Edição nº 59 – julho de 2006: A força do PT nas eleições de 2006
Ao contrário do que vêm afirmando prognósticos à direita e à esquerda, não está claramente definida a hipótese de que o PT diminuirá a sua votação em 2006. Há várias razões que parecem, no mínimo, neutralizar a segurança deste diagnóstico.
Ao contrário do que vêm afirmando prognósticos à direita e à esquerda, não está claramente definida a hipótese de que o PT diminuirá a sua votação em 2006. Há várias razões que parecem, no mínimo, neutralizar a segurança deste diagnóstico. Com o título “Morre o petismo, nasce o lulismo”, a edição de 28 de junho da revista Veja pretende reorganizar o seu campo analítico-normativo. A revista que protagonizou a liderança da frustrada campanha liberal-conservadora pelo impeachment de Lula rende-se agora à evidência do enraizamento da liderança popular do presidente brasileiro. Mas quer estigmatizá-la com a imagem do líder caudilhesco ou populista que cresce com o naufrágio de seu partido.
O texto da matéria espalhafatosa não sustenta, porém, o título. Lá se diz, baseando-se em prognósticos do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) e da consultoria Arko Advice, que o PT dificilmente passará dos 75 deputados na Câmara dos Deputados, ao contrário dos 91 eleitos em 2006. Um recuo de menos de 20% na bancada federal não significaria uma morte do petismo. Mas mesmo estes prognósticos não parecem seguros.
O interessante ensaio de Gustavo Venturi, editado na revista Teoria e Debate n° 61 e baseado em pesquisa do Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo, avalia que em maio deste ano o PT continua sendo, de longe, o partido mais preferido entre os eleitores brasileiros que demonstram alguma preferência partidária. O índice de simpatia pelo PT é próximo dos 26%, registrado às vésperas da eleição de Lula em outubro de 2002. Em torno de 33 a 35 milhões de brasileiros demonstram hoje simpatia pelo PT, em um país onde 50% a 60% da população não demonstram qualquer preferência partidária!
Teria havido, segundo Venturi, mudanças na imagem do PT. Cresceu de 4% a 27% o porcentual dos brasileiros que avaliam o partido como o que tem mais políticos corruptos, refletindo a exacerbação do diagnóstico como fruto da mais sistemática e violenta campanha difamatória já orquestrada contra um partido da esquerda na história brasileira. Caiu de 25% para 20% o número dos que julgam o PT diferente de todos os outros. Mas cresceu de 24% para 34% aqueles que avaliam o PT como o partido mais aberto à população e de 21% para 29% os que o apontam como o que mais defende a justiça social. Cerca de 40% consideram o PT como o partido que mais defende os pobres.
Como sustentar, então, como faz Veja e tantos outros intelectuais engajados no combate ao PT quase diariamente na mídia, que a liderança de Lula é “populista” porque não se baseia na mediação de partidos ? Na verdade, mais da metade dos votos conferidos a Lula nas simulações dirige-se também à simpatia pelo PT. No Nordeste, onde a votação de Lula é maior, é onde hoje também o PT encontra a sua maior simpatia (cerca de 31%) e o mesmo fenômeno, de sentido inverso, ocorre na região Sul. Se Alckmin tem na última pesquisa Datafolha divulgada cerca de 29% das intenções de voto no primeiro turno, apenas 7% dos eleitores manifestam preferência pelo PSDB. Mas não parece ser o caso de afirmar que Alckmin é um “populista de direita” e sim dirigir a análise para a histórica e congênita debilidade de raiz dos partidos conservadores e liberais no Brasil.
Em um país onde a representação na Câmara dos Deputados não obedece a um critério estrito de proporcionalidade, havendo sistemática superestimação da representação para estados menos populosos, tem peso para a performance eleitoral dos partido o grau de sua nacionalização e de penetração nas cidades médias e pólos, que exercem liderança econômica em regiões. Nestes dois critérios, o PT é hoje seguramente mais forte do que era em 2002, tendo expandido em 37% a sua votação nas eleições municipais de 2004, além de ter mais que dobrado o número de prefeituras conquistadas, com grande expansão no Norte e no Nordeste . Os partidos liberais e conservadores não têm, como em 2002, o acesso à máquina do governo federal que, em suas mãos, se traduziu historicamente em forte poder de irradiação e clientelismo.
Evolução histórica
Talvez o estudo monográfico mais denso e instigante sobre a evolução do desempenho eleitoral dos partidos brasileiros desde a redemocratização do país seja aquele elaborado pela cientista política Helcimara de Souza Telles e apresentado ao programa de doutorado em processos políticos contemporâneos da Universidade de Salamanca, na Espanha.
O estudo chega a quatro importantes conclusões. A primeira é que há desde 1982 até 2002 um contínuo avanço dos votos dados aos partidos de esquerda (em um sentido amplo) ao mesmo tempo que se nota uma oscilação dos partidos de centro e um recuo não linear dos votos dos partidos de direita. Neste sentido ampliado, a autora define como esquerda PT, PDT, PSB, PC do B, PCB, PPS/PCB, PV e PSTU. Como centro, PMDB, PSDB, PP, PL, PTR, PST. E como direita PDS-PFL, PPR, PTB, PPB, PRN, PRONA, PDC e PSD. Assim, os índices de votação da esquerda para a Câmara dos Deputados são de 9,3% em 1982, 15,7% em 1986, 24% em 1990, 24,4% em 1994, 25,7% em 1998 e 35,8% em 2002. Para a direita, os índices respectivos são: 47,6%; 31,3%, 38,7%, 29,5%, 36,1%, 28,5%. Para o centro : 43%, 51%, 34,3%, 44,6%, 35,5% e 32,6%.
Em geral a desproporcionalidade na representação da Câmara dos Deputados operou em favor da direita e contra a esquerda. Mas importante: à medida em que a esquerda cresce e se nacionaliza, esta distorção na representação diminui. Se 1,0 indica uma representação perfeita, a esquerda tem o seu índice de distorção da representação variando de 0,70 em 1982 a 0,90 em 2002.
Uma terceira conclusão importante da autora é de que o crescimento do PT não se deu em detrimento de outras representações de esquerda, como o PSB e o PDT. Não haveria, como se diz com muita freqüência, um patamar fixado de votos ideológicos à esquerda que se repartiria por uma competição endógena entre suas vertentes. Mas há uma expansão de conjunto do patamar de votos da esquerda, em um sentido amplo, em relação ao centro e à direita.
Por fim, em uma arguta comparação histórica, a autora diferencia o padrão de crescimento eleitoral do PT, não restrito às áreas mais urbanizadas e industrializadas, da experiência histórica da elevação de votos do PTB no período 1945-1964.
Inversão ou reiteração?
Enfim, deste ponto de vista histórico trata-se de saber se as eleições de 2006 confirmarão a tendência de crescimento da esquerda, em um sentido amplo. O que este ensaio pretendeu argumentar é que não há evidências suficientes para se asseverar a inversão desta tendência histórica.
No campo das eleições presidenciais, o mês de junho terminou com uma certa ascensão de Alckmin e com um crescimento na margem ou pequeno recuo de Lula. Na pesquisa Datafolha, Alckmin cresceu sete pontos, de 22% para 29% e na Vox Populi, de 23% para 32%. Lula, respectivamente, teria subido na margem de 45% a 46% ou caído de 49% a 45%. Nas duas pesquisas, Lula continuaria vencendo no primeiro turno. Em uma sondagem de segundo turno, a diferença em favor de Lula estaria em 11% no Datafolha e em 8% no Vox Populi.
Na interpretação destes deslocamentos no mês de junho, os analistas identificaram a concentração dos programas eleitorais do PFL e do PSDB e a saída na sondagem estimulada de dois candidatos, Enéas antes com 4% e Roberto Freire com 2%. Na análise do presidente do PT, Ricardo Berzoini, os novos posicionamentos na disputa evidenciaram uma situação mais realista do favoritismo de Lula em uma eleição que não tem ainda um resultado definido.
O fato é que se a dinâmica no mês de junho favoreceu a ascensão de Alckmin, ela não sinalizou um recuo de Lula, o qual teria crescido no voto espontâneo de 31% para 35%, segundo o Datafolha. Se a escolha espontânea do eleitor em relação à escolha estimulada, é um importante medidor do grau de fixação do voto, esta fixação é hoje bem maior em Lula do que em Alckmin que tem apenas 50% da sua votação estimulada na escolha espontânea.
No que diz respeito à estrutura de votação, as últimas pesquisas retomam com nitidez as polarizações que vêm sendo analisadas no Periscópio desde o início do ano. No plano social, as pirâmides invertidas: Lula vence com folga em eleitores com até 2 salários-mínimos, perde com ligeira margem entre 5 a 10 salários mínimos e com alguma margem entre 10 e 20 salários-mínimos. No plano da instrução, um fenômeno semelhante: Lula vence com larga margem entre os com escolaridade fundamental, equilibra nos eleitores com ensino médio e perde com uma margem alta entre os eleitores com educação superior. No plano geográfico, vitória muito larga de Lula no Nordeste, equilíbrio no Sudeste e tendência de derrota na região Sul. Entre as mulheres, refletindo já uma tendência histórica que não foi invertida, Lula tem 11% a menos do que nos homens, segundo o Datafolha.
Está evidente que o grande desafio da candidatura Lula é consolidar a sua inserção nos setores populares e disputar o avanço de Alckmin nas classes médias, entendidas em um sentido amplo. É provável que, em alguma medida, a diferenciação regional do voto em Lula, com extremos no Nordeste e Sul, reflitam, embora não exclusivamente, este desafio.