Oferecer formação artística e cultural pode ser uma alternativa para resgatar a auto-estima de crianças em situação de risco ao mesmo tempo em que ajuda a abrir novas perspectivas de vida e trabalho.Autora: Janaína Valéria de MattosA EDISCA, Escola de Dança e Integração Social para Criança e Adolescente, há oito anos ensina balé clássico a meninas e meninos de áreas carentes da periferia de Fortaleza-CE (1.917 mil hab.). O programa foi idealizado pela bailarina e coreógrafa Dora Andrade, proprietária de uma academia particular que inicialmente estava direcionada para crianças de classe média. Preocupada com a situação das crianças pobres, ela abriu em sua escola uma turma especial para crianças que não podiam pagar, oferecendo a elas uma oportunidade de realização. As primeiras 50 alunas vieram de uma comunidade próxima ao porto de Mucuripe.

O entusiasmo diante dos primeiros resultados foi tão grande que as turmas especiais foram tomando o espaço das crianças pagantes, transformando a Escola e Companhia de Dança Dora Andrade na EDISCA.

Em 1991, foi estabelecida uma parceria com o governo estadual, que possibilitou à EDISCA oferecer atendimento exclusivo a meninas de comunidades carentes da cidade de Fortaleza. Hoje são 280 crianças, meninos e meninas que, além de aprender balé, recebem atendimento médico e odontológico, aulas de reforço escolar e de línguas estrangeiras, noções de higiene pessoal e expressão corporal, refeições diárias balanceadas.

FUNCIONAMENTO

O principal objetivo da EDISCA é resgatar a cidadania, recuperando a auto-estima das crianças e dando a elas alguma perspectiva de vida. Mais do que formar bailarinos profissionais, busca-se superar os limites aos quais estavam submetidas estas crianças: exposição permanente à pobreza, insalubridade e violência, que colocam em risco sua integridade física, sua educação e seu futuro. A idéia é fazer com que essas crianças conheçam seus direitos à cidadania, à vida, à educação, ao desenvolvimento e à felicidade, ao mesmo tempo em que oferece a elas condições objetivas de visualizar um novo mundo.

A idade mínima para ingresso é de seis anos. As candidatas passam por um teste de dança básico, uma entrevista que avalia sua situação de risco e uma visita domiciliar para confirmar o endereço e a situação familiar da criança. Sendo selecionada, passa por um mês de experiência, quando é avaliada sua adaptação às normas da escola. Sendo aprovada no período experimental, torna-se beneficiária dos diversos programas oferecidos: atendimento médico e odontológico; nutrição; orientação sexual; apoio à escola formal; atividades de artes plásticas; acesso à biblioteca; aulas de cultura e língua inglesas; e participação no corpo de baile.

As crianças têm aulas de dança três vezes por semana, com duração de uma hora, devendo permanecer na EDISCA por, no mínimo, três horas diárias, sempre em horário oposto ao da escola formal, na qual devem estar matriculadas. O controle do aproveitamento escolar é realizado permanentemente pela diretoria da escola, com avaliação periódica de boletins e provas bimestrais para acompanhar o domínio da matéria. Além das exigências quanto à escola formal, as crianças recebem aulas de conteúdo complementar, mais abrangente.

Outro requisito obrigatório é manter os laços familiares. Todas as crianças da EDISCA moram com os pais ou responsáveis.

Além desses requisitos formais, a criança deve obedecer ao regimento interno da escola, com direitos e deveres bem estabelecidos e alto grau de exigência com respeito ao retorno que o aluno deve oferecer, numa relação de troca permanente, devendo manter uma relação de respeito com colegas e funcionários, assiduidade às aulas e pontualidade com os horários estabelecidos.

Além do curso de dança e dos programas oferecidos, a EDISCA mantém um Corpo de Baile, formado por 48 crianças de diferentes faixas etárias, que se apresenta regularmente em Fortaleza e já foi levado a várias cidades do país e do exterior. Criado com a intenção de profissionalizar os alunos mais talentosos, os integrantes do Corpo de Baile tiveram intensificada a carga horária dedicada à EDISCA, tanto para aulas de dança (duas horas diárias, todos os dias da semana), como para estágios que são realizados por seus componentes em todos os programas da EDISCA, além de cursos semestrais de especialização em cada uma das áreas.

O objetivo destes estágios e cursos é preparar as crianças para várias atividades possíveis, incluindo conhecimento para gerenciar uma ONG, dançar ou ensinar dança. Pertencer ao Corpo de Baile depende, basicamente do mérito pessoal de cada criança.

Os balés apresentados são organizados pela coreógrafa da escola, ensaiados e, em geral, suas estréias se dão primeiramente no Teatro José de Alencar, principal casa de espetáculos de Fortaleza, com sessão aberta aos apoiadores, jornalistas e pais dos alunos. Cada apresentação custa, em média, 3 mil reais, sendo 15% dos recursos necessários gerados pela própria escola, através da venda de ingressos nas temporadas abertas ao público pagante e cachês cobrados quando convidados para apresentar-se em algum lugar. O Corpo de Baile da EDISCA pretende, em quatro anos, atingir o estágio de companhia competitiva a nível nacional.

IMPLEMENTAÇÃO

No começo, a EDISCA cresceu espontaneamente, contando com o apoio de pessoas que se entusiasmavam pela proposta e procuravam ajudar de alguma maneira. Em 1991, uma parceria com o governo estadual possibilitou o atendimento exclusivo a crianças de comunidades carentes, como Mucuripe, Bom Jardim, Conjunto Palmeiras e Jangurussu. Assim, foram conseguidos recursos para pagamento de salários das pessoas envolvidas no projeto e para o grupo de professores de dança.

O segundo passo foi a criação da cozinha industrial, possibilitada pela FEBENCE, da Secretaria de Estado de Ação Social.

Seguiram-se várias outras ações, como a criação do programa "Nossa Saúde", que conta com uma equipe multidisciplinar para a erradicação de doenças sociais. A enfermaria para primeiros socorros e para higiene básica das crianças conta com a presença permanente de uma médica e uma enfermeira, e o atendimento pediátrico é estendido aos irmãos dos alunos. É oferecido atendimento ginecológico para as adolescentes e suas mães, incluindo fornecimento gratuito de medicamentos e exames de laboratório. A proposta do programa é essencialmente preventiva, buscando conscientizar os alunos e, através deles, suas famílias, da importância de se respeitar e cuidar do próprio corpo. Um convênio com o Hospital Albert Sabin garante atendimento a enfermidades mais graves e assistência odontológica, estendido às famílias. Recentemente, uma parceria com o Hospital Militar, através do Centro Odontológico da Polícia, ampliou o atendimento odontológico. O programa "Nossa Saúde" tem hoje um custo per capita mensal de R$ 7,80, incluindo todas as ações necessárias para seu bom funcionamento.

O Projeto Menina-Moça oferece educação sexual a adolescentes a partir de 12 anos, visando atenuar os altos índices de gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis entre os adolescentes. Conduzido por uma médica psicoterapeuta e sexóloga, também prepara e acompanha toda a equipe de funcionários para uma orientação coordenada a ser ministrada tantas vezes quantas for solicitada pelos adolescentes.

A Biblioteca foi formada através de campanha junto a estudantes universitários para doação de livros, e conta hoje com aproximadamente 2500 exemplares selecionados.

O Projeto Línguas Estrangeiras é fruto de parceria com a instituição britânica Project&Trust, que envia jovens ingleses de 18 a 21 anos para estagiarem na EDISCA ensinando cultura e língua inglesas.

O Corpo de Baile nasceu da necessidade de se profissionalizar as crianças. É formado por 48 crianças, incluindo um time substituto para que ninguém perca aulas na escola formal. Seus componentes recebem bolsas de estudos, cujos valores variam de acordo com a faixa etária à qual pertencem. Os alunos que têm acima de 15 anos recebem uma bolsa de estudos de aproximadamente um salário mínimo, uma cesta básica e vale-transporte. Os mais jovens recebem um pouco menos e os menores recebem cesta básica mais ajuda de custo de R$ 30 mensais. Esta verba é depositada em conta poupança e repassada para as famílias no começo de cada ano, devendo ser comprovado o seu uso na educação da criança. O recebimento das bolsas de estudo tem ajudado a minimizar a precoce introdução desses jovens no mercado de trabalho, onde, muitas vezes, são "empurrados" para o sub-emprego ou para o serviço doméstico.

Durante os seis primeiros anos, a EDISCA foi uma escola para meninas. Desde o ano passado, passou a aceitar o ingresso de meninos, atendendo à demanda suscitada pelos mesmos. Atualmente, há 18 meninos participando do programa.

DIFICULDADES

Garantir patrocinadores e apoiadores para as atividades da EDISCA tem sido uma das maiores dificuldades. A lista de apoiadores é flutuante, não há regularidade nem continuidade no apoio.

Os alunos enfrentam muitos problemas domiciliares, notadamente situações de violência familiar, e trazem para a EDISCA uma carga emocional que deve ser permanentemente trabalhada pelos profissionais.

Outra grande dificuldade encontrada pela EDISCA tem sido a falta de espaço adequado para o desenvolvimento das atividades, atualmente realizadas em armazéns alugados próximos ao porto. Este problema deve ser solucionado com a inauguração da sede.

RECURSOS

A EDISCA gera 70% dos recursos necessários para a manutenção do programa. Estes recursos são provenientes dos espetáculos realizados em diferentes localidades. Os balés da escola já foram levados à França e Itália, além de várias cidades do Brasil.

A equipe é formada por 22 pessoas, incluindo profissionais de dança, cozinha, administração, etc.

A construção da nova sede conta com financiamento do BNDES, que também fornece mobiliário e equipamentos, tendo sido o terreno doado pelo Instituto Airton Senna. São cerca de 3 mil metros quadrados de terreno, com 1,5 mil metros quadrados de área construída. Com esse novo espaço, pretende-se duplicar o atendimento. Está localizado num bairro novo de Fortaleza, com características de área nobre, que abriga as duas melhores escolas da cidade e uma universidade.

O prédio tem duas salas de aula adaptadas para transformarem-se em palco e platéia, quadra de esportes e hidromassagem para mães.

A profissionalização do trabalho de captação de recursos para novos projetos, através de marketing cultural, pretende ampliar a atuação da EDISCA, principalmente no que se refere à inclusão das famílias dos alunos no programa.

RESULTADOS

Iniciado com um grupo de apenas 50 meninas, o programa da EDISCA atende hoje a 280 crianças, meninos e meninas, e aproximadamente 1.500 familiares, de várias comunidades carentes da cidade de Fortaleza, todas apresentando as mesmas características de pobreza, insalubridade e violência.

O primeiro resultado constatado é a recuperação da auto-estima das crianças. Também se verifica melhora no aproveitamento escolar.

No aspecto da saúde, constatou-se a diminuição no índice de doenças derivadas de condições sócio-econômicas inadequadas.

Atuando como um centro de convivência, a EDISCA permite às crianças e adolescentes em situação de risco encontrarem oportunidade de desenvolver a criatividade, a sensibilidade, a auto-confiança e condições de avaliar sua própria situação dentro de um universo mais amplo, construindo uma nova identidade. Na EDISCA a cidadania se constrói com atenção ao crescimento integral da criança e do adolescente.

Embora seu objetivo maior seja social, a qualidade técnica dos bailarinos não foi negligenciada. Os espetáculos encantam platéias no Brasil e em outros países, já tendo recebido vários prêmios.

A EDISCA utiliza o balé como "gancho" para a aplicação do programa, mas outras atividades poderiam apresentar os mesmos resultados, dependendo do tipo de problema que se pretenda solucionar, e da consideração aos princípios de visão global da situação sócio-econômica e cultural do grupo a ser atendido. A busca de local adequado para a prática das atividades escolhidas pode ser solucionada, em muitos casos, utilizando-se espaços já existentes, adaptando-os para novos projetos

Optando-se pela implantação de um programa desse tipo, é importante que o trabalho seja permanentemente reavaliado, o que é feito no mínimo semestralmente pela equipe da EDISCA, buscando identificar erros e acertos que muitas vezes ajudam a "corrigir a rota".

CONTATOS

Dora Andrade e Cláudia Andrade

Telefone: (085) 219-0693

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