Por: Lia Ribeiro Dias

É com muita emoção que me encontro, hoje, representando os jornalistas que militaram no sindicato nos anos 1970 e 80, nesta homenagem ao Perseu Abramo. Para mim, uma honra. Há pessoas de quem a gente gosta. Entre essas, há aquelas que são imprescindíveis. Perseu faz parte deste time.

Nesses tempos de trevas, com o poder de um governo eleito usurpado, usurpado por uma turba do retrocesso aos direitos sociais e humanos, sinto ainda mais saudade do Perseu. De sua capacidade de análise, de sua firmeza, de sua ponderação. O que Perseu nos diria agora?

Conheci o Perseu na militância sindical. Eu era uma jovem repórter. Ele, editor da Folha de São Paulo, da área de educação. Foi nosso mestre. Na luta sindical, num momento de ebulição política, de avanço na resistência à ditadura, da luta pela Anistia, das greves no ABC paulista, Perseu foi o catalizador no sindicato dos Jornalistas de São Paulo das discussões na Comissão de Liberdade de Imprensa. Deu o tom.

Nos ensinou, a nós tão empolgados com a precária liberdade de imprensa na grande mídia, que havia um enorme diferença entre liberdade de imprensa, dos patrões, e a liberdade de expressão, ou seja, o direito de a população ter acesso aos fatos e à diferentes análises desses mesmos fatos. A diferença entre a propagada liberdade de imprensa do dono do meio de comunicação e o direito do jornalista a se manifestar e à clausula de objeção da consciência, de ele não escrever sobre aquilo que sua consciência estava em total oposição.

Perseu foi o coordenador do Conselho Consultivo de Representantes de Redação – o CCRR. Eram comissões em cada local de trabalho, organizadas para discutir as questões trabalhistas e também relacionadas à liberdade de expressão. Foi um momento de muita organização, de muita ebulição. Achamos que íamos avançar no controle dos meios de comunicação. Ledo engano, a greve de 1979 colocou por terra parte de nossos sonhos. Sofremos um duro revés, cujas consequências eram esperadas.

Demissões em massa dos líderes grevistas e integrantes do CCRR.  Mas naquela época ainda se fazia jornalismo, no embalo de um movimento nacional contra a ditadura que levaria às Diretas Já. Um ambiente muito diverso do que viria a dominar a grande mídia, que tornou-se, a partir da chegada do PT ao poder, um partido a favor explicitamente de sua pauta de interesses próprios. Abandonou-se o contraditório, esqueceram-se os fatos. Instituiu-se o jornalismo das versões.

Mesmo com a derrota na greve de 1979, continuamos na luta, resistindo.E Perseu foi um dos líderes mais importantes. Seu talento ao magistério o fez o melhor interlocutor dos jovens. Sempre disposto a ensinar, sempre ponderado, sempre firme, sempre ético. Foi também nosso líder na linha de frente no movimento nacional dos jornalistas.

Não fui sua aluna, mas ele foi o meu mais querido professor. Depois, fui trabalhar com ele no Jornal Movimento. Ele editor, eu repórter. Aulas diárias de jornalismo comprometido com a verdade dos fatos. Nada de voar nas primeiras impressões, nada de arroubos normais entre os jovens, nada de conclusões precipitadas. Fatos, fatos, fatos – e só depois a interpretação dos fatos.

Como mencionei, há pessoas que se mostram essenciais. Perseu foi assim na minha vida. Foi imprescindível não só na vida de seus filhos, de sua família, mas na nossa, seus discípulos. Perseu vive um pouco em cada um de nós.

Perseu PRESENTE.

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