Enquanto reforma ameaça direito a aposentadoria, um rentista, sem trabalhar, tem 14,5% crescimento do seu capital ao ano

Por: Luis Vitagliano, professor universitário e cientista político

Em 15 de março de 2017, começou uma ampla mobilização nacional que provavelmente vai se ampliar. Para uma parte da população, isso não foi surpresa. Nas redes sociais já circulava a informação de greve geral que inevitavelmente atingiria o sistema de transportes. Assim, o trabalhador, principalmente aquele que não tem respaldo sindical, poderia justificar sua ausência devido à dificuldade de se deslocar ao trabalho. Portanto, esse é ponto nevrálgico de qualquer greve geral. Além de motoristas, cobradores e metroviários, outras categorias, como professores da rede pública estadual e municipal, servidores públicos, metalúrgicos, químicos, bancários, eletricitários e portuários conseguiram fazer assembleias e aprovar a paralisação.

Com todas as tecnologias de informação, os trabalhadores estavam bem informados sobre os motivos da paralisação e certamente a absoluta maioria concordava com eles: contra a reforma da Previdência – que determina 49 anos de contribuição e idade mínima de 65 anos para aposentadoria -,  a reforma trabalhista e a proposta de retorno da terceirização como método de contratação.
Em São Paulo, onde a greve teve sua maior adesão, o caos que se esperava nas portas dos terminais de transporte não ocorreu. Parte importante da população aderiu à paralisação e conseguiu justificar a dificuldade de chegar ao trabalho.

Sobre isso, dois motivos se destacam nesse primeiro grande ato contra as reformas que confrontam os direitos trabalhistas: primeiro, o governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin acionou sua assessoria jurídica para entrar com uma liminar contra a greve e conseguiu na Justiça determinar a ilegalidade da paralisação do sistema de transporte; segundo, a grande imprensa entrevistou muitos trabalhadores, expondo aqueles que reivindicavam o direito de ir ao trabalho.

Sobre isso, chama a atenção como o capital (principal atingido pela paralisação) trabalha com seus tentáculos no Estado e na sociedade civil para inviabilizar o direito de manifestação dos trabalhadores e trabalhadoras, além de cercear a liberdade de manifestação.

Em primeiro lugar, ao entrar com um pedido de liminar para punir os sindicatos dos transportes, o governador Geraldo Alckmin mostra a quem serve: quer garantir a chegada dos trabalhadores e ter um discurso para condenar a greve com o intuito de obrigá-los a furar a paralisação. Em segundo lugar, temos a Justiça, que condenou os sindicatos à multa caso não garantissem os serviços de transporte. Mas, ao conceder uma liminar ao governo e multar diariamente os sindicatos pelas paralisações, a Justiça não reconhece o direito do trabalhador de protestar.

Além da defesa de aparelhos do Estado, o capital ainda conta com a defesa da grande mídia para combater a organização do trabalhador. Portanto, a cobertura midiática (principalmente televisiva) destacava, além da proibição judicial, os contratempos causados pela greve. Na tevê, as entrevistas com a população mostravam quem não conseguiam chegar ao trabalho, criando uma narrativa segundo a qual o direito a trabalhar estava sendo bloqueado pelos sindicatos. Ou seja, invertia completamente a pauta ao dizer que os sindicatos estavam prejudicando o trabalhador. E esse é o grande risco, porque tenta colocar a maioria da população contra aqueles que se propõem a defender seus direitos.

São os trabalhadores os mais prejudicados pela greve? Mesmo aqueles que querem, ao serem impedidos de se deslocarem, têm seus direitos cerceados? É preciso ter pelo menos dois argumentos na ponta da língua para responder a essas provocações. Primeiro, que ao fechar os transportes, bloquear as entradas e parar as estradas, os sindicatos permitem que os trabalhadores justifiquem sua ausência individual e seus atrasos. Muitos são trabalhadores de pequenas empresas e os chefes não perdoariam a ausência. Esses trabalhadores seriam punidos se por conta própria resolvessem encarar o enfrentamento direto ao patrão e, ao encontrarem respaldo no sistema de transportes, pode amenizar seu ato de enfrentamento. Mas, o risco é que alguns desses trabalhadores achem mesmo que devem chegar ao trabalho de qualquer maneira, e existem casos em que até mesmo táxi o trabalhador procura para chegar ao trabalho, às vezes custando mais cara a corrida que o dia de trabalho. Mesmo nesses casos de sacrifício, é importante perceber que essa paralisação é fundamental por um segundo motivo: nenhum prejuízo imediato se equivale ao prejuízo futuro se as reformas da Previdência e trabalhista avançarem no Congresso.

Os sindicatos estão na defesa direta dos direitos dos trabalhadores. Lutar contra essas reformas é fundamental e cabe a essas organizações assumirem esse papel de defesa dos direitos. É um fato quase que inexorável para este momento. De outro lado, quando a agenda capital supõe que o principal problema fiscal do Brasil seja a Previdência Social, isso só se justifica com um marketing da pós-verdade: mesmo nos cálculos mais conservadores (e questionáveis), onde se consegue uma contabilidade criativa que identifica déficit na Previdência, esses déficits criados pelos economistas neoclássicos equivalem à metade dos custos da rolagem da dívida. Ou seja: o governo gasta o dobro com rentismo dos grandes bancos e do grande capital em relação ao serviço social da Previdência pública. Enquanto metade da população brasileira tem uma aposentadoria próxima ao salario mínimo, um rentista, sem trabalhar, tem 14,5% crescimento do seu capital ao ano, sem custos. Para a grande mídia, o rentismo, que favorece 0,5% da população rica e gasta 8% do PIB, não é um problema, mas 4% do PIB para 30% da população é digno de uma reforma que, se aprovada, deve comprometer o direito a aposentadoria.

Se neste caso alguém me explicar porque o Brasil tem um dos maiores juros do mundo, talvez eu consiga entender por que os problemas fiscais poderiam ser polêmicos. Até lá, é muito simples: são gastos para o serviço da dívida 8% do orçamento público para manter esse absurdo, o que é escondido pelos ricos. Para isso é preciso convencer a população de que o trabalhador é culpado por viver muito e contribuir pouco. Enquanto uns vivem sem trabalhar, outros trabalham para viver e agora devem pagar pelo tempo de vida extra conquistado.

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