Livro de Bernardo Kucinski discute crise ética do jornalismo na era virtual
O livro é uma reunião de ensaios escritos pelo autor em diferentes épocas, desde 1998 até 2004, sobre temas que envolvem sobretudo o jornalismo.
Por Taís Bahov e Rafael Sampaio / USP Online
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O fim do jornalismo como vocação, a necessidade de se criar uma nova ética para a prática jornalística, as revoluções no modo de produção determinadas pela internet e a construção do discurso das mídias voltado para a manutenção do neoliberalismo são apenas alguns dos temas abordados pelo professor Bernardo Kucinski no livro Jornalismo na era virtual – ensaios sobre o colapso da razão ética, lançado recentemente pela Editora Unesp e pela Editora Fundação Perseu Abramo.
O livro é uma reunião de ensaios escritos pelo autor em diferentes épocas, desde 1998 até 2004, sobre temas que envolvem sobretudo o jornalismo. Organizados em três grandes temáticas – a ética, a práxis e o discurso – os ensaios apresentam reflexões do autor a respeito do fazer jornalístico e de como ele está organizado nesta nova era.
Uma das principais idéias defendidas por Kucinski logo no primeiro e mais instigante ensaio, trata-se do que ele chama de colapso da ética nos tempos modernos e decadência do “jornalismo por vocação”. O professor acredita que no mundo atual tudo é permitido e não existe mais a possibilidade de criação de uma conduta ética dominante. Como parte deste mundo, os jornalistas também não teriam códigos éticos bem definidos e estariam propensos a acreditar que tudo podem, recusando qualquer tipo de regulamentação da profissão.
Ainda como conseqüência da sociedade moderna e neoliberal, Kucinski acredita que houve um esvaziamento do sentido inicial do jornalismo e as pessoas que se interessam por esta área, hoje em dia, o fazem pela necessidade de escolher uma profissão, e não mais pela vocação. Para o professor, esta nova forma de organização torna os profissionais cada vez mais maravilhados pelo poder e propensos a desvios de conduta e à corrupção.
Nesta entrevista ao USP Online, Kucinski fala sobre a revolução causada pela internet, as faculdades de jornalismo e da manipulação do discurso midiático a serviço do status quo.
Entrevista
USP Online: O que o senhor acha da “ética do carpinteiro”, que Cláudio Abramo formulou?
Bernardo Kucinski: A ética que Abramo propõe é uma ética humana, do senso comum. É a do indivíduo honesto e com caráter. Para ele, o jornalista deve ser um homem íntegro e que trabalha a verdade. Como um carpinteiro que faz uma mesa e não pode usar o material ruim (que é a mentira). Mas para tal é preciso que haja uma ética dominante a seguir, mas em um mundo onde reina a multiplicidade, não existe mais uma só ética.
De que forma a “multiplicidade” ameaça existência da ética?
Bernardo: A verdade de um indivíduo não é a de outro, e isso ameaça o senso comum e a construção da ética. Defendo que haja para o jornalismo um código de ética, como o de muitas profissões. Para os médicos, os advogados e muitos outros há. Precisamos ter um código de conduta.
O senhor fala que antes o jornalismo era feito por vocação. Hoje, ele é por profissão. O que mudou? O jornalismo deixou de ser feito por vocação?
Bernardo: Veja bem, eu não quero idealizar a profissão. Sempre houve a “malandragem”, a categoria no Brasil é desvalorizada. Hoje há uma multiplicidade no fazer jornalístico, de assessoria de imprensa até televisão, rádio. O jornalismo antigamente era uma opção de quem gostava muito de escrever, ler e sentia necessidade de comunicar aos outros suas opiniões, críticas e posições políticas. Hoje dá para dizer que o jornalismo tornou-se um “ganha-pão”. Há centenas de faculdades que dão o curso, e tecnologicamente mais de 600 jornalistas são formados por ano, mas nem todos têm a formação política, filosófica, que seria necessária para um jornalista.
Ainda assim, não ficou claro o que prevalece hoje. A vocação ou a profissão?
Bernardo: Ainda há quem trabalhe por vocação, mas há essa crise. Veja o Newton Rodrigues [ex-repórter do Voz Operária, Correio da Manhã, Estado de São Paulo e Jornal do Brasil ], um grande jornalista que faleceu recentemente. Onde foi publicada alguma notícia sobre sua morte? Em lugar algum!
Essa desvalorização acontece porque o jornalista geralmente vem de uma classe mais baixa, mas deixa-se seduzir pelo poder. Diferente da Inglaterra, onde a profissão é muito valorizada, ou dos EUA, onde há uma cobrança com relação ao caráter do profissional. No Brasil as elites cooptam o jornalista e muitas vezes elas são corruptas.
O senhor acha que é possível regulamentar o jornalismo? E o diploma?
Bernardo: Não sou contra as faculdades de jornalismo, sou contra a obrigatoriedade do diploma. Algum jornalista por vocação pode deixar de sê-lo por não ser formado [risos]. Quanto à regulamentação, ela só não aconteceu porque algumas empresas midiáticas agiram de má-fé. Eles é que foram autoritários ao comprar a opinião pública com a idéia de que o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) agirá como um órgão de censura e impedindo sequer a discussão sobre o Conselho. Tenho minhas dúvidas quanto ao CFJ. Não acho que o controle da profissão deva estar nas mãos da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
Mas a mídia é um poder em ascensão, e seus “donos” redescobriram o poder que têm. Hoje toda a comunicação se perpassa. Internet, TV, rádio, jornal… os meios de comunicação têm uma força que não tinham nos anos de 1990, por isso a proposta surgiu só agora. O jornalismo e o entretenimento (mais esse do que o outro) têm sido o grande combustível do crescimento da comunicação.
Serviço
Jornalismo na era virtual – ensaios sobre o colapso da razão ética, autoria de Bernardo Kucinski.
Editora Fundação Perseu Abramo/Editora da Unesp
144 páginas, R$ 25,00.