a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, ele disparou: “Não tenho dúvidas de que ‘O Globo’ é um inimigo do povo brasileiro e latino-americano. Os oligarcas da Rede Globo acham que me ofendem. Mas perdem seu tempo. A águia não caça moscas”.

Travestidos de articulistas

No mesmo rumo, outros órgãos da imprensa alardearam que a reunião do Mercosul foi um fiasco, que os governos da região estão divididos e que o encontro serviu apenas de palanque para “o discurso atrasado do populismo radical”. A TV Cultura, sob o controle do governo de São Paulo e que hoje é um ninho de tucanos, descumpriu o seu papel de emissora pública de informar os telespectadores. O “comentarista” Alexandre Machado, ex-secretário de comunicação do governador Mário Covas e ex-superintende de comunicação da Petrobras na gestão de FHC, foi o mais corrosivo nas críticas – talvez saudoso da política de “alinhamento automático” com os EUA e de negociação subalterna do tratado neocolonial da Alca!

Já Eliane Catanhêde, “articulista” da direitista Folha de S.Paulo e casada com Gilnei Rampazzo, um dos donos da GW, agência de publicidade que fez as campanhas de Geraldo Alckmin e José Serra, destilou o seu veneno. Mesmo reconhecendo as “preocupações sociais” dos novos governos da região, concluiu que “os resultados da 32ª reunião de Cúpula do Mercosul foram objetivamente pobres”. O problema, teoriza, é que os novos governantes “ajustaram tom e prioridades aos de Chávez, o que equivale dizer: à esquerda. E ambicionam ampliar as fronteiras e os propósitos do Mercosul. Criado com um fim em si mesmo, hoje o bloco é um trampolim para a união de toda a América do Sul, quiçá da própria América Latina”.

Integração segue adiante

No geral, a mídia hegemônica preferiu esculhambar a Cúpula do Mercosul e esqueceu-se de cumprir seu papel constitucional de informar o público sobre os resultados concretos do evento, que teve um grande significado político, econômico e social. Num artigo elucidativo, intitulado “Mercosul dá novo passo à frente”, o sociólogo Ronaldo Carmona, integrante da Comissão de Relações Internacionais do PCdoB, desmascarou esta vergonhosa manipulação. “Enquanto os cães ladram, a caravana da integração segue adiante. No entanto, essa reação colérica e uníssona da grande mídia coloca, diuturnamente, a premente necessidade de uma imprensa plural, democrática, que não reflita apenas um ponto de vista, como hoje”.

Para ele, ao contrário do alardeado pela mídia neoliberal, “a edição de Copacabana da reunião semestral dos chefes de Estado do Mercosul foi positiva: deu novos e concretos passos no sentido de seguir aprofundando as múltiplas dimensões em que consistem as tarefas da integração sul-americana. Novos passos na integração efetiva da Venezuela e agora da Bolívia; amplo acordo Petrobras-PDVSA; primeiros projetos do fundo contra as assimetrias; financiamento do desenvolvimento, dentre outras discussões e decisões, marcaram o fim da presidência semestral brasileira”. Ele cita ainda os avanços na institucionalização do bloco, com a criação do Parlamento do Mercosul e do Instituto Social do Mercosul.

“Mercosul pertence ao povo”

Numa longa entrevista ao Valor Econômico, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, também avaliou como positiva a reunião. No campo estritamente comercial, ele lembrou que o Mercosul começou movimentando US$ 4 bilhões e hoje supera os US$ 30 bilhões. Já no campo político, ele reconheceu que existem dificuldades, mas reafirmou seu otimismo com a integração. “O Mercosul não pertence mais aos governos e aos burocratas, é propriedade dos povos da região. Acho que foi a reunião mais importante de que já participei do Mercosul e da América do Sul. Nunca houve uma reunião operativa, não meramente celebratória, com onze chefes de Estado e de governo presentes, com discussões tão francas, tão abertas, tão reais. É claro que, justamente por ser um ambiente franco e real, você tem a percepção do que está acontecendo, percebe as diferenças. Acho que o Mercosul saiu fortalecido”.

Celso Amorim também rejeitou a leitura feita por uma parte da mídia, de que a declaração conjunta dos governantes presentes à reunião referente à democracia no continente foi uma condenação ao presidente Hugo Chávez. “Não interpreto dessa maneira. Como é que o presidente Chávez iria subscrever uma declaração que tivesse esse objetivo? Ele é parte da declaração. Há, sim, um sentimento forte na região de apego à democracia, inclusive do presidente Chávez, que assinou esse documento. O apego à democracia é de todos, independentemente de se vai ter mais ou menos participação do Estado, mais ou menos setor privado, mais ou menos investimento estrangeiro. A democracia é um elemento indispensável da integração sul-americana. O povo venezuelano, numa ação promovida por Chávez, colocou na constituição uma cláusula que não existe em outros países, o chamado referendo revocatório, a possibilidade de destituir o presidente no meio do mandato. Ele enfrentou esse referendo e foi confirmado no cargo. Como Chávez vai conduzir a política interna é uma questão do povo venezuelano. Eu posso ter minha opinião, mas isso não interessa, interessa a do povo venezuelano. A gente não pode querer ao mesmo tempo ser democrata, isto é querer que o povo tenha liberdade de escolher, e depois dizer que ele deveria ter escolhido não como ele queria, mas como a gente queria. Isso é uma contradição”.

*Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “Venezuela: originalidade e ousadia” (Editora Anita Garibaldi, 3ª edição).

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