A prefeitura pode aumentar sua arrecadação cobrando tributos diretamente proporcionais aos rendimentos dos cidadãos, promovendo a participação e garantindo a transparência na tomada de decisão e na execução das políticas.Autor: Eduardo de Lima Caldas

A prefeitura pode aumentar sua arrecadação cobrando tributos diretamente proporcionais aos rendimentos dos cidadãos, promovendo a participação e garantindo a transparência na tomada de decisão e na execução das políticas.Autor: Eduardo de Lima Caldas

Para melhorar sua arrecadação não basta que a prefeitura aumente aleatoriamente a cobrança de tributos. Afinal, justiça fiscal significa tratar com igualdade os contribuintes iguais, ao mesmo tempo em que garante que contribuintes desiguais sejam diferenciados segundo alguns critérios estabelecidos.

Um dos critérios utilizados para definir os iguais é a capacidade individual de contribuição. Ou seja, trata-se de estabelecer a progressividade: uma relação direta entre carga tributária e renda.

Em termos de tributação municipal, o IPTU adquire caráter progressivo quando diferencia alíquotas e oferece a remissão do tributo para alguns. Com isso, é possível estabelecer maior eqüidade na relação do governo com os diferentes contribuintes e melhorar a eficácia da máquina arrecadadora.

EXPERIÊNCIA
O município de Vitória da Conquista-BA (242 mil hab.) vem implementando ao longo dos últimos três anos o Programa de Fortalecimento Financeiro Municipal com Justiça Tributária a Serviço da Cidadania.

Vitória da Conquista é o terceiro maior município do Estado da Bahia, e polariza uma região de 84 municípios do Sudoeste baiano.

Em 1997, a atual gestão encontrou a prefeitura com diversas dificuldades financeiras tanto para saldar compromissos herdados da antiga gestão quanto para manter e ampliar a prestação de serviços básicos, e uma arrecadação pouco eficiente.

Além disso, alguns aspectos conjunturais nacionais afetavam ainda mais a situação do município: fim da inflação eliminou uma importante fonte de financiamento, afinal, as municípios aumentavam os tributos de acordo com a inflação mas a folha salarial não acompanhava a mesma taxa; diminuição das transferências em decorrência da queda do nível de atividade econômica; e aumento da demanda por serviços públicos e assistência social também em decorrência da crise econômica.

Diante deste quadro, havia algumas alternativas: renegociar dívidas antigas, cobrar impostos atrasados (dívida ativa), modificar a política tributária municipal e aumentar a eficiência da arrecadação.

Na medida em que muitas dessas medidas são impopulares, a solução encontrada pela prefeitura de Vitória da Conquista foi informar a população, convocando-a para participar das decisões através da elaboração e do acompanhamento da execução orçamentária. Para que a população fosse informada e participasse das decisões sobre a alocação dos recursos arrecadados via tributação, garantindo a legitimidade e a credibilidade da prefeitura junto aos cidadãos.o município de Vitória da Conquista planejou e vem implementando o Programa de Fortalecimento Financeiro Municipal com Justiça Fiscal a Serviço da Cidadania.

OBJETIVOS
Os principais objetivos do Programa são:

  1. fortalecer a Prefeitura Municipal do ponto de vista financeiro, saneando as finanças, aplicando a política tributária com maior eqüidade e equilibrar o orçamento, reduzindo os déficits;
  2. elaborar e aplicar medidas legais e operacionais que garantam a progressividade fiscal no âmbito local;
  3. tornar pública a situação financeira do município, traçando diretrizes da política fiscal e financeira a partir da discussão pública dessas questões. Além de ser um dos objetivos do Programa, essa é uma questão estratégica, fundamental para aumentar a credibilidade junto à sociedade civil; e
  4. priorizar a aplicação dos recursos municipais anualmente em áreas temáticas.

O Programa de Fortalecimento Financeiro Municipal com Justiça Fiscal a Serviço da Cidadania consiste em fortalecer o sistema de arrecadação municipal, ou seja, aumentar a eficiência da arrecadação, otimizando o potencial tributário do município e, ao mesmo tempo, garantir uma maior eqüidade tributária.

Para a elaboração e implementação do programa, foi realizado, inicialmente, um amplo diagnóstico sobre a situação financeira municipal, no qual se verificou que o Poder Executivo Municipal estava muito desgastado e desacreditado junto à população em decorrência das administrações anteriores. Constatou-se também que as finanças públicas estavam em completa desordem, sem controle algum dos serviços, materiais, obras contratadas e pagamento aos fornecedores. A prefeitura estava inadimplente junto a outros órgãos como o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), e as empresas estatais de fornecimento de energia elétrica e água. Os salários dos servidores públicos estavam atrasados quatro meses e o 13º referente a 1996 não havia sido pago. Em decorrência dos atrasos de pagamentos dos fornecedores e de salários dos funcionários, serviços urbanos essenciais como coleta de lixo, limpeza pública e iluminação pública, conservação de logradouros e serviços sociais estavam paralisados. Além disso, a política tributária estava indefinida e não havia uma operacionalização criteriosa da arrecadação.

Uma vez constatada a situação do município, a população foi convocada para conhecer, propor e decidir sobre os problemas.

Para tanto, a Prefeitura sistematizou as informações sobre a situação financeira e as ações da administração municipal, elaborando o orçamento público municipal por meio de um processo participativo que se estendeu de julho a setembro de 1997 (primeiro ano de gestão). O processo envolveu a realização de 22 plenárias populares com a participação de aproximadamente 1.500 pessoas.

No processo de elaboração participativa do orçamento, foram definidas algumas prioridades, buscando aumentar a eficiência da arrecadação: realização de uma política tributária progressiva; melhoria da fiscalização; cobrança das dívidas pendentes; manutenção da austeridade nos gastos públicos; estabelecimento dos convênios para obras e serviços; e aplicação de isonomia fiscal e maiores facilidades para o pagamento de tributos.

Do lado das despesas, ou seja, da realização de políticas públicas, foram definidas prioridades anuais. Para o primeiro ano, a prioridade foi educação; para o segundo, saúde; para o terceiro, serviços básicos de infra-estrutura urbana.

Estabelecidas as prioridades, o Programa foi implementado em duas frentes: uma institucional-legal que, de certo modo, dependia de negociações com a Câmara Municipal; e outra operacional, que consistia em "botar ordem na casa" pagando dívidas e salários atrasados e recuperando a imagem da Prefeitura junto à população.

FRENTE INSTITUCIONAL

A frente institucional-legal consistiu na aprovação das leis 863/97 e 892/97. A Lei 863/97 (mais abrangente) alongou de 24 para 50 prestações o prazo de parcelamento dos débitos fiscais (de contribuintes inscritos na dívida ativa); reduziu as multas arbitradas pelos fiscais; extinguiu a alíquota progressiva no tempo para os terrenos não murados; e adequou as infrações e penalidades previstas no Código Tributário. E a Lei 892/97 (que trata de questões mais específicas), penalizou os empresários inadimplentes com o município; determinou notificação dos despachos decisórios ao contribuinte; reformulou a incidência do Imposto sobre Serviços (ISS) para as atividades de empresas privadas de saúde; e institucionalizou a metodologia de pagamentos a partir de estimativas para os prestadores de serviços.

Para elaborar a metodologia de estimativas para os prestadores de serviços, partiu-se da hipótese de que cabeleireiros, bares e locadoras, dentre outros, dificilmente emitem nota fiscal, pelo próprio tipo de serviço e pela não exigência do cliente. A prefeitura então foi a esses pontos comerciais verificar seus custos. Daí, estabeleceu um patamar mínimo de manutenção do negócio, que hoje serve de base para o pagamento do ISS. A título de exemplo, imagine-se que para manter uma locadora seu proprietário gaste R$ 2 mil por mês. Para permanecer no ngócio sem lucro, ele deverá ter receita mínima igual a este valor, que passou a ser, para a Prefeitura, a base para a arrecadação do ISS.

Ainda do ponto de vista institucional-legal, foi atualizado o Código Tributário Municipal, e aplicado dispositivo legal que possibilitava a remissão do IPTU de pessoas carentes, identificadas como famílias com renda de até dois salários mínimos, possuidoras de apenas um imóvel com valor inferior a R$ 7.800,00 no Cadastro Imobiliário e Fiscal.

A remissão do IPTU beneficiou mais de duas mil pessoas em 1998, e beneficiará, segundo projeções da própria prefeitura, 4 mil pessoas em 1999, num valor total de R$ 300 mil, eqüivalendo a um benefício aproximado de R$ 75,00 por pessoa.

Na frente operacional, a Prefeitura passou a pagar seus credores e funcionários sem atraso, renegociou suas dívidas com o INSS e o FGTS e alterou o Regime Jurídico do funcionalismo público. Com essas medidas, reconquistou a confiança e a credibilidade desgastadas pelas gestões anteriores.

Ainda na frente operacional, a Prefeitura estabeleceu um contato mais direto com a imprensa para explicar e sensibilizar o contribuinte em relação às prioridades do município e à importância do IPTU. A Prefeitura também passou a afixar nos anúncios e placas de obras o valor do investimento e quanto daquilo decorria do IPTU, estimulando desta forma o contribuinte a pagar seus impostos e também ajudando na recuperação da imagem do próprio Poder Executivo.

PARCERIAS
O Programa de Fortalecimento Financeiro envolveu diversos atores da sociedade civil. A Federação das Associações de Moradores encarregou-se de mobilizar a comunidade para participar da elaboração do Orçamento. As entidades empresariais do município assumiram a coordenação da plenária temática que tratava do desenvolvimento econômico municipal. Os Conselhos Municipais estavam envolvidos na elaboração e gestão de políticas sociais, como saúde, educação e assistência social. Os fóruns Intersindical e Popular assumiram a realização das plenárias temáticas.

Além disso, o setor imobiliário participou do Programa contribuindo especificamente com a Secretaria Municipal de Finanças na reforma da Planta Genérica de Valores e na definição das alíquotas do IPTU nas diversas regiões.

RECURSOS

O Programa de Fortalecimento Financeiro envolveu gastos adicionais na ordem de R$ 80 mil, ou seja, 5,6% dos recursos do orçamento municipal. Este valor foi utilizado basicamente para a elaboração do orçamento com participação da comunidade. As demais atividades estão relacionadas a alterações institucionais-legais que não implicam em grandes custos. Além disso, as atividades de fiscalização tributária não envolveram custos adicionais, mas simplesmente a realocação da mão-de-obra já disponível.

Além dos recursos materiais, o Programa de recuperação financeira da administração municipal envolve todo o quadro de funcionários da secretaria de finanças.

RESULTADOS
A experiência de Vitória da Conquista aumentou a arrecadação própria municipal, recuperando a confiança da sociedade civil e buscando a eqüidade no sistema tributário local.

Para recuperar a confiança da sociedade civil, o caminho encontrado foi aumentar a transparência das ações do governo e criar canais de participação popular como o orçamento participativo. Há outras alternativas além do orçamento participativo como a criação de fóruns específicos que podem tratar apenas de finanças, ou educação, saúde e suas fontes de financiamento. Outra medida que também auxiliou na recuperação da imagem do governo foi a divulgação dos recursos gastos em atividades, programas e obras.

Mesmo com diferenciação das alíquotas e a remissão do IPTU para famílias carentes, observou-se um aumento significativo na arrecadação deste tributo. De 1996 para 1997, houve um acréscimo de 18%; de 97 para 98, o acréscimo foi ainda mais intenso: 96%. Se observarmos o intervalo 96-99, o acréscimo foi de aproximadamente 215%.

Depois de implementada a metodologia de estimativa para os prestadores de serviços, a arrecadação do ISS também cresceu expressivamente: o aumento de 1996 para 1998, foi da ordem de aproximadamente 55%.

Pela tabela abaixo também é possível verificar que a arrecadação própria total aumentou mais que proporcionalmente à receita total, o que demonstra o esforço do governo local em termos de realizar uma política tributária mais agressiva.

Além da maior eficiência em termos de arrecadação, um dado importante que comprova a justiça tributária é que 16% dos maiores contribuintes representam 66% da arrecadação própria.

Quadro: Arrecadação Municipal*

Ano

1996

1997

1998

1999**

ISS

2.200.000

2.600.000

3.400.000

IPTU

635.000

677.000

1.330.000

2.000.000

Receita Própria

5.000.000

8.000.000

10.000.000

Receita Total

30.000.000

42.000.000

48.000.000


*Valores aproximados

**Valores estimados


 

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