Segmentos democráticos voltam os olhos para o Senado Federal nesse agosto de 2016 para acompanhar o julgamento final da presidenta eleita

Senador Cristovam Buarque,

Os sonhos humanos é que justificam as vidas humanas. Por isso, essa matéria invisível como alicerces de orvalho, que sustenta e prefigura os passos com que desenhamos nosso destino, resiste. Resiste como uma luz acesa em cada escolha com que a História nos interpela. E nos cobra depois de cada uma delas.

Os segmentos democráticos da sociedade no Brasil e no mundo voltam os olhos para o Senado Federal nesse agosto de 2016 para acompanhar o julgamento final da presidenta eleita Dilma Rousseff.  Rigorosamente, chegamos a este agosto, quando ocorrerá o desfecho do processo sem que nenhuma instituição da República sustente a acusação inicial: o crime de responsabilidade que teria sido cometido pela  presidenta eleita Dilma Rousseff. A acusação ruiu. Nem a própria assessoria técnica do Senado, nem o Ministério Público Federal lhe deram suporte. Não restou nada de pé. Restou apenas o Relator – aliás acusado de cometer “Pedaladas Fiscais” quando governador de Minas, precisamente o crime que busca imputar à presidenta – esgrimindo um discurso em que já ninguém acredita.  Na verdade, as pessoas já não se lembram do que ela está sendo acusada. Outros preferem não se lembrar.

Se não houve crime de responsabilidade tal como tipificado na Constituição da República, cumpre buscar outras razões. As medidas anunciadas nessa longa interinidade, que se aproxima dos 90 dias e já parece eterna, contribuem por si mesmas para esclarecer: o programa exposto pelo governo interino não é outro senão aquele que foi derrotado em quatro eleições sucessivas. Ora, governo interino não pode sequer ter programa próprio. É interino. É substituto. É provisório. Portanto, está agindo como se interino não fosse. Ou seja, atropela as instâncias de julgamento: o Senado Federal, ao qual pertence V. Exa. e a Suprema Corte. É, dessa forma, um governo usurpador. Se apropria de forma indevida de um poder conferido democraticamente pelo voto à presidenta afastada. No conteúdo e na forma afronta a “Soberania Popular” e as instituições a quem a Constituição atribui a condução do processo. Trata-se, portanto, de um governo golpista.     

Os signatários desta Carta Aberta militaram ao seu lado travando batalhas em torno de bandeiras democráticas – os Programas “Bolsa Escola”, “Saúde em Casa”, “Paz no Trânsito”, “Temporadas Populares” e outros – e seguem acreditando naquele sonho humano que justifica vidas: não há invenção mais imperfeita, nem mais generosa como forma de governo do que a Democracia. No entanto, dessa vez, nos demos conta de sua ausência entre nós.

Nós todos e o senhor sabemos que as elites brasileiras não se distinguem por estimar o que as Constituições ocidentais definiram como “Soberania Popular”. Sabemos também que lançaram mão do Golpe de Estado todas as vezes em que verificaram sinais de emergência dos setores populares escravizados na colônia e no império, saqueados, reduzidos à extrema pobreza, mantidos à margem de qualquer oportunidade de alcançar uma vida digna, ao longo da mal chamada República proclamada no fim do século XIX e nunca efetivamente construída. Neste momento assistimos estarrecidos e indignados um extrato político abjeto que envergonharia os traficantes de escravos do século XIX, em pouco mais de 60 dias à frente de um governo interino assumir uma ofensiva contra a soberania nacional e contra os direitos sociais conquistados a partir da Constituição de 88 para que o Brasil retroceda à barbárie da “Apartação Social” que o Senhor denunciou nos seus livros e ao longo de sua vida pública.

Há certos olhares do passado que se perpetuam na História por que foram capazes de projetar, como desenho, a nação que desejamos e, por isso mesmo, nos ajudam a elucidar o presente: não é ocioso indagar como reagiriam Paulo Freire, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro diante dos rumos tomados pelo Ministério da Educação do governo interino, orientados agora por uma gestão privatista e inspirada pelas reflexões da “Escola sem Partido” defendida por um ilustre educador que até pouco tempo dedicava seu talento pedagógico ao ensino em estúdios de gravação de filmes pornográficos.
 
Como em outros momentos de crise política no Brasil, teremos em agosto aqueles senadores que, inspirados no perfil de Auro de Moura Andrade, buscarão alterar os ponteiros do relógio do Congresso para declarar vago o cargo de Presidente da República. Imaginam eles com esse gesto, alterar os tempos da História. Da memória e do esquecimento. Outros vão preferir a inspiração de Teotônio Vilella no final de sua vida, pouco antes de se desatar o mais impressionante movimento de massas já visto na sociedade brasileira, a campanha das “Diretas Já”: “…não temos outra saída se não uma representação política capaz de reorientar a vida deste país. É quase que algo milagroso, é como se eu tivesse falando de coisas messiânicas, mas é assim mesmo que está vivendo hoje o brasileiro,(…). Se alguém ainda hoje vai para a urna votar, vai, sobretudo, tocado deste sentimento messiânico, da existência de uma mudança que ele não concebe, como não dá para concretizar exatamente, não sabe ainda porque aquele voto vai ter alguma valia. Mas ele vai votar. O brasileiro vai votar. Vai definir a vida deste país…” Romper com esse princípio básico: o voto. Romper com a soberania popular reconquistada a partir de 1988. É disso que vai tratar o Senado Federal ao definir sobre o impedimento, sem prova de crime de responsabilidade, da Presidente eleita com 54 milhões de votos, Dilma Rousseff, no julgamento de agosto. A História nos dirá, quais serão as consequências.     

Senador Cristovam Buarque,

Com seu voto no julgamento final do Senado da República sobre se há ou não consistência nas acusações que se oferecem contra Dilma Rousseff, o Senhor trilhará o caminho da cinza, da abjeção e, por fim, do esquecimento que dissolveram a figura de Auro de Moura Andrade ou, ao contrário, reforçará a luz que a coragem de Teotônio Vilela acendeu no declínio da mais feroz tirania que vivemos na História do nosso país. Senador, a História o interpela com os olhos dos cidadãos que o elegeram. O escudo do cinismo é peneira fina. Não será suficiente para protegê-lo.

Assinam:

1. Antônio Ibañez Ruiz – É Professor do Departamento de Engenharia Mecânica da UNB, ex-reitor da Universidade de Brasília e foi secretário de Educação do governador Cristovam Buarque;
2. Arlete Avelar Sampaio – médica, foi vice-governadora do Distrito Federal no governo Cristovam Buarque e foi Deputada Distrital;
3. Boaventura de Souza Santos – sociólogo, professor catedrático jubilado da Universidade de Coimbra e diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra;
4. José Geraldo de Souza Júnior – professor de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília;
5. Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) – poeta, escritor, foi secretário de Cultura do Distrito Federal no governo Cristovam Buarque;
6. Roberto Aguiar – professor de Direito, ex-reitor da Universidade de Brasília, foi secretário de Segurança Pública do Distrito Federal no governo Cristovam Buarque;
7. Swedenberger Barbosa – Foi secretário de Governo do governador Cristovam Buarque.