A disputa presidencial chega a sua fase decisiva com os campos nitidamente demarcados. De um lado, o presidente Lula, candidato à reeleição da coligação “A força do povo” (PT, PCdoB e PRB), aparece como franco favorito em todas as sondagens eleitorais. Apesar das limitações e erros do seu primeiro mandato, os trabalhadores mantêm a esperança de mudança no atual governo, enxergam nele o esforço em priorizar as questões sociais, em democratizar as relações com os movimentos populares, em adotar uma política soberana diante das potências capitalistas. Todo o hipócrita bombardeio da mídia e da oposição de direita, tentando cunhá-lo de corrupto, parece não colar na imagem do presidente Lula.

Do outro lado, o rejeitado Geraldo Alckmin, seguidor da seita fascista Opus Dei e adepto de um programa ultraliberal de governo, que conta com o apoio dos rentistas e privatistas “modernos” do PSDB, da velha oligarquia do PFL e dos trânsfugas do PPS. A sua candidatura prega a redução do papel do Estado, com o corte nos programas sociais e a demissão de servidores públicos; a privatização de estatais, com a entrega do que eles chamam de “jóias da coroa” (Petrobras, Banco do Brasil, CEF e as geradoras de energia); a retomada das negociações da Alca, via alinhamento automático com os EUA e o fim da diplomacia Sul-Sul; a flexibilização trabalhista, com a prevalência do negociado sobre o legislado; e a criminalização dos movimentos sociais, rompendo o diálogo com os sindicatos e reprimindo “os bandidos do MST”.

Há ainda um bloco intermediário, representado pelos candidatos Cristovam Buarque e Heloísa Helena, que tenta se apresentar como terceira via. Ambos centram seus ataques no presidente Lula e suavizam as críticas ao representante da oposição liberal-conservadora. No caso da candidatura do PSOL, ela teve uma certa ascensão nas pesquisas, aproveitando-se da generosa exposição da mídia, o que alimentou o sonho da direita de viabilizar o segundo turno da sucessão presidencial. Há, entretanto, problemas neste campo. Como sintetizou o sociólogo Emir Sader, este partido é “um estranho casamento da eleitoralismo e ultra-esquerdismo”. A tentativa de Heloísa Helena de adocicar seu discurso, visando atrair as camadas médias, logo sofreu duras críticas do interior do seu partido e das forças coligadas – em especial, do PSTU.

Acertar o rumo e o prumo

Diante deste quadro de disputa tão cristalizado, o sindicalismo tem enormes desafios. Concentrando suas energias nesta batalha política e evitando desperdiçar forças nas lutas economicistas e corporativistas do cotidiano, ele deve colocar como prioridade máxima a derrota do projeto da direita. A revanche neoliberal neste momento seria uma tragédia para os trabalhadores brasileiros e para os povos latino-americanos. Ela colocaria em risco os poucos direitos trabalhistas que ainda restam, daria impulso à ofensiva mundial de criminalização dos movimentos sociais e abortaria todo o esforço do atual governo de maior integração da América Latina como forma de se contrapor à política expansionista dos EUA. Não é para menos que Hugo Chávez, Fidel Castro e Evo Morales, entre outros presidentes latino-americanos, apostam sua fichas na reeleição de Lula como indispensável para a construção deste bloco regional de poder.

Além do esforço para barrar o retrocesso da direita neoliberal, o sindicalismo deve contribuir para que um segundo mandato do presidente Lula avance no rumo das mudanças. Há consenso de que o seu primeiro governo representou uma histórica vitória dos trabalhadores e que promoveu expressivos avanços sociais e políticos. Em todos os quesitos, ele dá de goleada no triste reinado de FHC. Apesar disto, o sindicalismo tem consciência de que esta experiência inédita também esbarrou em muitas limitações e cometeu vários erros – em especial, ao tentar conciliar com as elites dominantes, ao não enfrentar a ditadura do capital financeiro e ao subestimar a capacidade da mobilização social.

Num primeiro momento, a pressão do poder econômico foi violenta no sentido de enquadrar e domesticar o governo Lula. Num segundo, as elites investiram abertamente na tática golpista de “sangrar” e derrotar o bloco democrático-popular. A vida demonstra que hoje não basta eleger governos progressistas, que é preciso pressioná-los e contribuir ativamente com as mudanças, evitando que os eleitos se tornem reféns do poder econômico. Nesta primeira experiência de um governo nascido das lutas sociais, o sindicalismo não cumpriu a contento este papel. Ele resvalou em dois extremos negativos– o da passividade acrítica e o do voluntarismo esquerdista. Ele poderá ter agora uma segunda chance para corrigir o rumo e o prumo!

Neste sentido, é positiva a iniciativa da CUT de apresentar a “plataforma democrática dos trabalhadores” com as principais reivindicações do sindicalismo. Ao mesmo tempo em que explicita que o seu objetivo maior é evitar o retrocesso da direita neoliberal, a principal central sindical do país não assina um cheque em branco e formula suas propostas para o provável segundo mandato do presidente Lula. A plataforma tem quatro eixos: soberania nacional, desenvolvimento interno, ampliação da democracia e mais direitos sociais. Ela reivindica que o novo governo avance no rumo das mudanças, viabilizando a tão desejada transição do modelo neoliberal para um novo projeto de desenvolvimento com valorização do trabalho.


*Altamiro Borges
é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2a edição).