por Marta Suplicy

O QUE está em jogo neste segundo turno vai muito além da reeleição do presidente Lula para um segundo mandato. Os resultados do segundo turno, se confirmada a indicação das últimas pesquisas eleitorais, terão um significado muito mais abrangente que a aprovação de um governo identificado com o combate à exclusão social e suas realizações econômicas e sociais.

Se, como dizem alguns analistas políticos, o adiamento da vitória de Lula para o segundo turno teve como significado indicar o descontentamento de uma boa parcela da opinião pública com os graves erros políticos e ilícitos cometidos por pessoas do PT, uma votação espetacular para Lula neste segundo turno poderá mostrar que o eleitorado deseja dar também um forte recado à oposição. Isso é o que está em jogo na eleição do próximo domingo. A candidatura de Geraldo Alckmin tem um claro perfil programático-ideológico e encarna um lacerdismo exacerbado que esconde um reagrupamento das forças políticas numa perspectiva mais acentuadamente liberal. Nesse sentido, constitui uma novidade política em ruptura com um importante setor político das classes médias, identificadas com um perfil mais de centro, representado tradicionalmente pelo PSDB, em particular por figuras como José Serra e Aécio Neves.

A linha política formulada por Fernando Henrique Cardoso, com apoio de um pequeno setor da mídia, de “atear fogo na palha” e procurar um Carlos Lacerda, foi assumida por Geraldo Alckmin, apoiado em figuras como ACM e Roberto Freire. Essa orientação promoveu uma radicalização da disputa política, visando inviabilizar o governo federal e a continuidade política do governo Lula, mesmo reeleito democraticamente.

Não por acaso, Alckmin tem assumido mais abertamente nesta reta final as privatizações de FHC e a vontade de “acabar com essa raça do PT”, formulada por Bornhausen. Ao mesmo tempo, imprimiu à sua campanha a agressividade política de quem pretende continuar um “terceiro turno”, inviabilizando um governo eleito democraticamente, procurando respaldo em políticos que foram pesadamente derrotados no primeiro turno em seus Estados, como é o caso do PFL no Nordeste.

Impor uma derrota política a esse incipiente reagrupamento político udenista-liberal para preservar as condições do diálogo político e o entendimento nacional em favor das urgentes reformas de que o Brasil precisa constitui uma tarefa que cabe aos eleitores que se identificam com a reeleição do presidente Lula. Também é, em grande medida, o conteúdo da intenção de votar em Lula daqueles que apoiaram, no primeiro turno, Cristovam Buarque, do PDT, Heloísa Helena, do PSOL, Aécio e Serra, ou candidatos do PMDB, do PTB, do PP e do PL, entre outros.

Rejeitando Alckmin e votando em Lula, esses eleitores estarão votando em favor da pacificação política, do diálogo e do entendimento. Estarão contribuindo, assim, para isolar os incendiários e preservar a racionalidade política, dando um basta na violência antidemocrática dos que procuram ignorar o resultado das urnas.

Por sua vez, e independentemente do resultado do segundo turno, o PT deverá proceder imediatamente a uma profunda mudança para mostrar que entendeu o recado das urnas. Não se trata apenas de algumas correções ou de um reequilíbrio entre correntes, personalidades ou regiões, mas de reformular em profundidade o lugar do PT e de seu papel no processo de entendimento nacional e na preservação da governabilidade.

Isso exigirá desprendimento e união, porém, fundamentalmente, uma reorientação política e organizativa de fundo. Ela é inadiável, e deverá mostrar para a sociedade, com absoluta clareza, que um PT renovado e amadurecido surgirá da vitória eleitoral do presidente Lula. Essa reestruturação de fundo será a prova de que a mão estendida do PT não é uma questão tática; e de que rejeitar maciçamente nas urnas os lacerdistas e udenistas de plantão não significa ignorar as lições da crise política e as próprias responsabilidades do PT.

*artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo em 26/10/06

*Marta Suplicy, 61, psicanalista, é coordenadora da campanha de Lula à Presidência da República no Estado de São Paulo. Foi prefeita do município de São Paulo (2001-2004).