Entre os principais assuntos que ganharam manchetes brasileiras, a queda de dois ministros após o vazamento de conversas em relação à Operação Lava Jato (Romero Jucá e Fabiano Silveira) gravadas de forma oculta

Ano 1 – nº 04 – Junho 2016

Entre os principais assuntos que ganharam manchetes brasileiras, a queda de dois ministros após o vazamento de conversas em relação à Operação Lava Jato (Romero Jucá e Fabiano Silveira) gravadas de forma oculta; a nomeação da secretária de Políticas para Mulheres, Fátima Pelaes, fundamentalista religiosa, que assume posições contrárias às lutas feministas históricas e está envolvida em denúncias de corrupção; o encontro do ministro da Educação, Mendonça Filho, com o ator Alexandre Frota, amplamente ridicularizado por internautas; a afirmação do procurador geral da República, Rodrigo Janot, de que o ministro do Turismo recebeu recursos desviados da Petrobras; e os recuos do governo ao recriar o Ministério da Cultura e ao afirmar que vai agir contra a criação de cargos aprovada pela Câmara e o aumento do Judiciário, que ele mesmo apoiara dias antes.

Em editorial publicado no dia 25 de maio, o jornal O Estado de S.Paulo tentou justificar o governo. “As dificuldades nas quais Michel Temer tem tropeçado nos primeiros dias do exercício da Presidência têm sido provocadas, em alguma medida, pela enorme pressão que a conjuntura excepcional exerce sobre ele. Não se trata de nada mais do que a lógica perversa de um sistema político patrimonialista, acomodado numa estrutura partidária que conspira contra a legitimidade genuína da representação popular. A isso se acresce um sistema legal que faz as despesas públicas crescerem em ritmo mais acelerado que o crescimento da economia nacional”.

Medidas econômicas e gastos públicos

A imprensa noticiou em 24/5 que o governo quer adiantar a devolução pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) dos empréstimos feitos ao Tesouro, priorizar a reforma da Previdência Social e enviar ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estabeleça um teto para o crescimento dos gastos públicos. E também a nova meta fiscal deste ano, que estabelece um déficit de até R$ 170,496 bilhões para o governo central.

A Folha de S.Paulo classificou o pacote de medidas como “ousado” em seu editorial publicado no dia 25/5 e afirmou que se trata de um projeto para reduzir o tamanho do Estado, destacando a importância da limitação dos gastos públicos como uma proposta bem-vinda para reverter a tendência de quase trinta anos de alta.
Apenas uma semana depois, o governo interino e sua base na Câmara concordaram com a aprovação de um megapacote de reajuste para o funcionalismo federal, com impacto de ao menos R$ 58 bilhões até 2019. A imprensa noticiou o fato em tom de crítica. “Apesar do rombo recorde no Orçamento da União, a Câmara dos Deputados aprovou, com apoio do governo, reajustes salariais para todas as categorias do Judiciário, Executivo, Legislativo, Ministério Público e Defensoria Pública, além dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que terão impacto bilionário nas contas públicas”, informou o Valor Econômico em reportagem de 1º/6.

O editorial da Folha de S.Paulo publicado em 3/6, intitulado “Às custas da sociedade”, vai na mesma linha: “Isto é, em meio a uma das maiores recessões de nossa história, e enquanto parcelas crescentes da sociedade sofrem com a deterioração da renda e dos serviços públicos, Temer aplaude a decisão, ainda a ser referendada pelo Senado, de promover aumento bilionário de gastos estatais. Tudo às custas do contribuinte.”

Outra medida polêmica da Câmara Federal foi autorizar “sem alarde” a criação de mais de quatorze mil cargos federais de livre provimento, apesar de o governo interino ter anunciado, poucos dias antes, que extinguiria mais de quatro mil cargos comissionados até o final do ano. A autorização foi dada junto com o reajuste do funcionalismo. O jornal O Estado de S.Paulo noticiou, em 5/6, que o “pacote com aumentos para o funcionalismo opõe equipes política e econômica, que considera a medida prejudicial ao ajuste fiscal”.

Após a repercussão negativa na imprensa, o governo recuou. A coluna Painel, da Folha de S.Paulo, informou no dia 7/6 que Temer desistiu de criar os quatorze mil cargos federais e que o Planalto também prometeu à equipe econômica se posicionar contra o aumento salarial de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). “Manterá, contudo, o apoio ao reajuste dos servidores do Judiciário, já acordado anteriormente. Com isso, Michel Temer busca, de um lado, evitar o efeito cascata de aumentos nos Estados. De outro, reforça seu juramento pelo ajuste fiscal.”

Fragilidades no ministério

O governo interino já afastou dois ministros. Menos de duas semanas após Temer ter assumido a Presidência, Romero Jucá (Planejamento) deixou o cargo depois de ter sido divulgada na imprensa uma conversa em que ele sugeria um pacto para tentar paralisar a Operação Lava Jato. Passada uma semana, Fabiano Silveira, ministro da Transparência, pasta criada para substituir a CGU (Controladoria-Geral da União), deixou o cargo após ter sido divulgada uma conversa com o presidente do Senado, Renan Calheiros, na qual criticou a condução da Operação Lava Jato.

No dia 6/6, reportagem da Folha de S.Paulo informou que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou ao STF (Supremo Tribunal Federal) que o ministro Henrique Eduardo Alves (Turismo) atuou para obter recursos desviados da Petrobras em troca de favores para a empreiteira OAS. Também o advogado-geral da União, Fábio Medina Osório, esteve ameaçado de demissão. Temer não gostou do fato de ele não ter atuado para impedir a volta do presidente da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), escolhido pela presidenta afastada Dilma Rousseff.

Outro pauta negativa foi a nomeação de Fátima Pelaes para a Secretaria de Mulheres. Ela está sendo investigada por desvio de recursos de emendas parlamentares no âmbito da Operação Voucher. As notícias sobre a nomeação da ex-deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP) não trouxeram depoimentos do movimento de mulheres e especialistas. Pelaes é apontada pela Procuradoria-Geral da República como suspeita de ter integrado uma “articulação criminosa” que desviou R$ 4 milhões para uma ONG fantasma. O Globo, a Folha de S.Paulo e o Valor Econômico publicaram as denúncias e, nos dias anteriores, que ela é evangélica e contra o aborto, até mesmo em caso de estupro.

Em editorial do dia 7/6, a Folha de S.Paulo defendeu a continuidade das investigações. “Verdade que o país patina numa crise econômica cuja solução depende de certa estabilidade política. Esta, contudo, precisa ser conquistada pelo esclarecimento de todas as suspeitas e pela punição dos responsáveis. Jogar a sujeira para baixo do tapete foi o que o Brasil sempre fez – e deu no que deu.”

Internacional

O homem acostumado a atuar nos bastidores ou “nas sombras”, como foi mencionado por alguns jornais, passou a ser o foco das atenções de toda a mídia internacional. E os fatos não têm provocado uma brisa de confiança sobre Michel Temer, ao contrário. O presidente em exercício vem sofrendo críticas por suas escolhas, ações e também por causa das figuras das quais se cercou. Da mesma forma, as críticas com relação à formação de uma equipe de governo que só tem homens brancos e ricos continuam presentes nas reportagens sobre o governo Temer.

O jornal New York Times é o único entre os grandes veículos internacionais que deixou explícito que é contra o processo de impeachment que Dilma Rousseff vem sofrendo. Essa opinião já foi publicada em reportagens e em mais de um editorial. No último, publicado em 6/6, intitulado “Medalha de ouro do Brasil para a corrupção”, uma foto de Michel Temer está embaixo da manchete. O texto critica a atuação do presidente em exercício, começando pelo dia em que ele tomou posse.

O jornal francês Libération também publicou um duro editorial, “Um impeachment semelhante a um golpe”. Apesar da crítica, o jornal não assume uma defesa tão evidente de Dilma Rousseff. Provavelmente porque ela é alvo de investigações em função da alegação de tentativa de obstrução da justiça.

O processo de impeachment foi criticado por toda a imprensa internacional, o que deixou a legitimidade do procedimento em xeque. A aprovação do afastamento fez com que as críticas diminuíssem até que apareceram as gravações de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro. Na reportagem que tratou do assunto no jornal Le Monde, uma observação: “Esse caso dá crédito à tese de ‘golpe de Estado’ denunciada pelo PT afirmando que o impeachment, baseado sobre acusações polêmicas de manipulações contábeis, era apenas um pretexto para tomar o poder”.

A conversa de Jucá foi publicada em muitos dos jornais internacionais, que destacaram a fala dele de que era “necessário estancar a sangria”, que “o único jeito era mudar o governo” e “estabelecer um novo pacto”. O inglês The Guardian cravou na manchete: “Ministro do Brasil é afastado após gravação secreta revelar conspiração para derrubar presidenta Dilma”. A conversa deixou tão clara a conspiração que as gravações que envolviam Renan Calheiros e José Sarney não receberam tanta atenção. A conversa de Renan foi mais lembrada porque causou a saída do ministro da Transparência, e a alemã Der Spiegel tratou do fato com uma brincadeira na manchete: “O ministro da Transparência não era transparente”.

No mesmo momento, um grupo de vinte parlamentares britânicos de diferentes partidos publicou uma carta no The Guardian intitulada “A suspensão de Dilma Rousseff é um insulto à democracia no Brasil”. O mesmo jornal publicou uma reportagem na qual afirma que “a reputação do novo governo interino passou de frágil para burlesca”.

A compreensão da mídia internacional sobre o confuso enredo da política brasileira se alterou na mesma velocidade em que surgiam novas revelações. Essa alteração se deve também à maior atenção que esses veículos têm dado ao Brasil. Antes, a grande mídia brasileira tinha grande influência sobre o que era publicado no exterior porque os jornalões do Brasil serviam como fonte de informação.

Os veículos estrangeiros continuam a citar revelações que são feitas pelos jornais O Estado de S.Paulo, Folha de S. Paulo, O Globo e outros, mas parece que essa influência vem diminuindo. Agora é mais comum ver os jornais brasileiros serem citados em reportagens da mídia internacional apenas em informações pontuais, sem que o viés ideológico esteja presente. Sem dúvida, toda a crise política também colocou a imprensa brasileira em xeque. Ela foi duramente criticada em textos do Le Monde, The Guardian e New York Times.
A cobertura sobre a situação do Brasil sofreu uma diminuição de intensidade. Os protestos contra o governo Temer e as ocupações foram noticiados, mas já se tornaram secundários dentro do foco da mídia internacional, que parece aguardar a chegada dos Jogos Olímpicos para ver como estará o quadro político brasileiro. No entanto, os movimentos de resistência contra o golpe têm uma importância fundamental para que os correspondentes dos jornais estrangeiros desconfiem do rumo da política brasileira. Até que venha o desfecho do processo de impeachment, novos erros do governo interino podem atrair a atenção dos jornalistas estrangeiros que esperam ansiosamente pelas revelações do acordo de delação premiada dos megaempresários donos da Odebrecht e da OAS. Esses depoimentos podem esclarecer a grande confusão de informações e vazamentos na qual se transformou a Operação Lava Jato.

 

 
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