O acompanhamento do orçamento em valores reais dá maior transparência à administração e melhora as condições para se discutirem as prioridades municipais.O acompanhamento do orçamento em valores reais dá maior transparência à administração e melhora as condições para se discutirem as prioridades municipais.

Autor: José Carlos Vaz

Consultor: Sérgio L. Cerqueira Silva

O acompanhamento do orçamento em valores reais dá maior transparência à administração e melhora as condições para se discutirem as prioridades municipais.O acompanhamento do orçamento em valores reais dá maior transparência à administração e melhora as condições para se discutirem as prioridades municipais.

Autor: José Carlos Vaz

Consultor: Sérgio L. Cerqueira Silva

Os Orçamentos públicos no Brasil, em função dos altos índices de inflação, foram quase sempre encarados como "ficção", dada a dificuldade em elaborar estimativas de receita e despesa em valores correntes e prever uma taxa de inflação para o ano seguinte. Mesmo o recurso da indexação do Orçamento mostrou-se falho, à medida que a receita sofria uma influência extremamente negativa das taxas de inflação e os índices de inflação não se mostravam suficientes para indexar todos os tipos de despesas. Na prática, a Lei Orçamentária Anual não tinha muito valor enquanto instrumento de planejamento e de ação governamental, pois o administrador era obrigado a administrar o seu caixa e suplementar verbas, com ou sem autorização legislativa, quase que mensalmente.

Com a queda das taxas de inflação volta a ser viável elaborar o Orçamento em bases reais. E esta é uma grande oportunidade para que ele seja utilizado, de fato, como instrumento de programação das ações de governo, a partir de um processo de planejamento.

O QUE FAZER ?

Para que a prefeitura possa acompanhar a execução orçamentária em valores reais e utilizar o orçamento como instrumento de planejamento, é preciso constituir um sistema de acompanhamento orçamentário que disponha de um banco de dados com as receitas e despesas da Prefeitura atualizadas em valores reais. A atualização das receitas e despesas permite que se apurem exatamente estes fluxos, distinguindo-se da contabilidade legal em valores nominais.

As informações econômico-orçamentárias devem ser discriminadas por fonte de receita e item de gasto, e apresentadas na forma de gráficos e quadros-resumos comparativos, cuja abrangência é determinada segundo o interesse do Administrador.

As saídas do sistema devem permitir dois tipos de análise: uma conjuntural, com o acompanhamento mensal, e outra mais estrutural apresentando o valor acumulado anual em comparação com os anos anteriores. Esta última apresenta um perfil do gasto público municipal e das prioridades das últimas administrações.

A possibilidade de comparação dos dados orçamentários é conseguida através da atualização dos valores arrecadados ou gastos pela Prefeitura nos anos anteriores, por algum índice de inflação (em geral, usa-se o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna – IGP-DI – da Fundação Getúlio Vargas, por ser o indicador de preços mais abrangente e seu período de coleta coincidir com o mês-fiscal).

Apesar da atualização poder ser feita em termos anuais, o ideal é o deflacionamento mês-a-mês, pois permite a comparação com a execução do orçamento no mesmo mês do ano anterior. Isso é de grande valia especialmente no caso das receitas: mais do que as despesas, as receitas são sujeitas a um fenômeno chamado "sazonalidade", que significa que elas têm um comportamento parecido em determinados períodos todos os anos. Além disso, as altas taxas de inflação e a grande variação das taxas mensais nos anos passados, introduzem grandes distorções quando essa atualização é feita nos valores anuais. Isso acontece porque o mesmo valor corrente tem, no início do ano, um valor real muito maior que no final do mesmo ano.

COMO FAZER?

O sistema de acompanhamento orçamentário baseia-se na manutenção de um banco de dados das principais receitas e despesas da Prefeitura em valores correntes e atualizado em valores reais para efeito de comparação com o realizado anual e mensalmente. É recomendável compor o banco de dados com informações a partir de 1989, que coincide com o início de vigência das alterações fiscais decorrentes da Constituição de 1988 e com o mandato dos antigos prefeitos. Dessa forma pode-se comparar os gastos realizados pela atual administração com os da gestão anterior e também os efeitos do aumento nos índices de transferências estaduais e federais para o município.

Devem constar quadros comparando os principais itens de receita com o arrecadado no mês anterior e nos mesmos meses de anos anteriores. Ainda em relação às receitas, pode-se produzir gráficos comparando os valores mensais com as médias da arrecadação dos últimos 12 meses, o que atenua os efeitos da sazonalidade e podem servir para vislumbrar a tendência para o ano.

Do lado do gasto, a comparação com os meses anteriores é mais importante, porque as principais despesas correntes – pessoal, encargos e outras despesas de custeio – têm uma tendência a manter-se no mesmo patamar e crescer ou cair gradativamente. A apresentação deve ser feita também em valores reais, discriminados segundo as classificações da Lei 4.320.

Do ponto de vista administrativo, os quadros mais importantes são os que discriminam os gastos segundo a natureza da despesa – pessoal, material de consumo, obras, etc. -, mas do ponto de vista político é importante também a apresentação das despesas por funções e principais programas, pois revelam o destino do dinheiro público e comparam as prioridades da atual administração com as anteriores e as dificuldades para o remanejamento de verbas.

O formato desses quadros deve incluir alguns itens fixos- os mais importantes da receita (IPTU, ISS, Taxas, Receita Financeira, Transferências de ICMS e do FPM, SUS) e da despesa (pessoal, encargos trabalhistas, material de consumo, obras e instalações, material permanente, etc.), agrupando os restantes em uma classificação genérica como "outras receitas" e "outras despesas". A soma dos principais itens deve significar cerca de 80%.

Para manter a possibilidade de comparações, o formato deve ser fixo. No caso de um gasto excepcionalmente alto é conveniente apresentar a razão em nota explicativa. Por exemplo, se a despesa com material permanente cresce 70% em um mês porque foram comprados caminhões, é bom que isso seja citado para esclarecer.

Do acompanhamento mensal devem constar sempre pequenas análises sobre o comportamento financeiro da Prefeitura para orientar os cidadãos leigos em economia e finanças.

Na relação com o Legislativo, o acompanhamento pode servir de base para discussões em torno das políticas municipais específicas para educação, saúde, transportes e, principalmente, para discussões do crescimento da receita própria. A comparação em termos reais pode demonstrar que as receitas próprias – IPTU, ISS, Taxas – vêm caindo e é preciso elevar alíquotas, ou reformar a planta de valores, ou ainda que as taxas não vêm, de fato, cobrindo os custos dos serviços.

Para o secretário de finanças é uma oportunidade também para divulgar o trabalho de sua secretaria, normalmente obscurecido pelas rotinas burocráticas de liberação de verbas, pagamentos, aplicações financeiras, etc.

O formato ideal desse acompanhamento é um boletim a ser distribuído, no mínimo, para os secretários e o prefeito. No entanto, quanto maior for a distribuição, maior será a prova de transparência nos gastos. Também é possível divulgá-lo na Internet.

O boletim de acompanhamento do orçamento tem uma abrangência variada: além de alguns quadros que são obrigatórios pela sua importância, pode trazer ainda outras informações úteis, não necessariamente orçamentárias, mas cujo interesse pode ser geral para a administração.

Além dos quadros, pode-se sofisticar a análise apresentando gráficos ilustrativos de cada tabela. Pode-se ainda, extrapolando a análise estritamente econômica, apresentar indicadores de desempenho da administração municipal.

RESULTADOS

a) Gestão Financeira

Do ponto de vista da gestão financeira dos recursos do tesouro municipal, o acompanhamento em valores reais permite que o governo municipal disponha de informações precisas sobre o comportamento dos recursos à sua disposição.

Com o acompanhamento em valores reais, é possível comparar os gastos atuais da prefeitura com os realizados em anos ou meses anteriores e, a partir disso, detectar variações exageradas em algum item.

A avaliação dos gastos por valores reais serve para o administrador verificar as dificuldades, no dia-a-dia, para a realização das prioridades estabelecidas no orçamento em função da estreiteza de recursos frente às necessidades reais da Prefeitura e do próprio dinamismo de uma administração.

Ao mesmo tempo, o acompanhamento das receitas permite verificar as tendências para os meses seguintes e possibilita a tomada de medidas para incremento da arrecadação com base em dados efetivos. Pode, por exemplo, servir para detectar falhas na fiscalização ou mudanças no perfil econômico do município.

b) Qualidade das informações

Ao mesmo tempo, o ganho na qualidade da informação representa uma melhora nas condições para as discussões políticas internas e externas à prefeitura e para a gestão das prioridades municipais. A melhora na qualidade da informação confere ao prefeito e ao secretário de finanças ou planejamento argumentos muito mais seguros na discussão do Orçamento na Câmara Municipal.

c) Transparência da Gestão

O acompanhamento dos valores reais do Orçamento aumenta o grau de transparência das contas, pois a Administração apresenta à opinião pública valores que podem ser comparados entre si, ao contrário dos fluxos nominais de receita e despesa. A diferença não é desprezível. Com isso, aumenta o poder de entidades e movimentos da sociedade civil local na fiscalização do governo.

O comprometimento público com um Orçamento realista é uma medida audaciosa, pois posiciona a Administração frente a uma situação definitiva. Ao mesmo tempo, porém, deixa claro que a Prefeitura tem políticas claras e assume os riscos de assumi-las publicamente.


* Publicado originalmente como DICAS n.º 40 em 1995.
Dicas é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Atualmente, seu acervo está publicado no site do Instituto Pólis.