Todo mundo paga imposto. Com esse dinheiro, as prefeituras fazem obras e prestam diversos serviços à população da cidade. Mas quem decide onde e como vai ser aplicado o dinheiro dos impostos?

Autor: Marco Antônio de Almeida
Consultora: Renata Villas-Bôas

Há cada vez mais experiências participativas nas administrações municipais. A população pode interferir na definição de prioridades e no aproveitamento dos recursos públicos através de iniciativas como a do Orçamento Participativo. Os cidadãos participam do processo através de organizações sociais ou individualmente. Com o Orçamento Participativo, a prefeitura estabelece limites e critérios para compartilhar o poder de decisão com os moradores das diversas regiões da cidade.

O QUE É O ORÇAMENTO

O orçamento possui um caráter público não só por ser uma lei, mas também por ser elaborado e aprovado num espaço público, através de discussões e emendas feitas pelos vereadores nas sessões da Câmara. A Constituição de 1988 define três instrumentos integrados para a elaboração do orçamento, que visam o planejamento das ações do poder público. São eles:

1-) Plano Plurianual (PPA): prevê as despesas com programas, obras e serviços decorrentes, que durem mais de um ano. No primeiro ano de governo, o prefeito deve propor diretrizes, metas e objetivos que, após aprovação, terão vigência nos próximos três anos de sua gestão e no primeiro ano da gestão seguinte. É do PPA que saem as metas para cada ano de gestão.

2-) Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO): a partir do PPA, define as metas e prioridades para o ano seguinte. A LDO define também as regras sobre mudanças nas leis de impostos, finanças e pessoal, além de estabelecer orientações de como elaborar o orçamento anual.

3-) Lei Orçamentária Anual (LOA): consiste no orçamento propriamente dito. Contém os programas, projetos e atividades que contemplam as metas e prioridades estabelecidas na LDO, juntamente com os recursos necessários para o seu cumprimento. Dessa forma, define as fontes de receita e autoriza as despesas públicas, expressas em valores, detalhando-as por órgão de governo e por função. Muitas vezes a LOA autoriza a abertura de créditos suplementares ou a realização de empréstimos pelo prefeito, sem prévia autorização da Câmara.

Essas etapas de elaboração do orçamento, embora previstas na Constituição, inclusive com prazos, nem sempre são cumpridas pelos municípios. A participação da população pode se dar nas três etapas. A elaboração da LOA, entretanto, é a etapa que tem demonstrado a mais adequada para se iniciar a participação da população no processo de elaboração do orçamento.

IMPLANTAÇÃO

A primeira etapa de elaboração do orçamento participativo possui de caráter interno, de negociação entre as diversas secretarias, particularmente as de Políticas Sociais e de Planejamento. É necessário equacionar o potencial de arrecadação e gasto do município. Feito isto, o governo municipal precisa definir quais são seus objetivos de curto, médio e longo prazos, para apresentar propostas à população.

A seguir, devem ser elaboradas as bases do processo de participação. Cada município irá desenvolver uma metodologia apropriada à sua situação, procurando contemplar:

a-) a descentralização das discussões com a população, através da divisão do município em regiões;

b-) a elaboração de critérios de atendimento das demandas regionais;

c-) a elaboração dos critérios de participação da população;

d-) a definição das instâncias de participação e suas competências específicas (reuniões, plenárias, Conselhos, etc.).

Como os recursos são escassos, há um momento de intensa negociação dos diversos interesses a serem atendidos. Um bom instrumento para melhorar a qualidade deste diálogo é a promoção de visitas inter-regionais para que os representantes eleitos pela população ampliando o grau de conhecimento de cada um sobre a sua região e a relação dela com a cidade como um todo, gerando co-responsabilidade na decisão das destinações dos recursos disponíveis.

Ainda no que diz respeito à elaboração do orçamento, é necessário estabelecer e afinar a articulação entre as instâncias de participação popular e as decisões do governo, e entre o processo do orçamento participativo e o Legislativo municipal.

Finalmente, vale lembrar que o processo do orçamento participativo não se encerra com a sua elaboração: é de fundamental importância a criação de mecanismos que possibilitem à população o acompanhamento da execução orçamentária e a fiscalização dos gastos do poder público.

CUIDADOS

O apoio do prefeito e do Secretariado é um fator importante para o sucesso do orçamento participativo. Os dirigentes municipais devem estar fortemente comprometidos com sua proposta, e dispostos a dar sua colaboração no decorrer do processo.

Por outro lado, não basta simplesmente reunir os cidadãos, fornecendo-lhes alguns valores e dados, para se obter resultados com o orçamento participativo: é preciso um método de trabalho bem definido. Pode ser necessário que o governo municipal conte com o apoio de consultores e/ou ONGs para construir esse método em conjunto com a equipe da prefeitura.

No caso da montagem da equipe, é necessário que seus integrantes, além de conhecer o funcionamento da prefeitura, saibam estabelecer boas relações com a população, dominando a metodologia de trabalho do orçamento participativo. É recomendável que se ofereça treinamento específico para os membros desta equipe.

Outro aspecto fundamental para o sucesso do orçamento participativo é o acesso dos cidadãos envolvidos a informações que lhes permitam tomar decisões. A criação de instrumentos próprios de comunicação pode ser útil: boletins, reuniões periódicas, programas de rádio ou de televisão (um bom uso para a TV Pública).

DIFICULDADES

Uma das dificuldades comuns é a falta de conhecimento do orçamento por parte dos delegados ou conselheiros, o que prejudica seus argumentos com os técnicos da prefeitura. Uma maneira de se resolver o problema é proporcionar-lhes um curso de capacitação, de preferência não ministrado pelos técnicos da própria prefeitura, mas por ONGs com capacitação para a tarefa, investindo na formação dos representantes populares, em áreas como: aspectos conceituais e legais do orçamento; processo de formulação do orçamento; responsabilidades da prefeitura; características das políticas setoriais. Um exemplo de ação desse tipo é o de Barra Mansa-RJ (168 mil hab.), que realizou um curso para diversos agentes populares, com apoio do Instituto Pólis.

Outra forma é a própria prefeitura tomar a iniciativa de simplificar a apresentação do orçamento, tornando-o mais transparente. Uma dezena de receitas e cerca de quinze despesas correspondem, normalmente, a 95% dos valores orçamentários. Para facilitar a compreensão, deve-se apresentar estes itens em destaque, agrupando os demais na rubrica "outros". Pode-se aplicar o mesmo princípio para resumir, por exemplo, o plano de obras, evidenciando as principais a serem executadas, sua localização e valor, em uma única folha, agrupando um grande número de obras de pequeno valor em apenas uma rubrica.

Com a escassez de recursos dos municípios, o montante destinado a investimentos é de 10% a, no máximo, 20% do total da receita orçamentária. O restante já está, em geral, comprometido com custeio, manutenção e pagamento de pessoal. Ou seja, a parcela sujeita a interferência da população é ainda muito pequena. Com a discussão centrada na receita e despesa, bem como na definição de obras e serviços, o que acaba ocorrendo é que a participação da população na formulação da globalidade das políticas públicas do município e nas reformas necessárias à democratização do Estado, deixa ainda um pouco a desejar. Cabe às prefeituras empreender ações visando ampliar ao máximo a participação de todos os setores dos municípios.

Vale lembrar que o orçamento participativo não é a única forma de participação popular, e que, portanto, pode e deve se relacionar com outras experiências. Uma ação possível é mobilizar os Conselhos Municipais – da Criança, Tutelar, da Saúde, da Educação, da Assistência Social. Quando os Conselhos funcionam, é importante envolvê-los no processo de decisão e planejamento do orçamento participativo, especialmente no que diz respeito às suas áreas de atuação. Os Conselhos podem, por sua vez, trabalhar de forma integrada com os representantes populares do Orçamento, articulando ações que envolvam interfaces de suas respectivas áreas.

As experiências de orçamento participativo ainda são um pouco limitadas, mas contém avanços inegáveis: possibilitam a elaboração de um diagnóstico mais preciso da realidade do município; delimitam a capacidade de resposta da administração municipal às demandas da população, partilhando responsabilidades; e impulsionam o desdobramento de outras formas de participação na gestão.

EXPERIÊNCIA

Em 1994, na primeira rodada de plenárias, realizada nas 16 regiões em que foi dividida a cidade de Porto Alegre-RS (1.280 mil hab.), a administração prestou contas dos investimentos do ano anterior, apresentou o plano do ano corrente e os critérios para a elaboração do programa de investimentos do próximo ano. Depois, cada região se reuniu para escolher as prioridades temáticas (saneamento, saúde, educação, etc.), apontando e hierarquizando a importância das obras em cada uma. Nesse ano, foram introduzidas também as plenárias setoriais (saúde, educação, habitação, etc.), reunindo o movimento sindical e entidades representativas da sociedade local.

Na segunda rodada de plenárias, a prefeitura recebeu as prioridades das regiões e dos setores, sendo eleitos os delegados e conselheiros do orçamento participativo. Os delegados são o elo de ligação entre os conselheiros e a população, atuando dentro da própria região no acompanhamento e fiscalização dos investimentos ali propostos. O conselho, com a representação das regiões e setores, juntamente com o Gabinete de Planejamento do Governo, discute a proposta orçamentária antes de enviá-la à Câmara Municipal. Aí, é preciso compatibilizar os recursos disponíveis com as prioridades levantadas e as que são apontadas pelas secretarias e órgãos da administração municipal, estudando-se a viabilidade técnica e financeira de implementá-las.

É importante destacar que os recursos para investimento são divididos também a partir de um conjunto de critérios acordados previamente com a população. Esses critérios levam em conta as desigualdades existentes em cada região considerando, progressivamente, a carência de serviços e infra-estrutura; população em área de carência máxima; população total da região e as prioridades escolhidas. A cada um desses elementos são atribuídos notas e pesos na conclusão da peça orçamentária, impedindo que a busca de soluções particulares, os lobbies e as pressões clientelistas se imponham.

Porto Alegre também inovou ao criar, em 1993, a proposta de "Cidade Constituinte", que visava a elaboração de um projeto global de futuro para a cidade, buscando extrair diretrizes e políticas econômicas para o desenvolvimento da cidade nos próximos 50 anos, através de um amplo processo de discussão com a população.


* Publicado originalmente como DICAS nº 92 em 1997

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