Quando a comunidade ajuda a escolher as creches que recebem recursos públicos, é favorecido o direito das crianças de serem educadas em espaços democráticos, onde também os pais participam.Autores: Eduardo de Lima Caldas e Veronika Paulics

Quando a comunidade ajuda a escolher as creches que recebem recursos públicos, é favorecido o direito das crianças de serem educadas em espaços democráticos, onde também os pais participam.Autores: Eduardo de Lima Caldas e Veronika Paulics

Embora a maior parte das crianças permaneça várias horas por dia em creches e pré-escolas, raramente a aplicação dos recursos e os conteúdos político-pedagógicos são discutidos com os pais e a população local, mesmo quando são iniciativas comunitárias. O apoio da prefeitura costuma se restringir ao repasse de verbas. Em muitos lugares, as creches não passam de depósitos de crianças enquanto os pais ou responsáveis estão trabalhando. Não se respeita o direito de as crianças vivenciarem sua infância, não são contempladas as suas necessidades nem o seu desenvolvimento. Enquanto as creches conseguem verba suficiente para sobreviver, o problema permanece oculto. Quando falta verba, os problemas vêm à tona e a comunidade precisa se organizar para responder à necessidade das famílias com crianças pequenas que não têm com quem ficar.

Quando as creches de Porto Alegre-RS (1.288 mil hab.) deixaram de receber os recursos da antiga LBA – Legião Brasileira de Assistência -, o movimento organizado das creches passou a reivindicar alguma alternativa por parte da Prefeitura Municipal. Em julho de 1993 foi organizado o Programa Creches Comunitárias, que consiste no repasse mensal de recursos financeiros a cada uma das creches conveniadas. Além do repasse de verbas, o Programa envolve assessoria pedagógica, prestação de contas e encontros de formação com os diversos agentes envolvidos. Desta forma, a sociedade civil se organiza e participa da construção, em parceria com o poder público municipal, dos critérios e procedimentos para a seleção das entidades que farão parte do Programa.

Os convênios são firmados por um ou dois anos, com creches que já estejam em funcionamento. Inicialmente foram firmados 40 convênios entre a Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Porto Alegre e as Associações Mantenedoras de 40 creches comunitárias. Dentre as associações mantenedoras encontram-se clubes de mães, associações de bairro e, também, associações religiosas, desde que tenham caráter comunitário, ou seja, que contem com a participação efetiva da comunidade na tomada de decisões.

Até meados de 1998, havia 100 entidades conveniadas, espalhadas por todas as regiões de Porto Alegre, atendendo a 6 mil crianças. Em abril de 1999, o número de creches havia subido para 110.

OBJETIVOS

O Programa "Convênios Creches Comunitárias" procura superar a escassez de creches que sejam espaços educativos democráticos, que possibilitem a vivência da infância, contemplando as necessidades das crianças e seu desenvolvimento, integrando cuidado e educação.

Os objetivos do Programa são:

1. possibilitar a ampliação do atendimento às crianças de zero a seis anos em espaços educativos qualificados;

2. qualificar as instituições de educação infantil através da política de formação permanente da Secretaria Municipal de Educação; e

3. consolidar uma gestão democrática através da participação popular nas decisões sobre alocação dos recursos públicos municipais, para educação infantil.

Para ampliar a capacidade de atendimento às crianças, estão previstos no Plano Plurianual, aprovado no primeiro ano de cada gestão, dez novos convênios ao ano.

Do ponto de vista pedagógico, foram estabelecidas metas para o Programa, enfatizando a construção democrática do conhecimento e a formação permanente dos agentes envolvidos. O projeto político pedagógico de cada espaço educativo foi construído coletivamente, com a participação de pais, educadores e demais interessados na comunidade. Rotineiramente são realizados encontros para educadores e coordenadores pedagógicos, envolvendo coordenadores de creches comunitárias e de escolas infantis, diretores dos jardins de praça, supervisores de escolas de ensino fundamental, educadores leigos, monitores, professores, estagiários e outros. Incentiva-se também a participação em seminários nacionais e internacionais de educação infantil.

Para concretizar uma gestão democrática da educação infantil, e mais propriamente na alocação de recursos públicos para esta área, está prevista a participação das creches nas discussões do Orçamento Participativo, através dos agentes envolvidos.

FUNCIONAMENTO

A implementação do Convênio Creches Comunitárias, no início, partia de um diagnóstico da realidade local. Na seqüência era feita discussão dos termos do convênio, organizava-se a equipe de trabalho, fazia-se a seleção das creches beneficiadas e, por fim, acompanhava-se as creches com assessoria pedagógica e de prestação de contas.

Com o passar do tempo, cada uma dessas etapas foi se alterando. Foram incorporadas novas variáveis no diagnóstico, como demanda pelo serviço, carências regionais, disponibilidade física para creche, dentre outras. Além disso, a realização do diagnóstico, tornou-se regional, elaborado e discutido pela população em geral no processo decisório do Orçamento Participativo.

Os termos gerais do Convênio também se modificaram, passando a incorporar alocação de recursos para adaptação e readequação de espaços da comunidade para o bom funcionamento de uma creche.

A equipe de funcionários cresceu na medida em que mais creches foram incorporadas ao Programa e o trabalho foi descentralizado em Núcleos de Ação Interdisciplinar, que atendem todas as instituições de educação infantil da região.

Para o funcionamento das creches, há assessoria pedagógica e de prestação de contas. São consideradas desde questões básicas de organização dos espaços e tempos, dos grupos etários, dos gastos com dinheiro público, até a construção de uma proposta político-pedagógica abrangente específica para cada unidade.

O Programa é implementado e operado contando com a participação de diversos profissionais que cuidam de assuntos voltados à educação, pedagogia e finanças, sempre em sintonia com a comunidade:

a) cada região de Porto Alegre faz o planejamento de suas prioridades quanto à necessidade de convênios com creches;

b) uma comissão, composta por representantes do Orçamento Participativo da microrregião, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), do Conselho Tutelar, da Secretaria Municipal de Educação, realiza uma análise técnica da realidade das creches. Esta análise é pautada por critérios e princípios construídos com a participação da comunidade em diferentes fóruns;

c) o relatório da análise técnica é submetido à aprovação do Conselho do Orçamento Participativo onde cada região do município está representada;

d) depois de aprovado, o relatório é "transformado" em resolução pelo CMDCA e o convênio, então, é firmado pela Secretaria Municipal de Educação

PARCERIAS

Além da comunidade, que participa tanto dos fóruns de deliberação para implementação de cada convênio, quanto dos Conselhos envolvidos com a questão da Criança e do Adolescente e dos fóruns de deliberação no interior de cada creche, há também parceiros em outras secretarias e outros fóruns, ampliando a abrangência do programa.

A Secretaria Municipal de Saúde, por exemplo, desenvolve um projeto com estagiários da área de saúde (enfermagem, serviço social, nutrição, medicina, dentre outros) que permanecem um determinado período na creche, atuando em diagnóstico, prevenção e encaminhamento aos postos de saúde da região. Estagiários de psicologia organizam encontros de formação sobre temas de interesse das creches, como relações interpessoais e agressividade. São realizados também cursos de higiene e alimentação para pessoal da cozinha e da limpeza e uma adequação das creches às normas de funcionamento da vigilância sanitária.

Com a Secretaria Municipal de Cultura, há atividades envolvendo teatro, cinemas. E, com a própria Secretaria Municipal de Educação, há interação com o Projeto Graxaim que desenvolve atividades de psicomotricidade relacional em algumas creches.

Outra interface importante é com a Organização Mundial para Educação Pré-Escolar, que oferece semestralmente 75 vagas para educadores, coordenadores e dirigentes de creches no curso de Recreação e sua Dinâmica na Educação Infantil.

A Secretaria Municipal de Governo é responsável pela articulação do CMDCA, do Fórum de Entidades dos Direitos da Criança e do Adolescente com o governo municipal, e pela relação e interação das secretarias municipais envolvidas no programa.

Também está prevista a participação da iniciativa privada e de outros contribuintes que podem, inclusive, deduzir do imposto de renda, doações feitas ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente.

RECURSOS

Informações do primeiro semestre de 1998, apontavam gasto orçamentário municipal com o convênio na ordem de R$ 2,6 milhões, o que representa 24,4% do gasto com educação infantil no município. Trata-se de um valor anual, eqüivalendo, aproximadamente, a R$ 217 mil por mês. Considerando que há 100 creches conveniadas, isto significa cerca de R$ 2 mil por creche por mês.

A aplicação dos recursos varia de acordo com a realidade de cada creche. Na maioria das vezes, entretanto, os recursos são aplicados fundamentalmente em pagamento de pessoal (educadores) e alimentação.

Além dos recursos financeiros, a prefeitura disponibiliza recursos humanos diretamente envolvidos neste programa. São 36 pessoas, incluindo coordenadores, assessores pedagógicos, profissionais em prestação de contas e assessor comunitário.

RESULTADOS

A conquista mais importante do programa é melhorar a qualidade de vida das crianças atendidas, que têm espaço para brincar e vivenciar sua infância. Também os pais têm resgatada sua cidadania na medida em que podem interferir na organização do espaço onde seus filhos passam boa parte do dia e são educados.

Também os educadores são valorizados em termos salariais e em termos de aperfeiçoamento profissional. Algumas creches inclusive criaram índices de "incorporação salarial": educadores que retornam à escola ou concluem o 2º grau, por exemplo, obtém acréscimos salariais. Os benefícios aumentavam tanto em acúmulo e construção de conhecimento quanto em salário.

Observando alguns dados populacionais, percebe-se que o Programa Convênios Creches Comunitárias tem um grande número de beneficiados potenciais. Aproximadamente 15% da população total de Porto Alegre está entre zero e nove anos de idade. Além disso, há 334 mil mulheres entre 15 e 44 anos, ou seja, na faixa que os demógrafos chamam de "vida útil reprodutiva". Deve-se ressaltar também que muitas dessas mulheres participam ativamente do mercado de trabalho, sendo, portanto, uma parcela da população que, em potencial, pode ser beneficiada diretamente pelo aumento da oferta de creches.

Observa-se um aumento significativo (21,42%) em termos de recursos orçamentários (números absolutos) entre 1998 e 1999 destinados para o Programa. Observa-se também um aumento de 10% no número de novas creches conveniadas, o que representa o cumprimento da meta numérica estabelecida. Em termos de recursos orçamentários médios por creche, repassados mensalmente, observa-se também um aumento de aproximadamente 10%, visto que os valores saltaram de R$ 2.166,67 por creche repassados mensalmente, para R$ 2.391,61.

O Programa Convênio Creches Comunitários foi um dos do ciclo de 1998 do Programa Gestão Pública e Cidadania, iniciativa conjunta das fundações Getulio Vargas e Ford, com apoio do BNDES.


CONTATOS
Judite Guerra – Assessora Pedagógica
Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Porto Alegre – RS
Telefones: (0 XX 51) 214-1850 e (0 XX 51) 214-1845
Fax: (0 XX 51) 214-1700 e (0 XX 51) 214-1950