Boletim de Análise da Conjuntura – Política e Opinião Pública 3
Ano 1 – nº 03 – Maio 2016
Votação do Impeachment no Senado
O Senado aprovou o processo de admissibilidade do impeachment da presidente eleita Dilma Rousseff, na manhã de 12 de maio, depois de mais de 20 horas de sessão, com o comparecimento de 77 senadores na sessão. Eram necessários 39 votos para que Dilma fosse afastada, o resultado foi 55 votos a favor e 22 contra. Os partidos que votaram totalmente a favor do impeachment foram: DEM, PP, PPS, PR, PRB, PSC, PSDB, PTC e PV. Os que votaram totalmente contra foram: PT, PCdoB e Rede.
A presidenta eleita foi notificada oficialmente na manhã do mesmo dia e afastada do cargo por até 180 dias. Com o processo de impeachment instalado no Senado, a denúncia será discutida, analisada, serão ouvidas testemunhas de acusação e defesa e apresentadas provas. O processo é conduzido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, e será julgado, no final, pelos senadores, em votação nominal e aberta no plenário. Se, ao final, dois terços dos senadores (54 dos 81) julgarem que Dilma cometeu “crime de responsabilidade”, ela sairá definitivamente do governo, e o presidente interino, Michel Temer (PMDB), governará até o fim deste mandato, em 2018.
É a terceira vez que o PMDB assume a presidência sem vencer a eleição. A primeira vez foi de 1985 a 1990, quando o vice-presidente José Sarney assumiu o lugar do presidente eleito Tancredo Neves, que faleceu antes de assumir o governo. Em 1992, durante o processo de impeachment do presidente eleito Fernando Collor de Melo, Itamar Franco desligou-se do PRN e assumiu o governo, até 1994, pelo PMDB. E, agora Michel Temer, em aliança com a oposição, destitui Dilma de seu mandato.
Novo ministério do governo interino de Michel Temer
Com o afastamento da presidenta eleita, Michel Temer assumiu interinamente o governo, na tarde do dia 12 de maio, nomeando um novo ministério composto por 23 ministros (9 a menos que na gestão de Dilma), além da AGU. A composição do novo ministério é a seguinte:
Foram extintos ou perderam status de ministério as pastas da Aviação Civil, da Comunicação Social, da Controladoria Geral da União e dos Portos. O Ministério da Ciência e Tecnologia fundiu-se com o das Comunicações, o da Educação com a Cultura, o do Desenvolvimento Agrário com o de Desenvolvimento Social e de Combate à Fome, o da Justiça com o de Mulheres, Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos.
Temer recuou várias vezes para conseguir uma redução significativa no número de ministérios e dar conta das demandas dos partidos, fazendo acordo, negociações e concessões ao fisiologismo partidário, de modo a formar maioria e garantir a governabilidade.
Com essa organização ministerial composta por 11 partidos, o governo interino atrai para si a maior parte da antiga base aliada do governo de Dilma e terá ampla maioria. A nova oposição passa a ser significativamente minoritária, com apenas três partidos. Pensando na composição do Congresso, a oposição contará com cerca de 992 votos de deputados e 16 de senadores, enquanto a nova coalizão terá 3573 votos na Câmara e 53 no Senado, com o quadro atual de representantes no Congresso.
Nova coalizão partidária
O sistema de presidencialismo no Brasil é formado por coalizão, devido ao número de partidos existente: em 2014, foram eleitos deputados federais de 28 partidos políticos diferentes. Hoje (maio de 2016) há 25 siglas representadas no Congresso. O governo Dilma que se desfaz mostra que o modelo de formação de coalizões, pautado na distribuição de pastas, cargos, salários e orçamentos em troca de apoio ao governo, está esgotado. No Brasil, os partidos que fazem coalizões priorizam menos a agenda política que a busca por benefícios próprios.
Para que uma nova forma de coalizão realmente funcione, é necessário que os partidos que a componham tenham conteúdos programáticos e agendas semelhantes. Nesse sentido, a nova frente que se forma unindo PMDB e PSDB, ambos partidos fortes e com agenda econômica liberal, tende à estabilidade. Resta saber se essa aliança governista será reavaliada devido a interesses na próxima disputa presidencial nas eleições de 2018 ou mesmo nas eleições municipais deste ano.
A nova composição ministerial abrange 11 partidos (PMDB, PSDB, PPS, PR, PP, DEM, PTB, PRB, PSB, PSD e PV). Portanto, além do PMDB, principal partido aliado, também migraram totalmente da base aliada do governo o PR, PRB, PP e PROS, que, juntamente com a oposição (PSDB, PSB, DEM, SD, PPS, e PV), formam um bloco de 11 partidos, somados aos partidos PSD e PTB, que eram da base, não votaram integralmente pelo impeachment mas ganharam ministérios, em uma frente de 13 partidos para dar sustentação ao seu governo.
A contar pelo número de deputados vinculados a cada partido na votação do impeachment, a nova base aliada do governo interino4 conta com 377 votos na Câmara dos deputados (357 entre os partidos que detêm ministérios, mais 20 do PROS e SD, que embora não tenham vínculo a ministérios, votaram integralmente a favor do impeachment e se alinham ao novo governo) 115 a mais do que a base aliada do governo Dilma contava no início do mandato (262). Essa frente pode ainda contar com o apoio dos partidos independentes PSC, PHS e PEN, que também votaram a favor do impeachment da presidenta eleita Dilma Rousseff. Os partidos SD e PSC, originalmente de oposição, não obtiveram ministérios nesse primeiro momento do governo, mas podem ser contemplados com cargos de 2º e terceiro escalão.
Essa coalizão, comprometida com o governo interino, contempla o maior número de partidos desde a redemocratização5 e garante a governabilidade, com 73% dos votos. Contando apenas com os partidos que compõem os ministérios, garante 69% dos votos na Câmara em termos partidários, ou seja, os dois terços de votos necessários para aprovação de PECs e, portanto, para alterar a Constituição.
Tanto o novo ministério quanto a ampla frente de partidos de compõem a coalizão deixam claro que o novo governo que interrompe os 13 anos de administração do PT retira do país qualquer possibilidade de uma gestão mais à esquerda, comprometida com melhor distribuição de renda e justiça social, e aponta para uma virada política, social e econômica de grande retrocesso nas conquistas sociais.
Mudanças nas políticas e retrocessos nas conquistas
A composição ministerial reduz espaço, por meio da fusão (e consequentemente redução de verbas) do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Cultura, Direitos Humanos, Mulheres, Igualdade Racial e Juventude, o que deixa claro que essas não serão as prioridades do novo governo.
Entre os nomes escolhidos como ministros, chama a atenção a ausência de mulheres, o que não ocorre no Brasil desde o governo militar de Geisel. Na pasta de Justiça e Cidadania, a presença de Alexandre de Moraes, ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, responsável pela polícia paulista, considerada uma das que mais matam no mundo; advogado do PCC; responsável por ações violentas na desocupação sem mandado judicial de escolas estaduais paulistas; ataques a movimentos sociais; e responsável por encobrir a responsabilidade policial na chacina de Osasco e Carapicuíba, em 2014, entre outros fatos, sinaliza como será a ação da polícia como serão tratados os direitos humanos.
Osmar Terra, no Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, questiona o número de beneficiários do Bolsa Família e alega que as pessoas entram, mas não saem do programa, indicando clara redução no alcance do benefício. Blairo Maggi no Ministério da Agricultura, o maior produtor individual de soja do mundo, e José Serra nas Relações Exteriores, nome ligado aos interesses de empresas estrangeiras e à tentativa de entrega do pré-sal ao capital internacional, também demonstram a mudança na rota das relações comerciais e exportações.
Na Fazenda, Henrique Meirelles agrada ao mercado financeiro e sinaliza planos neoliberais. As medidas que se discutem incluem aumentos de impostos, diminuição de recursos para políticas sociais, redução ou perda de direitos trabalhistas e sociais nas reformas da Previdência Social e da CLT. Estão orientadas por uma estratégia de um rápido ajuste fiscal “completo”. São medidas altamente impopulares, com o agravante de que provêm de um governo que não foi eleito pelo voto direto. Portanto, devem enfrentar forte resistência dos setores populares organizados.
Além disso, sete dos ministros nomeados possuem suspeita de envolvimento em casos de corrupção investigados na Lava Jato. São eles Romero Jucá, citado por delatores como beneficiário de esquema na Petrobrás; Geddel Vieira Lima, acusado de utilizar de influência para beneficiar a construtora OAS; Henrique Alves, suspeito de receber propina da mesma construtora; além de Mendonça Filho, Raul Jungmann, Bruno Araújo e Ricardo Barros, citados na lista da Odebrecht. A continuidade da Operação Lava Jato e outras frentes de combate à corrupção fica comprometida.
Aprofundando a tese do voto indireto, o governo interino e seus aliados cogitam que o sistema presidencialista deve ser repensado e o parlamentarismo, medida já rejeitada pela população em plebiscito, deve ser apresentado como uma opção para o país. Afinal o PT ganhou quatro eleições diretas nacionais consecutivas – a última há 18 meses. Será difícil para o projeto derrotado que nunca ganhou eleição e alça ao governo à força correr o risco de uma nova vitória do PT nas urnas.
Em suma, o presidencialismo de coalizão precisa ser repensado. Michel Temer toma o poder e leva o país a mais grave crise política e institucional enfrentada pelo Brasil desde o golpe de 64. O golpe tem por objetivo sacrificar as conquistas sociais obtidas nos governos petistas e a democracia, para impor uma agenda neoliberal ilegítima, derrotada nas urnas. O novo governo resulta de um golpe liderado pelo partido mais corrupto da história do Brasil, o PMDB. A substituição de um grupo político por outro não vai debelar a crise econômica, os escândalos de corrupção vão continuar existindo e deixarão de ser investigados e as mudanças que se anunciam indicam um novo rumo que substitui o projeto progressista de governo, por uma visão socialmente conservadora, economicamente liberal, politicamente ilegítima e redutora de ganhos para a maioria.
O projeto de uma sociedade mais justa e igualitária e de um país mais autônomo conduzido pelos governos petistas dá lugar a um enorme retrocesso em direção a antigas posturas, não por meio do voto popular, mas de manobras golpista, conduzidas por personagens sobre os quais pesam acusações muito mais graves do que as que afastaram a presidente eleita.
A opinião pública tende a permanecer insatisfeita. Nem os movimentos sociais, nem os cidadãos, nem as classes populares aceitarão este novo governo, o que deve desencadear uma forte reação popular pela legalidade democrática com a mobilização nas ruas.
nem as classes populares aceitarão este novo governo, o que deve desencadear uma forte reação popular pela legalidade democrática com a mobilização nas ruas.