A manutenção preventiva e descentralizada de prédios públicos municipais, envolvendo os funcionários e usuários, ajuda a economizar recursos e a melhorar a segurança.


Autor: Guilherme Henrique de Paula e Silva

É comum nas cidades brasileiras encontrar prédios usados pelos serviços – creches, escolas, postos de saúde, etc. – em péssimo estado de conservação, mal iluminados, sem a infra-estrutura física necessária para o desempenho das tarefas para as quais existem.

Quando aparece alguma falha ou deficiência, elas são “sanadas” pelos próprios funcionários que trabalham na unidade, muitas vezes com materiais totalmente inadequados, com o intuito de ter uma solução provisória. Mas estas “soluções” acabam por se tornar definitivas pela acomodação de todos os envolvidos. O acúmulo destas “soluções” cria ambientes ruins para o trabalho e chegam a afetar a segurança dos funcionários da unidade e também dos usuários.

De modo geral, as prefeituras tendem a adotar um sistema de manutenção predial de emergência, corrigindo os problemas na medida em que aparecem. Mas uma alternativa a este sistema é a manutenção preventiva que procura evitar a ocorrência de falha. O sistema preventivo permite à prefeitura atender melhor a população e, ao mesmo tempo, economizar recursos.

PREVENÇÃO

Prevenir é planejar e executar ações com antecedência, por isto a manutenção preventiva exige um plano de ação dirigido para evitar a ocorrência de falhas. Deve ser baseado em critérios de racionalidade administrativa e discernimento político, atendendo as necessidades e exigências da comunidade. Este tipo de manutenção exige um calendário de ações elaborado a partir de dados técnicos sobre a durabilidade dos equipamentos e materiais (tinta de pintura externa e interna, vida útil de lâmpadas, revisões periódicas de equipamentos de acordo com o recomendado pelos fabricantes, etc.). A partir destes dados é possível prevenir um grande número de falhas, gerando maior eficiência no uso dos prédios e melhorando o serviço que nele é oferecido. Além disto, torna mais racional e econômico o processo de compras necessárias à manutenção, pois possibilita planejar os estoques dos almoxarifados e efetuar as compras sem os adicionais de urgência.

Usualmente, a manutenção dos próprios de um município está a cargo do setor usuário do prédio, a quem cabe mantê-lo em funcionamento. A unidade especializada é acionada quando o serviço se torna mais complexo. Como as equipes de manutenção específicas estão, em geral, ligadas a uma secretaria de administração ou de serviços, costuma ocorrer duplicidade de partes de equipes e de partes de almoxarifados, além de uma demora considerável entre a detecção da falha e a sua correção, gerando as “soluções provisórias”.

A centralização, no entanto, é uma questão secundária diante da necessidade de planejar as ações no tempo e no espaço. É imprescindível que o município disponha de equipes que façam revisões, consertos e limpezas periódicas nos prédios e nos equipamentos públicos, independentemente da existência de falhas, apropriando verbas e efetuando licitações para compra de materiais ajustadas ao calendário de manutenção e mantendo os almoxarifados com controle de estoques de acordo com este mesmo calendário.

De acordo com o tamanho do município, em termos de população, extensão territorial e amplitude dos serviços prestados, a manutenção preventiva deve ser dividida em regiões territoriais (distritos), especialidades (como hidráulica, elétrica, etc.) e setores (como saúde, educação, etc.). Para municípios de menor porte, a centralização traz os melhores resultados por permitir economia de escala. Os itens de emergência, como lâmpadas, retentores de torneiras e outros de pequeno valor e simplicidade de manutenção devem permanecer sempre no nível administrativo da unidade, havendo para isto o plano de almoxarifado da unidade também deve ser elaborado segundo o mesmo princípio da manutenção geral e acompanhado da respectiva verba mínima.

Para que funcione, a parte normativa e fiscal do sistema de manutenção deve ser centralizada e a parte operacional e financeira deve ser descentralizada, permitindo uma operação uniforme em procedimentos e resultados finais e agilidade na resposta às demandas de emergência ou mínimas. Esta parte normativa e fiscal centralizada constitui o núcleo de monitoramento geral do sistema, atuando por meio de verificação mensurável de resultados e emissão de normas que melhorem continuamente estes resultados.

OS ENVOLVIDOS

O modelo de manutenção preventiva é a parte técnica da questão, mas o que determina de fato, a eficácia de um sistema é o estabelecimento de vínculos entre os vários grupos envolvidos na manutenção: as equipes técnicas, os funcionários prestadores do serviço localizado no imóvel e, principalmente, a comunidade de usuários destes serviços. As motivações tendem a crescer na medida em que os resultados aparecem.

Da mesma forma que as APM’s (Associações de Pais e Mestres) nas escolas podem assumir um papel preponderante na condução dos temas não especificamente didáticos, nos outros próprios municipais, a comunidade é parte interessada como usuária final e pode assumir papel semelhante. Introduzir novas formas de relacionamento entre os grupos envolvidos na manutenção significa romper com uma cultura estabelecida, romper com valores e tabus, e criar conjuntamente uma nova cultura. Esta nova cultura consiste no atendimento às necessidades do usuário final, significa ouvir e atender a comunidade.

Além da comunidade, o corpo de funcionários locais também precisa de motivação para abandonar procedimentos sedimentados pela inércia e pela falta de incentivos. O desempenho das tarefas diárias em locais fisicamente adequados, agradáveis e que são periodicamente conservados pode ser estímulo para que o funcionário participe do sistema de manutenção preventiva, alimentando-o com informações sobre as condições locais, sugerindo procedimentos e principalmente zelando pelo local de seu trabalho diário. Para isso, ele deve ser ouvido e confrontado com a comunidade e as equipes operacionais da manutenção.

As equipes de trabalho que fazem a manutenção propriamente dita, compõem o terceiro grupo envolvido na manutenção preventiva. Mantê-las treinadas e atualizadas, confrontá-las com as outras partes envolvidas, supri-las com os materiais, ferramentas, equipamentos e produtos que as tornem aptas a desempenhar suas tarefas (sem esquecer os equipamentos, normas e treinamento voltados para a segurança) facilita a introdução da cultura da responsabilidade partilhada. A possibilidade de verificar visivelmente o fruto do trabalho nos prédios públicos bem conservados e limpos, tende a melhorar o comprometimento das equipes. Em algumas situações, é possível até mesmo introduzir disputas entre equipes, através de prêmios para a melhor operação, nas quais funcionários e comunidade fariam o julgamento.

Trata-se, em síntese, de introduzir uma cultura voltada para a partilha de responsabilidades e resultados, apoiada em tecnologia (a manutenção preventiva).

FORMAÇÃO DAS EQUIPES

A formação das equipes operacionais deve obedecer o critério de especialidade (civil, hidráulica, elétrica, condicionamento de ar, jardinagem etc.) respondendo por áreas técnicas, e, quando o porte do município exigir, pelo critério de localidade (territórios ou regiões).

O controle central de normas e fiscalização funciona mais como monitor de resultados e organizador das respostas da população usuária e dos funcionários dos serviços localizados nos imóveis, gerando e aprimorando as normas de operação, bem como medindo o cumprimento dessas mesmas normas.

A formação técnica das equipes é fundamental para que as respostas às solicitações e sugestões da comunidade e dos funcionários possam ser adequadas. O treinamento continuado desta mão-de-obra faz parte do sistema preventivo, evitando o uso de expedientes impróprios como “gambiarras”, “jeitinhos”, etc., que com freqüência geram defeitos mais graves, e podem, inclusive, resultar em tragédias.

RECURSOS

A política de construções sem manutenção gera um enorme desperdício de recursos e desgaste para o governo municipal, assim como o sucateamento dos serviços e imóveis ocupados pela administração. O custo fixo da folha de pagamento pode ter o rendimento maximizado pela valorização dos servidores e dos usuários finais, quando o atendimento é feito em prédios públicos bem conservados e limpos, produzindo uma melhoria geral da auto imagem da comunidade.

O sucateamento dos serviços públicos, por outro lado, gera um estado geral de descrédito que exige custos enormes para ser revertido, implicando queda de solidariedade social e perda de recursos, que são gastos para superar um estado de má vontade generalizada entre os funcionários do município e entre a comunidade.

A estes fatores deve-se acrescentar os custos de uma rápida deterioração física dos imóveis. Para que não se tornem impróprios para o uso, exigirão investimento de grandes somas de recursos públicos em reformas gerais que freqüentemente custam mais do que construir um prédio novo.

RESULTADOS

Do ponto de vista da administração municipal, a implantação de um sistema de manutenção de próprios da prefeitura, fundado na prevenção e na responsabilidade partilhada, traz benefícios de ordem financeira muito importantes. Este sistema ajuda a economizar recursos que normalmente seriam gastos em reformas repetitivas e aleatórias para recuperar prédios inoperantes, tanto do ponto de vista funcional como do ponto de vista da segurança. A ampliação da vida útil de um prédio que recebeu manutenção eficiente, pode chegar a 100% ou mais.

Além disto, o rendimento dos funcionários que trabalham em ambiente fisicamente corrompido pode cair para a metade. E é este corpo de trabalhadores do município que faz a ligação entre a administração e a comunidade local, daí a importância da valorização de seu trabalho como forma de manter a qualidade da relação entre administração e comunidade, estabelecendo a base para a partilha de responsabilidades e resultados.

Para a comunidade, os resultados são compensadores na medida em que geram padrões mais elevados nas prestações dos serviços públicos e permitem a participação na gestão dos recursos da prefeitura, de uma maneira direta. O prédio municipal conservado dilata o sentimento de reciprocidade entre o poder público e a comunidade, que se apropria destes bens enquanto públicos, conservando-os e zelando pela sua integridade e aspecto visual.

A “teoria da janela quebrada”, usada pelo prefeito de Nova York para recuperação social daquela cidade, diz que uma pessoa se sente desencorajada a atirar pedras na janela de uma casa que esteja bem pintada, conservada e com seu jardim florido e com grama aparada. Por outro lado, uma casa suja, com vidros quebrados, portões caídos e outras mazelas, imprime uma sensação de abandono e permissividade, produzindo efeito contrário.

O resultado de uma nova cultura de preservação dos bens públicos, envolvendo administração e comunidade ajuda a incorporar a solidariedade em todos os aspectos da vida social da cidade.


* Publicado originalmente como DICAS nº 114 em 1998.
Dicas é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Atualmente, seu acervo está publicado no site do Instituto Pólis.

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