Ao discursar na Avenida Paulista, já como presidente reeleito, Lula comemorou “a vitória dos de baixo contra os de cima”.

A frase resume o principal motivo de nossa vitória nas eleições presidenciais de 2006: a consciência de classe demonstrada por amplas camadas do povo brasileiro, que perceberam o que estava em jogo nas eleições e não se deixaram confundir pela artilharia dos meios de comunicação e da oposição tucano-pefelista.

O resultado final da eleição é claro: Lula recebeu mais de 58 milhões de votos, superando os 52,7 milhões que recebeu no segundo turno de 2002. Alckmin, por seu lado, diminuiu de tamanho entre o primeiro e o segundo turno: cerca de 2,5 milhões de votos a menos.

O segundo governo Lula começará tendo o apoio de mais da metade dos governadores eleitos. O Partido dos Trabalhadores venceu em 5 Estados (Acre, Bahia, Pará, Piauí e Sergipe), mais do que os 3 Estados conquistados em 2002 (Acre, Mato Grosso do Sul e Piauí). Além disso, o PT foi o partido mais votado para a Câmara dos Deputados.

Isto para não falar do Rio Grande do Sul, onde quase elegemos o senador e o governador, desmentindo as análises – feitas inclusive por dirigentes do partido – segundo as quais o PT gaúcho sairia esmagado das eleições.

Frente a este resultado eleitoral, setores da imprensa e da oposição estão manifestando uma “conversão democrática”.

A maioria dos meios de comunicação passou os últimos vinte meses em campanha para “acabar com nossa raça”. Agora, está em campanha aberta pela concórdia, pelo entendimento, por relações institucionais e civilizadas entre governo e oposição.

Movido pela mesma preocupação, o ex-presidente FHC teve que esclarecer publicamente que não é “golpista” e que defende o respeito ao resultado das urnas.

Louvável atitude. A nós também interessa encerrar o período de disputa eleitoral, o que significa entre outras coisas que a oposição reconheça a plena legitimidade e legalidade do governo atual e futuro, desistindo de tentar obter por outros meios aquilo que não obteve nas urnas.

Mas não vamos nos iludir: se tivéssemos vencido no primeiro turno, com 1% dos votos de vantagem, a oposição de direita e os grandes meios de comunicação estariam pedindo o impeachment. O fato de termos vencido no segundo turno, com uma larga vantagem, é que obrigou o lacerdismo a mudar de discurso.

Vencemos a batalha, mas a luta continua, inclusive os ataques da imprensa, que agora assumem três formas principais:

a) a “interpretação” de nossa vitória. Neste sentido, é exemplar a entrevista de Demétrio Magnoli, no Estado de S. Paulo de 29 de outubro. Para ele, “a eleição atual foi a menos politizada desde o início da democratização”. Esta conclusão sem pé nem cabeça tem um objetivo claro: criar um ambiente que permita à oposição, que perdeu nas urnas, disputar os rumos do governo como se nada tivesse ocorrido;

b) a disputa dos rumos do segundo mandato. Se depender da oposição e dos jornalões, o futuro governo deve implementar a agenda proposta por Alckmin: cortes orçamentários e mudança na política externa. Nas palavras do editorial do Estadão, no dia 30 de outubro: “dado o dramático estado das finanças públicas brasileiras, serão extremamente dolorosas as soluções que cedo ou tarde se terá de adotar para deter a de outro modo inevitável explosão da crise fiscal”;

c) o incentivo à fragmentação do PT. A maioria dos colunistas garantia que o PT sairia esfrangalhado da eleição. Não foi isso o que aconteceu. Mas, ao invés de apresentar uma autocrítica, a mesma imprensa dedica-se agora a fomentar a discórdia. Primeiro, desqualificam o papel do Partido no resultado eleitoral. Segundo, convertem o debate de projetos políticos numa disputa de cargos e regiões. Terceiro e por decorrência, tentam fazer da grande imprensa o espaço nobre do debate interno.

Um bom exemplo disso é o Estadão de 29 de outubro, que previu a eleição do presidente, “apesar do PT”.

Trata-se de um raciocínio insustentável, se levarmos em conta o resultado eleitoral do PT e o papel da militância petista, em especial no segundo turno. Mas uma análise conveniente para todos os que pretendem reduzir a influência do Partido no segundo mandato.

A matéria prossegue dizendo que “o PT precisa de uma cúpula mais nacional e menos paulista”. E completa: “desde que Lula assumiu a Presidência, em 2003, todos os escândalos foram protagonizados por dirigentes de São Paulo”.

É óbvia a ignorância sobre onde nasceram e militaram as pessoas. Para ficar nos casos mais notórios, Delúbio Soares é goiano e Jorge Lorenzetti é catarinense. E nenhum deles foi “dirigente de São Paulo”.

O mais importante, entretanto, é lembrar o seguinte: a atual direção do PT foi eleita pelo voto direto dos filiados, numa mobilização que foi decisiva para interromper a ofensiva da direita contra nós, em 2005.

Dos 84 membros do diretório nacional do PT, 23 são paulistas. Dos 21 membros da executiva nacional, sete militam em São Paulo. Proporções (27% e 33%) um pouco maiores do que a presença de paulistas no total de filiados ao PT (23%), mas nada que autorize as análises que vem sendo feitas.

Atribuir os problemas do PT aos “paulistas” (ou aos “sindicalistas”) despolitiza o debate. O que está em jogo não é o sotaque, mas sim as concepções ideológicas, programáticas, estratégicas e a concepção de partido dos militantes.

É este debate, sobre questões políticas de fundo, que pode armar o PT para os desafios futuros. Ente os quais está garantir que a linha de campanha adotada no segundo turno, seja também a linha do segundo governo Lula. Até para desmentir o ditado segundo o qual alegria de pobre dura pouco.

Ao reeleger Lula, o povo abriu (de novo) a janela das oportunidades históricas. Cabe agora à esquerda brasileira, especialmente ao PT, cumprir o seu papel.

Reorganizar o Partido, como partido de massas e de militantes, com um projeto de governo e com uma estratégia socialista.

Organizar a sociedade, a começar dos movimentos sindical, popular, de juventude e de trabalhadores rurais, tanto para apoiar quanto para reivindicar.

Influenciar na composição e na política do segundo mandato Lula, bem como influenciar a política de nossos governos estaduais, municipais e mandatos parlamentares.

Impulsionar uma política econômica desenvolvimentista e popular. Acelerar a integração continental. Ampliar as políticas sociais. Trabalhar pela reforma política. Democratizar a comunicação brasileira, para o que é fundamental a criação de uma TV pública nacional.

E, principalmente, quebrar a hegemonia do capital financeiro e lutar pelas reformas estruturais, ações que poderão transformar nosso segundo mandato no início de um novo ciclo de desenvolvimento para o país. Um desenvolvimento democrático e popular, articulado com nosso objetivo histórico: o socialismo.

*Valter Pomar é secretário de Relações Internacionais do PT

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