“Deixemos o pessimismo para dias melhores…”
Há poucos dias recebi essa mensagem de um homem sábio: Pedro Casaldáliga. Sábio, naquela acepção de que a sabedoria não visita apenas os ambientes acadêmicos e bem-pensantes. Em alguns momentos prefere fugir deles. Acompanha a paixão dos que mergulham no quotidiano de sua gente no combate aos privilégios, às injustiças e à opressão. A aventura de nossas vidas para construir uma sociedade democrática no Brasil exige das esquerdas que “Deixemos o pessimismo para dias melhores”, como sugere Pedro.
Enfrentar essa desesperada ofensiva da procissão dos mortos-vivos que insistem em permanecer na cena política brasileira: ACM, Tasso Jereissati, Bornhausen, Arthur Virgilio, Siqueira Campos, Fernando Henrique Cardoso…, e aqueles que entre nós aderem aos seus métodos, essa é a tarefa histórica que está posta, nos próximos dias, para os setores populares. O governo Lula e os partidos de esquerda têm condições para dialogar com a direita que tem representatividade social, que tem voto: o governador Aécio Neves sempre manteve diálogo com o governo ao longo dos últimos quatro anos. E mesmo José Serra, que representa hoje o pensamento conservador no Estado economicamente mais importante da federação. Porque entendemos que a construção da sociedade democrática, pautada pelo respeito às regras institucionais inscritas na Constituição de 1988, não se fará sem disputar com o pensamento que reflete os interesses dos setores sociais organizados no PSDB-PFL.
O atual bombardeio promovido pelo aparato de comunicação que organiza – e exprime – o ódio reacionário contra a intolerável probabilidade de um segundo mandato Lula e, ainda mais, contando com uma forte bancada do Partido dos Trabalhadores, esbarra num impasse estrutural: Fernando Henrique, durante o seu consulado de oito anos, destruiu as pontes entre o apetite golpista constitutivo das oligarquias brasileiras e os quartéis. A mídia liberal-conservadora concluiu, nesse pleito eleitoral de 2006, aquele processo, identificado por Perseu Abramo, num texto de 1988, em que aponta a substituição dos partidos conservadores como espaço privilegiado para produzir e organizar a opinião. Tornou o PSDB e o PFL irrelevantes. Devorou qualquer substância programática que porventura ainda neles resistisse. Deixando apenas a casca, a sigla, a legenda para embalar legalmente as candidaturas aos postos eletivos. Substituiu-os. Mas, ao usurpar o espaço dos partidos, a mídia liberal-conservadora conduziu a direita brasileira a uma espécie de impotência política, perceptível já em outras latitudes. Ela não deteve a capacidade e os meios para desencadear a ação desejada e anunciada. Fica restrita à manchete, não produz o fato. Não consegue traduzi-a, em mobilização social no dia seguinte.
Tem sido notável ao longo da campanha o desconforto da candidatura Tucano-Pefelista quando interpelada sobre o programa de governo. O próprio FHC, em sua recente exortação aos eleitores tucanos, sopra sobre as cinzas do programa de privatizações, de terceirização do Estado, da ALCA, da destruição dos direitos sociais dos trabalhadores, de temas que estavam no centro da agenda do seu governo na esperança de despertar alguma chama. Mas os candidatos tucanos, em todo o país, guiados talvez por um saudável instinto de sobrevivência, relutam em defender o retorno da plataforma dos oito anos. Daí resulta uma campanha sem bandeiras, que não empolga seus próprios apoiadores e não tem outro remédio senão seguir a reboque das manchetes do dia anterior. Acontece que o complexo da mídia liberal-conservadora não tem projeto de país. Formula suas estratégias, como é da sua natureza, em termos de mercado. O governo Lula recuperou a centralidade da agenda pública, do novo projeto de desenvolvimento para o Brasil do século XXI. E a partir dela estabeleceu um diálogo fecundo com os deserdados do país. Deu passos significativos no sentido de inverter a lógica dos modelos anteriores. Estamos nos afastando do secularmente conhecido “crescer para distribuir” para uma nova lógica, centrada nas exportações, mas também, na expansão do mercado interno, muito bem entendida por vastos setores da população historicamente marginalizados dos benefícios econômicos, sociais e culturais do desenvolvimento que pode ser sintetizada na frase: “distribuir para crescer”.
A evolução da disputa presidencial de 2006 aponta para a radicalização do processo político no Brasil. Vai se tornando evidente que o aprofundamento das conquistas dos setores sociais excluídos, obtidas com o governo Lula, demandará a ampliação do conceito de governabilidade, com relação àquele com que trabalhou no seu primeiro mandato. Mais que o diálogo democrático e o respeito aos movimentos sociais que caracterizaram as relações governo-sociedade nos últimos quatro anos, o segundo mandato deve estimular avanços na organização das demandas não atendidas dos setores populares, para que elas ocupem o lugar que lhes cabe na agenda do país. Fortalecer os movimentos sociais, reconhecer seu papel como interlocutores legítimos e necessários no complexo de interesses em jogo na democracia brasileira, é indispensável para consolidar os avanços obtidos. Uma governabilidade transformadora inclui, além das bancadas de sustentação do governo nas duas Casas do Congresso, do diálogo com as organizações da sociedade civil, um forte e mobilizado movimento social que expresse as demandas dos setores populares na disputa dos fundos públicos e no aprimoramento das regras democráticas que regem o sistema político partidário.
A Reforma Política que o país reclama não ocorrerá sem a vitória do Presidente Lula. Realizá-la é uma tarefa democrática incontornável para o Estado e para a sociedade brasileira. Uma Reforma Política que aponte para: a instituição do financiamento público de campanha; o voto em lista; a fidelidade partidária e a abolição das coligações proporcionais. Esses itens devem fazer parte de uma agenda de urgência para que a sociedade brasileira discuta e se pronuncie sobre os mecanismos democráticos que deseja adotar na condução dos destinos do país.
É necessário construir com as bases do PT, a convicção de que a Reforma Política é indispensável à nossa sobrevivência como partido transformador. A Reforma Política, além de conferir uma nova legitimidade ao sistema partidário do Brasil e dotá-lo da estabilidade necessária ao desenvolvimento do país, repercutirá positivamente na nossa própria dinâmica interna. Permitirá a abertura de novos espaços de participação das bases oxigenando o debate político indispensável para a renovação da cultura partidária e o avanço do nosso projeto como partido democrático e socialista.
A Revolução Democrática que está em curso no Brasil não pode ser detida pelos arreganhos golpistas da mídia liberal conservadora. Nem pelas trapalhadas desses sinistros habitantes que prosperaram nas sombras da estrutura partidária, tratados até agora com leniência. O Partido dos Trabalhadores e sua militância não aceitam ser linchados pela hipocrisia da mídia liberal conservadora. Ao lado dos lutadores sociais dos movimentos e partidos de esquerda, já deu mostras de sua capacidade de organização independente e de luta para derrotar a fúria regressiva dos neoliberais. Não temos tempo para ser pessimistas. Ou, dito de outra forma: “Deixemos o pessimismo para dias melhores”.
*Hamilton Pereira (Pedro Tierra) é Presidente da Fundação Perseu Abramo.