Um balanço das ações do governo Lula no sentido de propiciar um funcionamento institucional do Estado mais capaz de fazer valer o princípio da ética pública, apesar do muito a se avançar neste campo, confere-lhe ampla legitimidade e interlocução para pautar este debate na cena eleitoral de 2006.

Um balanço das ações do governo Lula no sentido de propiciar um funcionamento institucional do Estado mais capaz de fazer valer o princípio da ética pública, apesar do muito a se avançar neste campo, confere-lhe ampla legitimidade e interlocução para pautar este debate na cena eleitoral de 2006.

Um dos temas que merecerá maior destaque na campanha eleitoral deste ano será certamente o da corrupção e o da ética pública. A exploração da crise política, já repisada pela mídia nacional, aparecerá como estratégia eleitoral preferencial de uma oposição sem legitimidade para defender a ética e os valores públicos. O argumento principal foi trabalhado pela mídia conservadora através da idéia de que a corrupção atual é “sistêmica” porque derivada de um inovador sistema de corrupção montado pelo PT. Para reforçar este argumento não faltaram as teses irrealistas, pouco informadas e interessadas do partido “bolchevique” ou “totalitário” pronto a acabar com as liberdades democráticas. Seria então a oposição conservadora, recém chegada de oito anos de escândalos políticos abafados e não investigados os donos da moralidade pública nacional?

Contra esta visão parcial e insuficiente, o correto seria afirmar que a corrupção é sistêmica ao próprio Estado brasileiro porque faz parte da dinâmica mesma do seu funcionamento, estando enraizada no sistema político e na reprodução das iniciativas estatais. Historicamente, esta degeneração pode ser explicada pela formação de um aparelho de Estado sem democracia e submetido aos interesses privados, situação não revertida com a transição democrática e, em certa medida, fomentada durante a era neoliberal de FHC. Desta forma, a corrupção seria sistêmica porque está presente no financiamento das campanhas eleitorais, na relação que os governos estabelecem com os partidos para obter maioria parlamentar e na gestão de orçamentos públicos pouco transparentes.

É neste sentido que se mostra completamente incorreta a análise da mídia conservadora que atribui a centralidade dos escândalos de corrupção ao atual governo. Antes disto, compreendendo-se que a corrupção é sistêmica ao Estado brasileiro, seriam exatamente aqueles partidos mais integrados à órbita estatal os maiores responsáveis pela reprodução da dinâmica da corrupção.

Esta realidade não demorou a aparecer nas investigações sobre os casos mais importantes. Em relação ao esquema de Marcos Valério, a tentativa da oposição de instrumentalizar a crise contra o PT e o presidente Lula foi frustrada pela revelação de que a origem do esquema estava no governo mineiro do tucano Eduardo Azeredo e envolvia diretamente políticos como Roberto Brant do PFL e o atual vice-governador de Aécio Neves, Clésio Andrade.

Em relação ao caso da máfia das ambulâncias, a estratégia da oposição de envolver o governo também fracassou quando as investigações começaram a revelar a origem do esquema no governo FHC durante a gestão de José Serra no Ministério da Saúde. Apesar da pouca repercussão na mídia, tornaram-se públicas fotos do ex-ministro da saúde ao lado de acusados de envolvimento no esquema em cerimônia de entrega de ambulâncias. Ainda mais, das 591 prefeituras sob investigação da polícia federal por sua relação com a “máfia dos sanguessugas”, nada menos que 128 eram do PSDB, partido com maior número de prefeitos acusados desta fraude, seguido do PFL com 107.

Estes dados demonstram que a questão da corrupção no Brasil é uma questão mais complexa do que deseja boa parte da mídia nacional, exigindo rearticulação e uma institucionalização adequada do Estado para resolver este problema.

Ética pública e combate à corrupção

No contexto brasileiro, combater a corrupção implica na consolidação de uma ética pública contra o privatismo que captura o Estado, na estruturação de uma institucionalidade democrática e republicana ainda por se construir em várias dimensões fundamentais. Neste sentido, o problema da corrupção deve ser analisado a partir da atenção para dimensões importantes como a capacidade das leis para regulamentar as iniciativas estatais e de suas agências para fiscalizá-las, a liberdade de informações e da expressão de idéias e interesses em sua pluralidade, a necessidade de competição política, o financiamento transparente de campanhas eleitorais além de outros temas que direta ou indiretamente influenciam nos processos de corrupção. A ação dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada acentuou nos últimos anos a importância de mecanismos participativos que dão voz aos cidadãos na luta contra a corrupção. Neste sentido, o controle da corrupção envolveria formas participativas de responsabilização e “empoderamento” democrático da sociedade civil.

Visto desta forma, uma análise mais realista e justa reconheceria os esforços do governo Lula em dotar o Estado brasileiro de uma institucionalidade capaz de responder ao imenso desafio de combater a corrupção sistêmica do país. Este trabalho poderia ser verificado nas constantes ações da Polícia Federal, no fortalecimento do Tribunal de Contas da União, na autonomia do Ministério Público Federal, em iniciativas como a de organizar o IV Fórum Mundial de Combate à Corrupção e na interlocução constante com movimentos da sociedade civil. As marcas mais definitivas deste esforço ficarão na institucionalização e consolidação da Controladoria Geral da União (CGU), que tem centralizado os esforços para consolidar procedimentos e pessoal especializado para inibir a corrupção no país. Nesta perspectiva, poderia-se afirmar que a institucionalização republicana pelo qual passa a CGU seria norteada por três diretrizes fundamentais e organizadoras de suas ações.

Em primeiro lugar a promoção da ação articulada das diversas unidades internas da CGU buscando a integração das funções de controle interno, promovendo a transparência e a prevenção da corrupção.

Em segundo lugar o desenvolvimento de ações articuladas com os demais órgãos de controle e defesa do Estado como o TCU, o Ministério Público Federal e o COAF. Articulação necessária para tornar mais eficiente as ações de repressão ao crime organizado, além do fortalecimento de mecanismos institucionais para combater as movimentações financeiras ilegais e a lavagem de dinheiro.

Por fim, a ênfase no controle social através do estímulo à participação social. Tal articulação se tornaria importante para garantir acesso à informação de interesse público no combate à corrupção. Chama a atenção, neste ponto, as possibilidades abertas com a utilização dos meios eletrônicos para a transparência das decisões estatais e a prestação de contas à sociedade através da internet. Ou seja, as potencialidades da chamada “governança eletrônica”.

A CGU e os avanços no combate à corrupção

Com base nestas diretrizes, todo um trabalho de reorganização e ações concretas foram desenvolvidas pela CGU no governo Lula. Em relação à primeira diretriz, buscou-se primeiramente superar a realidade do início de 2003 quando não havia clareza nas funções desempenhadas pelas unidades da Controladoria, além da falta de integração de suas ações. A inovação mais importante neste contexto foi a orientação da Controladoria para o desempenho de funções de uma agência de prevenção à corrupção. Essa nova postura de atuação culminou na criação da Secretaria de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas (SPCI), através da qual o governo federal passará a contar, pela primeira vez, com uma estrutura de Secretaria Nacional dedicada exclusivamente à prevenção da corrupção.

Esta nova Secretaria traduz a determinação da Controladoria em encampar o debate e a elaboração de projetos sobre temas como enriquecimento ilícito, transparência pública, conflito de interesses, acesso à informação, promoção da ética, tratamento de informações de inteligência, acompanhamento da evolução patrimonial dos agentes públicos.

A SPCI trabalha, no momento, em diversos projetos, dentre os quais podem ser destacados: anteprojetos de lei relativos a Conflito de Interesses e ao Acesso à Informação, supervisão da implementação das páginas de transparência dos Ministérios, criação de bancos de informação sobre corrupção e integridade, criação de metodologia para identificação de situações de risco de corrupção e definição do conceito de Pessoas Politicamente Expostas (PEPs). Esta última atividade, concluída recentemente, incluiu no grupo todos os que mantêm mandatos eletivos no poder executivo federal, estadual e municipal e no poder legislativo em todos os seus níveis. Para a CGU, PEPs são indivíduos que desempenham ou desempenharam, nos últimos cinco anos, no Brasil ou em outros países, funções públicas relevantes, assim como seus familiares e pessoas de seu relacionamento. O conceito é o passo inicial para que o Banco Central estabeleça normas por meio das quais esse grupo terá acompanhamento mais rígido sobre suas operações. Trata-se de uma medida voltada para o combate à lavagem de dinheiro atendendo a convenção da ONU e organismos internacionais.

Em relação à ação articulada com outros órgãos, podem-se destacar as parcerias com os Ministérios Públicos da União e de todos os estados mais o Distrito Federal. As ações da Controladoria, através do Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos geraram a instauração de 259 procedimentos investigativos do Ministério Público Federal e 66 dos Ministérios Públicos Estaduais, além de inúmeras outras providências como celebração de termos de ajuste de conduta. A integração com a Polícia Federal resultou numa série de operações que desmontaram inúmeros esquemas de corrupção.

No que se refere a promoção ao controle social e relação com a sociedade civil, merecem destaque a criação e implantação do Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção, a criação do Portal da Transparência, a adoção do Programa Olho Vivo no Dinheiro Público e estabelecimento de parcerias com organizações não governamentais e com organismos internacionais que atuam na área.

O Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção foi criado em 2003 e conta com a participação de 10 entidades públicas como o Ministério Público Federal e o TCU e de 10 entidades da sociedade civil como a OAB, CNBB e Instituto Ethos, com o objetivo de promover projetos e análises que aprimorem os mecanismos de prestação de contas dos recursos transferidos pela União.

Elogiado e reconhecido como experiência pioneira por entidades internacionais, o Portal da Transparência é o sítio do governo brasileiro que publica informações sobre repasses de recursos públicos federais. A partir de 2005, além das informações que já disponibilizava, o portal passou a conter dados sobre as aplicações dos órgãos federais e dos gastos efetuados com os cartões de pagamento utilizados por todos os órgãos da administração direta do governo federal.

Outra iniciativa importante da CGU é o programa Olho Vivo no Dinheiro Público que objetiva estimular o controle público e capacitar agentes municipais públicos. Visando enfrentar a falta de informação e orientação técnica, foram realizadas atividades de educação presencial em 85 municípios em 2005.

O Programa de Fiscalização a partir de Sorteios também desempenha função importante no incentivo à participação e ao controle social tendo como objetivo principal inibir a corrupção e despertar o interesse das populações locais para formas de controle social.

No terreno das parcerias, a CGU firmou projeto de cooperação com Escritório das Nações Unidas contra o Crime que permitiu, num primeiro momento, a organização do IV Fórum Mundial de Combate à Corrupção que se realizou em Brasília em Junho de 2005. Num segundo momento, esta parceria pretende permitir o aprimoramento técnico dos mecanismos de controle do CGU e análise de seu arcabouço legal e institucional e sua conformidade em relação à Convenção das Nações Unidas de Combate à Corrupção. Com a Transparência Brasil, a CGU firmou convênios que consistiam no planejamento da programação temática do IV Fórum Global para o Combate à Corrupção e no desenvolvimento de uma metodologia para identificação de situações de risco de corrupção em andamento.

Todas estas iniciativas de consolidação e fortalecimento de uma CGU capaz de combater o problema crônico da corrupção no país desenham um quadro institucional novo na experiência da gestão pública brasileira. Associado à necessária reforma política, pode contribuir de modo decisivo para estabelecer os marcos de um Estado republicano e democrático. A legitimidade e interlocução pública do presidente Lula e das forças sociais que lhe garantem sustentação política para realizar esta tarefa são amplas. Neste sentido, recolocar o tema da ética pública no centro dos debates, das campanhas eleitorais e dos programas de governo se torna um imperativo.

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