Nas edições anteriores do Periscópio, registramos o acirramento da eleição presidencial mexicana, particularmente, a disputa entre o candidato do PAN e do PRD que, segundo alguns institutos de pesquisa mexicanos, chegaram a alternar a ocupação do primeiro lugar na preferência popular, embora o segundo tenha estado à frente na maior parte do tempo. As eleições nicaragüenses, o ingresso da Venezuela no Mercosul, o crescimento da China e a guerra na Palestina e no Líbano também são assuntos abordados na seção.

Eleição no México

Nas edições anteriores do Periscópio, registramos o acirramento da eleição presidencial mexicana, particularmente, a disputa entre o candidato do Partido da Acción nacional (PAN), Felipe Calderón Hinojosa e do Partido de la Revolución Democrática (PRD), Andrés Manoel Lopez Obrador que, segundo alguns institutos de pesquisa mexicanos, chegaram a alternar a ocupação do primeiro lugar na preferência popular, embora o segundo tenha estado à frente na maior parte do tempo.

Lopez Obrador enfrentou, pela direita, uma campanha caluniosa e anti-comunista, bem como o poder econômico e a máquina do governo. Pela esquerda, representada pelo EZLN e outros grupos, enfrentou uma campanha que pregava o voto nulo com base na afirmação que todos os candidatos eram “farinha do mesmo saco”, o que, na prática só prejudicava a ele, pois era o único que disputava os votos da esquerda. Para culminar, o candidato do PRD agora luta para garantir uma recontagem voto a voto diante das constatações de fraude em várias circunscrições eleitorais.

Há vários indícios de manipulação dos votos em favor de Calderón em estados governados pelo PAN, combinada com uma sofisticada tentativa em nível nacional para encobrir o ocorrido por meio do sistema de totalização de votos. Este é feito pelo Instituto Federal Eleitoral (IFE) somando os resultados apresentados nas atas de cada urna elaboradas nas apurações em cada junta eleitoral uma vez que não existe uma contagem centralizada de votos.

Assim, no dia seguinte à eleição, houve um anúncio informal que Calderón havia vencido por uma diferença de aproximadamente 1%, resultado rapidamente aceito pelos três outros candidatos presidenciais, Madrazo do Partido de la Revolución Institucional (PRI) e os de dois partidos nanicos. No entanto, diante dos questionamentos do PRD, apareceram as atas de quase 11.000 urnas que representavam cerca de 3,4 milhões de votos e que “por uma falha” não haviam sido incluídos na contagem. A soma destes votos levou ainda mais um dia e no final ainda favoreciam o candidato do PAN, mas com 35,89% dos votos contra 35,31% para Lopez Obrador, uma diferença de apenas 0,58% ou 243.934 votos, num total de 41,1 milhões de votos.

Ou seja, utilizou-se um erro que teria sido de “humano e de boa fé” e que foi rapidamente corrigido sem alterar o resultado final para disfarçar a verdadeira fraude embutida nas urnas. Esta correção foi argumento suficiente para a mídia, o setor empresarial do México e o Presidente Bush darem a eleição como vencida por Calderón. É por isto que o PRD apelou do resultado ao Tribunal Eleitoral do Poder Judiciário da Federação (TRIFE) solicitando a recontagem centralizada dos votos, a única forma que ainda possibilitaria definir o real resultado. As suas reclamações referem-se a irregularidades em aproximadamente 50.000 urnas, quase a metade das 132.000 que funcionaram na eleição.

A decisão cabe aos sete juízes que compõem o TRIFE e que têm até o início de setembro para se posicionar. O pleito do PRD está sendo apoiado por grandes mobilizações populares como a do dia 16 de julho quando um grande número de pessoas atendeu ao chamado do PRD de participar na “resistência civil” e marcharam pela Cidade do México terminando com uma concentração de mais de um milhão de pessoas no Zócalo, a praça central da cidade. (Leia mais).

Independentemente, do resultado destas ações, a eleição confirmou uma profunda alteração no quadro político partidário do México.

O PRI surgiu do processo político desencadeado pela revolução mexicana entre 1910 e 1918. Implementou uma forte política de desenvolvimento nacional e foi responsável pela introdução do modelo de substituição de importações. No entanto, a sua concepção de Estado interligava instituições como sindicatos, partidos, organizações de camponeses com o governo, tirando-lhes sua autonomia, mas possibilitando que o PRI governasse o país ininterruptamente por quase 80 anos. O partido vinha sofrendo uma mutação ideológica em relação ao passado, que se explicitou ao longo dos anos 1980 e foi de sua responsabilidade, a implantação do projeto neoliberal no país. Em 2000 perdeu as eleições presidenciais para Vicente Fox do PAN e agora seu candidato chegou em terceiro lugar.

O PAN tem origem no “movimiento cristero” da década de 1920, que foi uma reação capitaneada pela igreja católica em oposição ao PRI que pretendia usar suas terras para fins da reforma agrária e sempre representou as forças sociais mais conservadoras do México. Foi o partido que em 2000 conseguiu capitanear o desgaste do PRI e o desejo de mudança do povo mexicano, embora elegendo Fox, um ex-executivo da Coca Cola, que nada mais fez que aprofundar a aplicação das políticas neoliberais.

O PRD é uma dissidência do PRI devido ao autoritarismo, corrupção e centralismo desenvolvido neste partido e também uma reação às mudanças ideológicas que se expressam a partir dos anos 1980. No PRI existia o método do “dedazo” para a cúpula partidária apontar o candidato à sucessão. Para a eleição de 1988 o escolhido foi Carlos Salinas de Gortari. Porém, o candidato preterido internamente, Chuathemóc Cardenas, filho do ex-presidente Lázaro Cardenas e defensor de posições ideológicas próximas às tradições nacionalistas do PRI, candidatou-se por um pequeno partido, mas perdeu devido a uma fraude escandalosa. Após a eleição, o PRD foi fundado.

Além da queda do PRI, o PRD tornou-se uma alternativa real de poder e a polarização ao PAN e PRI pela esquerda. Nesta eleição, em coligação com o Partido do Trabalho e o Partido da Convergência aumentou seu número de cadeiras na câmara de deputados de 19,4% para 28,99%, enquanto o PRI caiu de 39,8% para 28,21%. O PAN, por sua vez, cresceu de 29,6% para 33,39%. Outros partidos menores somaram 9,41%. No senado, o PAN obteve 33,54%; o PRD, 29,69% e o PRI, 28,07%.

(Acompanhe a cobertura completa do La Jornada sobre as eleições mexicanas de 2006)

Assembléia Constituinte na Bolívia

No dia 2 de julho realizou-se a eleição para compor a Assembléia Nacional Constituinte da Bolívia, bem como o referendo sobre a autonomia departamental. De um total de 255 cadeiras, o Movimiento Al Socialismo (MAS) do presidente Evo Morales obteve 139, equivalente a 50,7% dos votos. O “Podemos” obteve 15,3% e 62 cadeiras; a Unión Nacional, 7,2% e sete cadeiras e outros partidos, 26,8% e 47 constituintes.

Embora o MAS não tenha alcançado dois terços dos votos, o que lhe permitiria aprovar sozinho as alterações na Constituição, confirmou-se como a força política mais importante da Bolívia. A Assembléia instalar-se-á em Sucre, capital administrativa do país, em 6 de agosto. A sua agenda é aprovar novas leis que possibilitem “descolonizar” o Estado, assegurar a propriedade sobre os recursos naturais, promover a inclusão social, combater a pobreza, fortalecer a soberania nacional, entre outros.

Aparentemente, o MAS já teria o apoio de três partidos menores, somando os votos de outros 19 constituintes, mas ainda assim terá que negociar com a direita. Não será um processo fácil, pois além desta negociação, enfrentará a oposição da Confederación Obrera Boliviana (COB) e outros grupos étnicos que consideram que Evo Morales não tem sido suficientemente radical nas suas iniciativas até aqui.

A questão da autonomia departamental também permanece em aberto, pois em nível nacional, a soma dos votos foi 57,6% pelo “não” e 42,4% a favor do “sim”. Porém, em quatro departamentos de um total de nove, prevaleceu o “sim”. Estes foram Beni, Santa Cruz, Pando e Tarija. Além disto, a formulação da pergunta foi confusa e deu margem a que a direita fizesse propaganda a favor do “sim” como uma fórmula de promover total autonomia dos departamentos ao invés de uma proposta de descentralização administrativa e de poder, como temos, por exemplo, no Brasil.

Mas, como estão dizendo por lá: “Ahora nos queda trabajar y escuchar el pueblo”. (Leia mais).

Eleições nicaragüenses

De acordo com pesquisas recentes, Daniel Ortega da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) continua em primeiro lugar na preferência popular, seguido pelo candidato da direita, Eduardo Montealegre da Alianza Liberal Nicaragüense.

A novidade foi o falecimento do candidato sandinista dissidente, o ex-prefeito de Manágua Herty Lewitis em 2/07/06 e que na última pesquisa estava em quarto lugar com 11,5% dos votos. As eleições são em novembro.

Ingresso da Venezuela no Mercosul

Esta foi a grande novidade da 30ª Reunião ordinária de Cúpula do Mercosul e países associados realizada no dia 21 de julho na cidade de Córdoba na Argentina com a participação da Venezuela já com o status de membro pleno. Para assegurar esta possibilidade, no entanto, terá um prazo para adequar suas tarifas externas de acordo com a Tarifa Externa Comum (TEC), já existente entre os quatro países originais.

As demais decisões foram basicamente no sentido de impulsionar a integração energética da região por meio do Gasoduto do Sul ao qual aderiram também a Bolívia, Paraguai e Uruguai; avançar na definição de um código aduaneiro do Mercosul; realizar as transações comerciais regionais nas moedas locais ao invés do dólar americano; definir as regras de funcionamento do Fundo de Convergência Estrutural (FOCEM); lançar um programa de erradicação da aftosa da região; assinar um acordo de complementação econômica com Cuba que envolve cerca de 3.000 linhas tarifárias e também assinar um protocolo prevendo a negociação de um acordo de livre comércio com o Paquistão.

A presidência pro-tempore durante o próximo semestre cabe ao Brasil e as resoluções adotadas, em tese, oferecem fartos temas para serem encaminhados durante o mandato brasileiro. No entanto, não se têm discutido alguns problemas fundamentais do Mercosul, entre eles sua falta de institucionalidade. Isto significa na prática que os técnicos brasileiros discutirão as propostas para responder às resoluções mencionadas acima durante os próximos seis meses para então submetê-las à aprovação dos presidentes na 31ª Reunião ao invés de encarregar instituições de simplesmente implementar o que foi decidido.

O problema é que estas instituições não existem e se quisermos que o Mercosul avance, elas têm que ser criadas, a exemplo do prometido Parlamento do Mercosul ou do Fórum Consultivo de Estados e Municípios que até agora não saíram do papel. Outro problema é a ausência de mecanismos de solução de controvérsias para lidar com questões como a das indústrias de papel e celulose a serem instaladas no lado uruguaio do Rio Uruguai. O tribunal de Haia não aceitou os argumentos argentinos, mas estes persistem na sua posição original de tentar impedir a construção destas empresas que são importantes para a economia uruguaia.

Uma terceira questão é a assimetria econômica entre os países membros. A criação do FOCEM é uma primeira iniciativa para lidar com isto, porém mais medidas se fazem necessárias.

De qualquer maneira e com todas as dificuldades de combinar os interesses nacionais com os regionais, parece que cresce uma compreensão da importância da integração como forma de beneficiar a todos. (Leia mais em “Reforzar el Mercosur”).

Uma ligeira avaliação do processo político latino-americano até aqui

A não ser que Lopez Obrador e o PRD consigam reverter o resultado eleitoral mexicano na justiça, as únicas eleições presidenciais deste ano cujos vencedores poderão se somar à onda de governos progressistas na América Latina são a Nicarágua e o Equador. Ainda este ano trata-se de assegurar a continuidade dos atuais governos no Brasil e Venezuela e em 2007, na Argentina.

Para as forças progressistas do continente, o balanço dos resultados eleitorais é muito positivo. Além dos governos de Cuba, Venezuela, Brasil, Argentina, foram eleitos presidentes do campo progressista e/ou da esquerda na Bolívia, Panamá e Uruguai e foi mantida a posição no Chile com a eleição de Michelle Bachelet. A direita ganhou na Colômbia, mas o Pólo Democrático Alternativo tornou-se a segunda força política naquele país, assim como o PRD no México, embora este ainda se aguarde o resultado oficial da eleição presidencial.

As forças tradicionais de esquerda foram mal no Peru, pois não elegeram um parlamentar sequer. No entanto, o candidato classificado pela mídia como de esquerda foi Ollanta Humala que chegou em segundo lugar, embora sua coalizão Unión por el Peru tenha eleito a maior bancada no parlamento peruano.

Ser nacionalista nos dias de hoje ao menos na opinião da mídia, é suficiente para ser classificado de “esquerdista” na América Latina, pois significa oposição à globalização neoliberal e à transnacionalização das economias nacionais. No entanto, por mais importante que seja a defesa das economias nacionais como perspectiva de desenvolvimento e rompimento da dependência dos paises centrais, ainda assim o nacionalismo não é sinônimo de esquerda. Basta ver a postura nacionalista de Israel, EUA ou da Rússia. Poderíamos dizer que ser de esquerda exige uma dose de nacionalismo, mas ser nacionalista não implica necessariamente em adotar posições de esquerda.

De toda maneira, Humala poderia ser um aliado no processo político que ora se desenvolve no nosso continente. Voltamos a afirmar que devemos aguardar o início do novo governo peruano para melhor identificar os posicionamentos tanto do governo da APRA, quanto da oposição da UPP.

Os partidos de direita, a mídia e as forças econômicas na nossa região tentarão apresentar este quadro de forma totalmente diferente, como uma vitória das forças de mercado que barraram o “populismo de esquerda no Peru, Colômbia e México” e, além disso, nas cinco eleições em disputa este ano, a direita ganhou nos três países mais importantes e agora tentarão repor as coisas nos trilhos no Brasil, Venezuela e Argentina.

Aliás, chamar nossos governos de populistas é uma maneira de tentar estigmatizar a nossa política. Quando Lula ou Chavez visitam bairros ou implementam programas sociais é populismo, mas quando FHC monta num jegue, usa chapéu de cangaceiro e come buchada de bode, como fez em 1994, é simples campanha eleitoral, assim como quando Alckmin agora arrisca uns passos de forró.

Um outro truque, que partiu do ex-ministro de relações exteriores do governo Fox, Jorge Castañeda, é classificar os governos progressistas entre esquerda moderna e esquerda atrasada. No primeiro grupo estariam Kirchner, Tabaré Vazques, Lula e Bachellet e no segundo Fidel Castro, Chavez e Evo Morales. O problema é que isto vem ao encontro de alguns maniqueísmos que existem também do nosso lado, pois muitas vezes não se considera a realidade e os processos históricos de cada país e se deseja que tudo se transforme da mesma maneira e com a mesma rapidez, o que é uma perspectiva que não existe.

Neste momento da disputa eleitoral no Brasil, estes assuntos estarão presentes no debate. Já em 1989, Collor de Mello usava o argumento da derrota dos sandinistas nas eleições nicaragüenses e a queda do Muro de Berlim, contra a Frente Brasil Popular e agora tentarão vincular Chavez ao Lula, explorar a nacionalização do gás boliviano e a vitória da direita nos países mencionados contra nós.

Reunião do G-8 em São Petersburgo

Sua reunião anual este ano foi em São Petersburgo na Rússia entre os dias 15 e 17 de julho e como de costume contou com a presença de alguns países convidados como Brasil, Índia, Congo, entre outros.

Sua agenda e resoluções formais também não trouxeram grandes novidades, embora a reunião tenha se realizado em seguida a mais um fracasso das instâncias da OMC em definir uma conclusão para a Rodada Doha e ao início da escalada dos ataques de Israel ao território libanês.

Os temas oficialmente tratados foram: um programa de “Educação para as Sociedades Inovadoras do Século XXI”, atualização do programa de cooperação com a África, combate à AIDS e outras doenças infecciosas, combate à corrupção (apesar de apenas três países do G-8 terem ratificado a convenção da ONU que trata disto) e um programa de segurança energética global. No texto final há também uma orientação para que a OMC conclua seus trabalhos no “prazo de um mês” assim como uma declaração dirigida às partes em conflito no Oriente Médio, instando a que cesse a violência e que se utilizem meios diplomáticos para alcançar um acordo.

Na verdade o tema discutido e que produzirá desdobramentos, é o que se refere à segurança energética. Começa a surgir um mínimo de consciência sobre o limite das reservas de petróleo e dos efeitos negativos para a economia mundial da especulação em andamento sob a desculpa dos conflitos no Oriente Médio que chegou a elevar o preço do barril a US$ 78.00.

No entanto a alternativa na visão das grandes potências não passa pelas fontes de energia renováveis como o álcool e o biodiesel defendidos pelo Brasil, mas sim pela ampliação do uso da energia nuclear conforme o projeto do governo britânico que já havíamos mencionado em edição anterior. Este envolve setores industriais importantes, bem como os fornecedores de urânio enriquecido, o que também explica em parte os interesses que ativam o atual conflito com o Irã.

Estados Unidos e o “Eixo do Mal”

Com a queda da aprovação dos norte-americanos da guerra que já dura quatro anos, não são raras as declarações que expressam a dificuldade em recrutar novos soldados que aceitem defender os princípios dos EUA no campo de batalha. A conseqüência disso é um relaxamento das normas aplicadas para o recrutamento que tem permitido a infiltração de militantes neonazistas no exercito, ilustrado pelo aparecimento de grafites com símbolos da Nação Ariana em Bagdá.

Os dados estão contidos no relatório do Southern Poverty Law Center, um grupo pró-tolerância que rastreia as atividades de grupos neonazistas e paramilitares nos EUA. Alem dos depoimentos, grafittis com simbolos ligados à supremacia branca estao sendo encontrados em Bagdad, o que demostra os dados encontrados em seu relatório. O documento esta disponível em: Racist extremists active in U.S. military.

Com esse dado, não nos surpreende a atual corrente de noticias que revelam os abusos cometidos pelos soldados norte-americanos em missão ao Iraque, que em um círculo vicioso, apenas diminui a confiança da população nesta guerra e nas suas motivações e se somam aos problemas anteriores como as torturas na prisão de Abu-Ghraib e os recentes suicídios no campo de prisioneiros em Guantánamo. (Leia mais).

Aliás, houve também uma decisão da Suprema Corte Americana que estes prisioneiros têm que ser submetidos a julgamento e, apesar das negativas de diversos governos europeus mencionados, confirma-se a ocorrência de vôos secretos da CIA transportando prisioneiros a países onde podem ser interrogados sob tortura, sem impedimentos legais e que teriam pousado em aeroportos de países europeus.

Esta desaprovação da forma como o processo foi conduzido no Iraque recebeu mais um reforço com a notícia de que programas secretos de inteligência foram levados a cabo pela Casa Branca sem o conhecimento do congresso e do senado e, portanto, sem sua aprovação, como a constituição manda. (Leia mais em: White House kept “major program” secret from Congress)

Outro golpe na política externa de Bush foi deferido em pleno dia da independência americana, quatro de julho, com a realização de testes nucleares pela Coréia do Norte. Contudo, a reação dos EUA foi surpreendentemente multilateralista convocando outros países da região a engrossarem um pedido para cessar o programa nuclear de Kim Jong-il.

Atitudes como estas são reflexos não só da suavização da imagem de Bush para preparar o partido republicano para as eleições de novembro próximo, mas também efeito de um debate mais aprofundado sobre a política externa dos EUA, com a critica à “diplomacia do cowboy” de George W. Bush e a insustentabilidade da Doutrina Bush da guerra preventiva. Além disto, a Coréia do Norte tem a China como aliada tradicional e pode possuir armamento nuclear. (Leia mais em: Solution in Sight – Noam Chomsky, e em “An American Foreign Policy That Both Realists and Idealists Should Fall in Love With”).

O debate sobre a questão da imigração

Enquanto nos Estados Unidos o debate sobre a construção de um muro para separar a fronteira com o México continua acirrado, na Franca pós-distúrbios, foi aprovada em junho uma nova legislação mais dura contra os imigrantes e que vem sendo considerada racista pelos grupos franceses de defesa dos direitos humanos.

A proposta da nova lei foi desenhada pelo Ministro do Interior Nicolas Sarkozy, que é tido como um forte candidato da direita às eleições presidenciais de 2007, traz novas exigências para o recebimento da permissão de residência, dificultando a permanência de migrantes sem formação, e abolindo o direito dos imigrantes ilegais de receberem permissão de residência mesmo após 10 anos de vida na Franca. A maioria dos imigrantes franceses são provenientes das ex-colônias e a aprovação da nova lei vem sido duramente criticada pelos governos africanos como o de Senegal.

Na Holanda, a questão da imigração causou uma séria crise política e social que culminou com o enfraquecimento da minoritária coalizão centro-direita que governa o país. A retirada do partido D66 da base de apoio governista fez com que o primeiro ministro Jan Peter Balkenende entregasse sua renúncia à rainha Beatrix.

Contudo, após consultas com os partidos, foi aceito que o governo de Balkenende prossiga, mas as eleições, antes marcadas para maio de 2007, foram antecipadas para 22 de novembro próximo, em uma tentativa de fortalecer o Estado holandês, que desde 2002, trocou de gabinete pela terceira vez nesta última crise.

(Leia mais em Dutch election now set for this year, e New – minority – government for the Netherlands).

Na contramão das tendências de direita que permeiam o debate na Europa, foi realizado em junho o II Forum Social Mundial das Migrações na Espanha. (Leia mais sobre ele).

Crescimento da China

A China ultrapassou o Reino Unido no ano de 2005 e foi alçada ao posto de 4ª maior economia do mundo, segundo dados do Banco Mundial. Estados Unidos, Japão e Alemanha estão posicionadas nos três primeiros lugares do ranking, respectivamente.

Segundo observadores, o crescimento da economia chinesa tem também mostrado fortes reflexos no continente africano, com o aumento dos investimentos em função da busca por fontes de energia e matérias-primas que suportem seu progresso.

Como parte da estratégia para assegurar o fornecimento dos recursos minerais e energéticos, nas condições tão favoráveis como encontradas hoje, a China iniciou um processo de auxílio técnico e econômico a governos africanos, além de empréstimos livres de taxas e créditos preferenciais. Atualmente são contabilizados cerca de 900 projetos de investimento no território africano financiados com recursos de origem chinesa.

Analistas enfatizam a mudança gradual de eixo nas relações chinesas, das potências globais à construção de capital político com os países subdesenvolvidos. Para eles, esta tendencia é cada vez mais aparente desde que Hu Jintao tornou-se presidente em 2002. Seu antecessor, Jiang Zemin, era partidário de relações mais próximas com os Estados Unidos como motor do crescimento econômico chines.

Contudo, a presença de petróleo na África, considerada por Beijing como uma alternativa viável com relação ao produto vindo do Oriente Médio, colocou o continente africano num patamar privilegiado em relação à China. Hoje, 25% do petróleo exportado pela China provém da Africa, assim como grande parte do alumínio e do cobre, imprescindíveis para alimentar a crescente produção chinesa.

Conselho de Diretos Humanos da ONU

A sessão inaugural do novo Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou como seu primeiro ato formal, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Além do Brasil, outros 29 paises1 votaram a favor da aprovação do documento que foi discutido e modificado por 20 anos. Lobby de países como Canadá e Estados Unidos, com grande população indígena, apresentaram muitas ressalvas às discussões ligadas a este tema, tanto é que Canadá e a Federação Russa foram os únicos dois países que votaram contra a Declaração.

A preocupação com as questões de integridade territorial e autonomia dos territórios levou ainda Marrocos, Argélia, Gana, Nigéria, Senegal, Tunísia, Bangladesh, Filipinas, Ucrânia e Argentina a se absterem da votação.

O texto da Declaração reforça as garantias já existentes na legislação brasileira no tocante aos direitos dos povos indígenas.

(Leia o texto da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, recomendada pelo Conselho para ser adotada pela Assembléia Geral)

Guerra na Palestina e no Líbano

Primeiro foi o ataque maciço de Israel contra a Faixa de Gaza sob a justificativa da ação de um grupo de palestinos que atacou um posto de vigilância do exército israelense matando dois soldados e prendendo um. Esta retaliação causou a morte de dezenas de civis palestinos; centenas de pessoas, inclusive ministros da Autoridade Palestina foram presas e várias instalações de serviços públicos como a subestação central de Gaza foram destruídas, interrompendo o fornecimento de luz e água e deixando a população em situação ainda mais precária que o normal.

Depois foi o bloqueio e o bombardeio indiscriminado ao Líbano sob a justificativa de uma incursão de militantes do Hezbollah no norte de Israel que prenderam dois soldados israelenses e o lançamento de foguetes sobre cidades no norte de Israel.

Israel ocupa um território que não é seu e é de se esperar que houvesse resistência armada contra isto, assim como houve em vários países europeus contra a ocupação nazista e em muitas colônias contra os colonizadores. Porém, mesmo se partirmos do pressuposto que os ataques mencionados tenham sido dirigidos contra alvos em território israelense, o direito à defesa de Israel não tem nada a ver com as ações em execução.

O Líbano estava se recuperando a duras penas do conflito anterior que durou vários anos e agora sofre um bloqueio aéreo e naval, bem como bombardeios indiscriminados. Bairros inteiros foram destruídos pelo simples fato da maioria de seus moradores serem xiitas e, portanto, potenciais membros do Hezbollah. Há, até o momento, aproximadamente 350 mortos e mais de mil feridos, além de 500 mil refugiados numa população de apenas quatro milhões. O número de vítimas fatais israelenses é dez vezes menor. A Alta Comissária para os Direitos Humanos da ONU, Loise Arbour, classificou os ataques de Israel ao Líbano como crimes de guerra (Leia mais em: New York Times de 20 de julho).

Das cinco estradas que ligam Beirute ao centro do país, quatro estão intransitáveis, 55 pontes foram destruídas, assim como o aeroporto, subestações de energia, um laticínio no Vale do Bekaa, dezenas de depósitos de combustíveis e postos de gasolina. Calcula-se que os prejuízos já somam mais de US$ 4,0 bilhões. (Leia mais).

E não vai parar por aí. A ONU lançou um apelo por um cessar fogo e a presença de forças de paz na região, que não apenas foi solenemente ignorado como criticado pelo governo dos EUA que apóia as incursões israelenses, pois é sua oportunidade de atacar o Hezbollah que o governo Bush incluiu na sua lista de organizações terroristas e se Israel invadir o território libanês, poderá acarretar a reação da Síria. Isto seria muito conveniente, pois este país era também um dos alvos americanos quando Bush decidiu atacar o Iraque, o que não fez na época porque este era muito mais forte que o primeiro. Agora poderá surgir a justificativa para Israel cumprir com esta parte. (Leia mais em: Crisis May Put Syria Back in Political Mix, G8 calls for UN forces in Lebanon, US blocks ceasefire e Blair and Annan lead call for new UN force).

Dificilmente será alcançada uma solução apenas por meio dos atores locais. Pode-se imaginar o sentimento da população palestina, mesmo os mais moderados, diante de anos de agressões e privações, o que se soma à opinião pública de Israel, envenenada por anos de guerra e propaganda. Uma pesquisa realizada em 2003 por um professor chamado Asher Arian mostrou que entre os israelenses:
– 59% aprovavam o abandono dos assentamentos em troca da paz
– 56% aprovavam a separação unilateral
– 50% acreditavam que o objetivo de Arafat era destruir Israel
– 57% apoiavam a transferência da população árabe de Israel
– 64% apoiavam a transferência a transferência da população árabe dos territórios

Este quadro explica porque, para surpresa de muitos, o líder trabalhista Amir Peretz exigiu o cargo de Ministro da Defesa na composição com o Kadima de Olmert, invés de uma função na área econômica ou social mais coerente com a sua campanha eleitoral. Embora haja disposição da maioria da população israelense para negociar um acordo de paz, a maioria também é a favor das iniciativas unilaterais e da separação entre os dois povos. Seu posicionamento neste ministério, mesmo traindo os princípios do movimento sindical, visa alçá-lo a posições mais altas no futuro, mesmo que ao preço da morte e destruição que ora ocorre no Líbano e em Gaza.

A principal chave para a paz encontra-se na comunidade internacional, particularmente com os EUA, pois o seu apoio incondicional às atitudes israelenses estimula o prosseguimento da ocupação do território palestino, a manutenção da intolerância com os grupos que os americanos classificaram de terroristas e a agressão aos países vizinhos.

No entanto, não devemos esperar grandes movimentações do governo Bush em contribuição à paz, pelo menos agora, pois é ano eleitoral nos EUA e ninguém quer problemas com o lobby judaico americano. Tanto é, que a moção no Congresso dos Estados Unidos em apoio aos ataques israelenses no Líbano teve apenas meia dúzia de votos contrários.

Portanto, cresce a responsabilidade dos demais países e da ONU. É preciso criar uma forte pressão internacional e de solidariedade com o Líbano e Palestina para que cessem de imediato as hostilidades.

Para quem quiser acompanhar diariamente os acontecimentos no Líbano indicamos os seguintes sites:
www.dailystar.com.lb (Inglês)
www.naharnet.com (Inglês)
www.lorient-lejour.com.lb (Francês)
www.futuretvnetwork.com/LebanonUnderdestruction/ (Fotos de uma TV local)

Novo governo no Timor Leste

Após a renúncia do Primeiro Ministro do Timor Lorosae (Timor Leste) foi escolhido o ex-chanceler e prêmio Nobel da Paz, José Ramos Horta para sucedê-lo. Ele também acumulará a pasta da defesa.

Por ora, a crise está debelada. Porém, tornará a ocorrer com facilidade se não houver mudanças na política econômica neoliberal introduzida durante o período de tutela da ONU e se o governo australiano não respeitar a soberania do Timor para decidir quanto à política de exploração do abundante petróleo do seu litoral.

É aguardar para ver qual postura a ser adotada por Ramos Horta, conhecido por ser um político moderado neste contexto.

(Leia mais em: New East Timor cabinet unveiled e em: Australia – Peacekeeper or Petroleum Predator?)

OIT e trabalho decente

Este é um conceito novo introduzido na OIT há alguns anos pelo seu Diretor Geral, Juan Somavia. Ele trata o trabalho a partir de uma visão subjetiva e objetiva mais ampla que as visões tradicionais ao incluir o respeito pelas normas fundamentais de trabalho2, remuneração adequada, saúde e segurança no emprego, segurança familiar assegurada pelo trabalho, entre outros.

A avaliação que se busca atualmente de cada país membro da OIT é em relação ao seu déficit de trabalho decente e esta foi a discussão principal da Conferência Regional Latino-Americana da OIT realizada em Brasília no final de junho e que concluiu que o Brasil, por exemplo, teve significativa evolução no combate ao trabalho infantil e escravo.

(Veja maiores informações a respeito do conceito de Trabalho Decente da OIT)

Os impasses na OMC

A reunião do Conselho Geral (CG) da OMC realizada no final de junho, tampouco desatou o nó das negociações comerciais de acordo com o mandato aprovado em Doha em 2001 e as orientações emanadas da VI Conferência de Ministros da OMC realizada em Hong-Kong no final de 2005.

Os países em vias de desenvolvimento querem a redução substantiva dos subsídios domésticos e dos subsídios à exportação dos produtos agrícolas dos países desenvolvidos. Estes por sua vez, não querem reduzi-los e pressionam os países em desenvolvimento para abrir seus setores de serviços e reduzir suas tarifas de bens não agrícolas de forma significativa.

Na falta de um acordo no CG, este delegou ao Diretor Geral, Paschoal Lamy, a tarefa de tentar construir uma proposta consensual e que tentasse limitar os subsídios domésticos americanos a algo inferior a US$ 20 bilhões ao ano, ao mesmo tempo em que teria que convencer o G-20 a aceitar uma redução de tarifas de produtos não agrícolas de acordo com a chamada “Fórmula Suiça” de Coeficiente 20 e que no caso do Brasil implicaria na redução concreta de quase 60% das suas tarifas o que colocaria vários setores industriais em risco, assim como seus empregos.

Lamy levou este debate para a reunião do G-8 em São Petersburgo e este propôs a retomada das reuniões da OMC em Genebra, mesmo que por intermédio deste grupo menor de países, com o intuito de tentar alcançar um acordo até 15 de agosto, no entanto esta reunião também fracassou e as negociações foram suspensas sine die.

(Leia mais em: Suma un nuevo fracaso la OMC, U.S. joins fray at WTO talks e em: World Trade Organization Has Not Kept Promise To Poor Nations)

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