Edição nº 62 - outubro de 2006: A corrupção da imagem de AlckminJoão Carlos de Souza Meirelles, coordenador do programa de Alckmin, afirma que o candidato “representa o médico no consciente popular: “é o sujeito decente, limpo, direitinho, higiênico, barbeadinho, certinho, sempre arrumado e que nunca está estropiado. Mas esta imagem do marketing eleitoral resistirá à divulgação do sem número de suspeitas de corrupção que rondam a sua gestão em São Paulo?

João Carlos de Souza Meirelles, coordenador do programa de Alckmin, afirma que o candidato “representa o médico no consciente popular: “é o sujeito decente, limpo, direitinho, higiênico, barbeadinho, certinho, sempre arrumado e que nunca está estropiado. Mas esta imagem do marketing eleitoral resistirá à divulgação do sem número de suspeitas de corrupção que rondam a sua gestão em São Paulo?

Edição nº 62 - outubro de 2006: A corrupção da imagem de AlckminQual será a reação do eleitor de Geraldo Alckmin quando tiver acesso às informações, transmitidas de forma serena, didática e tecnicamente consistente, dos inúmeros e gravíssimos indícios de corrupção em sua experiência de governar São Paulo?

Provavelmente, para a parcela mais importante deles o efeito será nenhum. Muitos interpretarão que nada foi definitivamente comprovado. Outros entenderão que se trata apenas de denúncias eleitoreiras. Certamente a parcela mais expressiva de seus eleitores não julgará tais denúncias suficientes para abalar a convicção ideológica que sustenta a opção de voto. Além disso, o candidato contará sempre com a parcialidade de grande parte da mídia, que não ecoará tais denúncias ou até mesmo as desmentirá.

Mas é praticamente certo que tais denúncias, incidindo sobre a imagem ética que o candidato construiu em torno de si, têm o potencial de paralisar seu crescimento e retirar-lhe um montante decisivo de votos na disputa. A imagem da corrupção pode levar a uma fatal corrupção de sua imagem.

Mas como foi possível a Alckmin criar a imagem de “defensor da ética pública”? Como pôde se colocar, durante a campanha eleitoral, como o “exemplo moral” do país, como o porta voz do “Brasil decente”, mesmo cercado por suspeitas na administração de São Paulo e na companhia de pefelistas e tucanos há muito incorporados à corrupção sistêmica do Estado brasileiro?

Em primeiro lugar porque as denúncias sobre corrupção no governo de São Paulo nestas eleições foram escamoteadas para um canto sombreado do cenário, relegadas à posição de matéria sem mais importância pela grande mídia nacional. Elas freqüentaram, de modo disperso e intermitente, alguns jornais nacionais por um momento: quando Alckmin disputava com Serra a indicação para ser candidato à presidência. Depois, sumiram da mídia ao mesmo tempo em que o PT e o governo Lula eram forçados a conviver com fortíssimos ataques. Apenas o site Carta Maior deu algum tratamento mais consistente às denúncias de corrupção do governo paulista.

Em segundo lugar, a opção olímpica da campanha Lula, mesmo quando submetida às agressões mais violentas – Alckmin chegou a comparar Lula a um ladrão de carros – foi sempre a de se calar. Heloísa Helena e Cristóvão Buarque não trataram do assunto. Assim, durante todos estes meses Alckmin pôde sempre fazer a apologia de si como o padrão da ética e da moralidade pública.

Hierarquizando as denúncias

Diversos analistas reconhecem que, no Brasil, a questão do combate à corrupção nos estados é mais complicada pela carência de instrumentos elementares de acompanhamento da gestão orçamentária e pela não disponibilidade de informações a respeito de contratações e execuções de programas. Um contexto como este favoreceu o governo exercido por Alckmin em São Paulo, sem sofrer qualquer investigação parlamentar ou processo no Ministério Público, mesmo com pelo menos 974 contratos públicos julgados irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE)

O jornal O Globo, de 2 de abril, trouxe talvez a cobertura mais sistemática dos até então 69 pedidos de CPIs que a maioria governista na Assembléia Legislativa de São Paulo engavetou (hoje são 70). Para se instalar uma CPI na Assembléia Legislativa de São Paulo, diferentemente do Congresso Nacional, são necessários 50% dos votos mais um.

Os pedidos de CPI são de ordem e importância variada. Vários deles, no entanto, referem-se a suspeitas gravíssimas, segundo o relato de O Globo.

O primeiro deles diz respeito a um “mensalinho” na Assembléia Legislativa: “várias estatais do governo podem estar ligadas a um esquema de “agrados” aos parlamentares, com verbas mensais fixas para gastos em propaganda. Os beneficiados teriam, em média, R$ 10 mil mensais em anúncios nos veículos de comunicação de sua escolha”.

Um segundo deles diz respeito às verbas de publicidade do banco Nossa Caixa, que teriam sido dirigidas para revistas, jornais e programas indicados ou mantidos por deputados em suas bases eleitorais, na capital e no interior. A denúncia se mostrou tão veraz que o assessor Roger Ferreira deixou o cargo. Mas a CPI foi barrada.

Um terceiro pedido de CPI diz respeito aos “contratos irregulares” julgados pelo Tribunal de Contas do Estado. Eles teriam sido encontrados, nos arquivos mortos da Assembléia Legislativa: 706 julgados entre 1997 e 2002, além de mais 267 após este período. De acordo com O Globo, 43,48% destes contratos referem-se ao CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), 23% ao DER, 4,39% à Nossa Caixa e 4,10% ao Dersa.

Um quarto pedido de CPI cobre suspeitas de irregularidades na execução das obras do Rodoanel Metropolitano de São Paulo. Um quinto pedido refere-se a supostas irregularidades contratuais nas obras das linhas Verde e Amarela do Metrô. Um sexto pedido pede investigação de possíveis irregularidades na CDHU, com superfaturamento na compra de terrenos e direcionamento de licitações.

Um sétimo pedido, enfim, cobra investigações nas empresas ligadas ao setor elétrico no estado, a Cetesp, que mesmo endividada, havia pago R$ 120 mil por propagandas institucionais para uma revista que dedicou nove páginas de uma de suas edições a uma entrevista com Alckmin. Um oitavo, de extrema gravidade, reclama investigações na Febem: a instituição seria “uma suposta fábrica de rebeliões que beneficiariam empresas em planos emergenciais e sem licitação, além de superfaturamento de custos de alimentação e das construções das consultorias externas irregulares.” Outras duas CPIs pedem averiguações na segurança pública: “suposta matança de presos por policiais militares” e “manipulação dos números oficiais sobre a segurança pública no estado”.

Como se não bastasse, há que se lembrar que o ex-ministro da Saúde do governo FHC, Barjas Negri, investigado no caso dos sanguessugas, foi secretário no governo de Alckmin em São Paulo.

Fechadura e silêncio

Tem predominado na cultura do combate à corrupção a noção de “percepção”: o grau de corrupção de um governo se julga pela quantidade de casos de corrupção que são publicamente flagrados. Trata-se de um indicador originalmente utilizado pela Transparência Internacional referente à opinião de pessoas ligadas a corporações a respeito do nível de corrupção que elas imaginam vigorar em um país. Pelo menos duas objeções importantes em relação à noção de percepção podem ser feitas.

Em primeiro lugar, a noção de percepção para tentar medir a corrupção de um país não dá nenhuma idéia a respeito da integridade das instituições dos países, se estão funcionando de forma eficaz e, muito menos, de sua evolução ao longo do tempo. Neste sentido, mudanças institucionais relacionadas ao combate à corrupção não poderiam ser auferidas pelos índices de percepção.

Em segundo lugar, apenas por este critério, se um governo é eficaz em deter qualquer investigação independente sobre si próprio, ele passará no teste, mesmo se for altamente corrupto. E, pelo mesmo critério, outro governo que combate eficazmente a corrupção, pode ser caracterizado como altamente corrompido. Neste ponto, trata-se do problema da relação entre as opiniões e a experiência concreta das pessoas. Em “Percepções Pantanosas” (Novos Estudos Cebrap, 73, novembro de 2005), Cláudio Abramo cita pesquisa encomendada pela Transparência Internacional que revela a imprecisão e a dificuldade de se firmar uma correlação efetiva entre a corrupção existente num país e sua percepção pela população. Desta forma, seria bastante razoável supor que a opinião das pessoas é bastante influenciada pelo noticiário, de forma que, se os veículos de comunicação divulgam casos de corrupção, as pessoas comuns tenderiam a considerar que a corrupção está aumentando quando, muitas vezes, o aumento do noticiário pode significar não isto, mas um melhor funcionamento dos mecanismos de controle. Segundo Abramo, o emprego de indicadores de percepção levou governantes a conceberem estratégias de combate à corrupção baseada na propaganda e em formas de inserção na imprensa.

Certamente esta é a tática utilizada por tucanos desde a era FHC e a impossibilidade de promover qualquer tipo de investigação sobre seu governo, passando por Aécio Neves e as constantes acusações de sua censura sobre a imprensa mineira (Folha de S. Paulo, 13/08, “Aécio maqueia gastos com saúde”) até chegar ao governo de São Paulo e seus 70 pedidos de CPI barrados pelo então governador.

Não é necessário presumir a culpa antes da investigação para julgar a “ética” de Alckmin. Nem se trata de fazer um ranking entre governos corrompidos, como se a corrupção do adversário legitimasse ou relativizasse a gravidade do que é anti-republicano.

Mas o governante que impediu o poder legislativo de exercer uma ação mínima de fiscalização não pode, não tem o direito de afirmar-se “ético” perante a sociedade brasileira. É um dever democrático desmascará-lo, para além de qualquer cálculo eleitoral.

A fechadura e o silêncio conivente dos grandes órgãos da mídia não servem ao urgente e vital combate à corrupção sistêmica no Estado brasileiro.