Indicadores de arrecadação permitem avaliar se o município, ao aumentar sua arrecadação, atingiu sua capacidade contributiva máxima ou se ainda há potencial de arrecadação não aproveitado.Autor: Eduardo de Lima Caldas
Consultor: Jorge Kayano

Indicadores de arrecadação permitem avaliar se o município, ao aumentar sua arrecadação, atingiu sua capacidade contributiva máxima ou se ainda há potencial de arrecadação não aproveitado.Autor: Eduardo de Lima Caldas
Consultor: Jorge Kayano

Indicadores são instrumentos importantes para controle de gestão e verificação de eficiência e eficácia também na administração pública, por permitirem comparar situações entre municípios ou entre períodos diferentes de um mesmo município. Os indicadores, de certa forma, podem ser vistos como fotografias. Ou seja, pode-se comparar fotografias de um mesmo município em períodos diferentes e observar as modificações ocorridas, e pode-se também comparar fotografias de municípios diferentes e constatar suas diferenças apesar de fatores estruturais semelhantes.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), por exemplo, é um índice que apresenta características interessantes, dentre as quais: é um índice composto por três indicadores; utiliza-se da normalização dos valores; pondera os indicadores; e permite a comparação entre países.

Os indicadores utilizados no IDH são longevidade, nível de conhecimento e renda. A longevidade é expressa a partir da esperança de vida ao nascer; o nível de conhecimento, por sua vez, é expresso pela combinação de dois conjuntos de indicadores – escolarização, composto pela quantidade de matrículas nos ensinos fundamental, médio e superior dividida pelo número de pessoas em idade escolar; e taxa de alfabetização de adultos. Além da longevidade e do nível de conhecimento, o IDH também é composto por um bloco de indicadores que expressam a renda (verificado a partir da renda per capita de cada país).

Em âmbito municipal, há diversos índices relativos às áreas social e econômica. O Instituto Pólis, por exemplo, criou uma série de índices sociais que permitem avaliar a gestão municipal, dentre os quais, destacam-se o Índice Social Municipal e o Índice de Gestão, ambos criados para os 49 maiores municípios do Estado de São Paulo (com mais de 100 mil habitantes, em 1991). O Índice Social Municipal, especificamente, é composto por 16 indicadores, divididos em seis índices sintéticos: renda, habitação, ambiental, alfabetização, saúde, educação, e permite comparar os 49 municípios mencionados, entre si.

A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo -FIPE-USP-, por sua vez, desenvolveu um Indicador Financeiro Municipal, composto por cinco índices distintos: Grau de independência financeira municipal (RTP/(RTP+TC)); Índice de Liquidez de Curto Prazo I (Salários e Encargos/RTP); Índice de Liquidez de Curto Prazo II (Salários e Encargos/(RTP+TC)); Índice de Endividamento de Curto Prazo (Dívida Flutuante/Receita Total); Índice de Endividamento de Longo Prazo (Dívida Fundada / Receita Total) (RTP = Receita Tributária Própria; TC = Transferências Correntes).

Esses cinco índices possuem ponderações diferentes e seu resultado conjunto permite verificar a situação financeira do município. Para chegar ao valor final, calcula-se esses cinco índices para dois anos diferentes e divide-se os resultados do ano mais recente pelo resultado do ano mais longínquo (R1/R0). O resultado maior que um representa uma melhoria na situação financeira municipal; o resultado menor que um, por sua vez, representa uma piora da situação financeira municipal.

Voltando à analogia com as fotografias, observa-se que os dois primeiros índices apresentados (IDH e Índice Social Municipal) são, inicialmente, comparações de fotografias de lugares diferentes num determinado período. Ambos possibilitam a comparação no tempo, uma vez que esses índices foram elaborados para mais de um ano. O IDH por exemplo, foi elaborado para 1970, 1980 e 1991.

CARACTERÍSTICAS

Para a elaboração de qualquer indicador, é importante observar alguns parâmetros, dentre os quais:

a) Comparabilidade – Os indicadores devem permitir a comparação temporal e espacial;

b) Disponibilidade da informação – as bases de dados devem ser acessíveis e, de preferência, devem constituir séries históricas, para permitir, ao mesmo tempo, a comparação entre fatores (fotografias de pessoas diferentes), e evolução, no tempo, do desempenho (fotografia de uma mesma pessoa em diferentes épocas);

c) Normalizados – Os resultados dos indicadores devem ser traduzidos para uma escala adimensional. Esse procedimento permite uma mescla entre diferentes indicadores;

d) Quantificáveis – Os indicadores devem ser traduzidos em números, sem o demérito da análise qualitativa. Aliás, os indicadores quantitativos devem facilitar uma análise qualitativa do desempenho da gestão;

e) Simplicidade – O indicador deve ser de fácil compreensão. Deve-se observar, entretanto, que os indicadores são tentativas até pretensiosas de retratar ou expressar de maneira muito sintética determinados fenômenos e processos complexos.

CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

O conceito de capacidade contributiva está diretamente relacionado com a possibilidade de aumentar a receita tributária própria municipal, de acordo com a capacidade de contribuição de seus habitantes. Portanto, em termos teóricos, esse conceito se relaciona com o princípio da produtividade fiscal e com o princípio da eqüidade (justiça) fiscal, que busca tratar com igualdade os contribuintes iguais (eqüidade horizontal) e, garantir que os contribuintes desiguais sejam diferenciados segundo alguns critérios estabelecidos (eqüidade vertical).

O desenvolvimento de um índice de capacidade contributiva municipal pode fornecer parâmetros objetivos de avaliação das potencialidades e limites de elevação da receita própria dos municípios brasileiros. Trata-se de um instrumento importante para avaliar se o custo advindo de uma reforma tributária municipal é maior que o benefício trazido por ela em termos de aumento da arrecadação.

Do ponto de vista administrativo, há uma questão de ordem prática. Trata-se de verificar em que medida os custos advindos de investimentos voltados para a modernização da administração tributária municipal serão compensados pelo aumento de arrecadação. Portanto, há necessidade de verificar a capacidade contributiva municipal.

METODOLOGIA

O Índice de Capacidade Contributiva Municipal é um índice relativo. Portanto, mesmo que queiramos estudar ou verificar a posição de poucos municípios, há necessidade de calcular os Índices para um conjunto mais amplo de municípios, seja este um Estado, uma Região ou, como é o caso proposto, o País inteiro.

Neste trabalho, por exemplo, apresentamos apenas os valores relativos a 19 dos 42 municípios apoiados pelo Programa de Modernização de Administração Tributária – PMAT – desenvolvido pelo BNDES. Entretanto, para a verificação dos indicadores desses poucos municípios foi necessário verificar a capacidade contributiva de todos os municípios existentes no Brasil em 1991.

Inicialmente foi calculada a Capacidade Contributiva Bruta (referente a 1991) dos municípios (coluna C da Tabela 1); em seguida, a Capacidade Contributiva Atualizada para 1996 (coluna E).

A Capacidade Contributiva Bruta é um Índice composto pela Renda Familiar Média per capita (em salários mínimos de setembro de 1991) e pela parcela da população municipal com renda insuficiente, ou seja, inferior a meio salário mínimo. Os dados foram obtidos do IDH-M elaborado pela Fundação João Pinheiro, IPEA e IBGE, com informações advindas do Censo Demográfico realizado pela Fundação IBGE em 1991.

Observa-se que há uma relação muito alta entre renda e riqueza, sendo que a riqueza é historicamente ainda mais concentrada que a renda, de modo que há um conceito de justiça tributária embutido no conceito de Capacidade Contributiva Municipal, quando se sabe que este se utiliza do parâmetro renda para aferir a capacidade de contribuição tributária municipal. Considera-se ainda que dois tributos municipais (IPTU e ITBI) incidem diretamente sobre a riqueza.

Como a base de dados é referente a 1991 – Censo Demográfico do IBGE – foi preciso atualizar esse Índice. Daí, surge o conceito de Capacidade Contributiva Atualizada. A Capacidade Contributiva Bruta foi atualizado de acordo com a transferência de ICMS per capita (valores em reais de 1996), apresentado na coluna D. Essa variável foi escolhida porque está diretamente relacionada com a atividade econômica municipal e está disponível para todo o País concentrada numa única base de dados. Deve-se considerar que há problemas como a defasagem de dois anos para apuração do índice e uma disparidade muito grande entre os municípios. Para amenizar o segundo problema, aplicou-se logaritmo ao valor da transferência do ICMS per capita, e estabeleceu-se limites máximos às alterações dos valores referentes à Capacidade Contributiva Bruta (mais ou menos 20%).

DESEMPENHO TRIBUTÁRIO SEGUNDO A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

Para conhecer o desempenho do município em termos de arrecadação tributária, é preciso dividir o valor das receitas tributárias próprias per capita pelo valor encontrado da Capacidade Contributiva Atualizada. Para conhecer o desempenho de cada item da receita tributária própria, utiliza-se o mesmo procedimento para cada item da receita: IPTU, ITBI, ISS, Taxas e Contribuição de Melhoria. A tabela (veja box) apresenta alguns indicadores importantes que expressam o esforço tributário municipal, dentre os quais: desempenho tributário global (coluna G), e desempenho do IPTU (coluna I). Apresenta também a receita tributária per capita (coluna F) e o IPTU per capita (coluna H).

Para leitura da tabela, deve-se considerar a Capacidade Contributiva Atualizada para valores de 1996 (coluna E), que padroniza os municípios em ordem descendente, o "divisor de águas" em termos de análise. Do lado direito da CCA estão, inicialmente as variáveis endógenas (colunas A e B) da CCB 91 (coluna C), o ICMS per capita com valores atualizados para 1996 (coluna D) que permite atualizar a CCB 91. Do lado direito da CCA 96, estão quatro indicadores: receita tributária per capita (coluna F), desempenho tributário global (coluna G), IPTU per capita (coluna H) e Desempenho do IPTU (coluna I).

COMPARABILIDADE

Vista a disparidade sócio-econômica regional, é preciso criar parâmetros para comparar municípios. A partir de uma análise inicial para mais de 4.118 municípios de todo País, disponíveis na BIM – Base de Informações Municipais, os municípios foram divididos em grupos populacionais. A partir daí foram feitas as médias de cada uma das Receitas para cada grupo, que são, portanto, o padrão de referência para os municípios participantes dos referidos grupos.

Utilizando a tabela (veja box), será possível comparar alguns municípios, dentre os quais, Contagem e Serra. Ambos são municípios vizinhos de capitais estaduais. Contagem está na região metropolitana de Belo Horizonte (MG), e possui 492 mil habitantes; e Serra está próxima a Vitória (ES) e conta com 270 mil habitantes. Portanto, ambos são municípios com mais de 200 mil habitantes. Antes de qualquer comparação, deve-se observar que apenas 103 municípios brasileiros, incluindo as capitais, possuem mais de 200 mil habitantes, ou seja, aproximadamente 1,9% dos municípios do país.

Para os municípios com mais de 200 mil habitantes, excluídas as capitais, constatou-se que a média populacional é 362 mil, a Capacidade Contributiva Atualizada Média para 1996 é 3,61. Sobre a receita municipal, constatou-se, para esse padrão de municípios, que a receita total média é R$ 306 per capita, sendo que a receita tributária média é R$ 78,20 per capita, representando, em média, 23,8% da receita total municipal. Apesar da alta dependência das transferências constitucionais, observa-se que há uma relação inversa entre o tamanho do município e a dependência de transferências constitucionais, ou seja, quanto maior o município, menor é sua dependência com relação às referidas transferências. Também foi possível observar que a média do Desempenho Tributário Global para essa parcela de municípios atingiu o índice de 19,6 sendo que a referência para o desempenho global é 30, ou seja, há um hiato muito grande e, portanto, um grande potencial para melhorar o desempenho tributário desses municípios. Também foi possível observar que 88% desses municípios estão abaixo da referência (30). Especificamente para o IPTU, constatou-se que o Desempenho médio é de 7,6 e a referência é 12, ou seja, para o município que está exatamente na média, é possível uma melhoria de 58% em termos de arrecadação de IPTU.

Apresentados os dados gerais para os municípios com mais de 200 mil habitantes, excluídas as capitais, podemos observar o desempenho dos dois municípios citados: Contagem e Serra. Observa-se, por exemplo, que embora Contagem tenha uma receita tributária na ordem de R$ 67 per capita, ou seja R$ 7 a mais que Serra, o Desempenho Tributário Global de Contagem está abaixo do desempenho de Serra, o que significa dizer que o potencial tributário de Contagem deve ser melhor explorado. Observa-se ainda que os dois municípios estão acima do Desempenho Global médio (19,6), e abaixo do Desempenho Global de Referência (30).

RESULTADOS

O Indicador de Capacidade Contributiva Municipal permite avaliar melhor algumas propostas municipais com relação à melhoria da arrecadação tributária local. Vitória da Conquista, por exemplo, apresentou um aumento significativo de sua receita e mereceu o reconhecimento público por suas ações nas áreas tributária e adminstrativa, aumentando a eficiência da máquina arrecadatória, racionalizando gastos do governo, publicizando as decisões relativas a alocação de recursos, e sobretudo, quebrando uma espécie de "inércia de arrecadação" e rompendo uma cultura de não pagamento de tributos. Apesar disso, adotando como parâmetro, o Índice de Capacidade Contributiva Municipal, percebe-se que o aumento da receita municipal em Vitória da Conquista foi relativamente baixo, quando comparado com outros municípios de seu porte e tendo em vista a capacidade de contribuição de sua população.

Deste modo, portanto, o Índice de Capacidade Contributiva Municipal se diferencia dos demais. Quando se compara o desempenho de arrecadação com períodos anteriores em um mesmo município, percebe-se muitas vezes um aumento brutal de arrecadação. Deste modo, esquece-se que o aumento marginal da arrecadação é decrescente, exigindo mais esforço quanto mais alto for o patamar arrecadatório. Desse modo, deve-se relativizar o esforço de arrecadação de um município que, hipoteticamente, aumenta sua arrecadação própria passando de R$ 100 per capita para R$ 150 per capita (aumento de 50%), quando a capacidade de contribuição de sua população poderia elevar esse montante para R$ 200. Do mesmo modo, deve-se prestigiar o aumento de arrecadação de um município, também hipotético, que passa de R$ 150 para R$ 180 (apenas 20%), quando a capacidade de arrecadação de sua população também é de R$ 200 e a arrecadação média dos municípios de seu porte é de R$ 150.

Há casos, por exemplo, que na mudança de gestão administrativa, o município diminui sua arrecadação em 50% e, depois, com uma elevação de 100% da arrecadação, volta ao patamar anterior. É um esforço para chegar aonde já se estava. Nestes casos, não se trata necessariamente de uma potencialização da arrecadação municipal.

Ainda assim, voltando para um caso concreto, apesar de Vitória da Conquista estar abaixo de seu potencial de arrecadação, o traço mais importante da política implementada neste município foi, sem dúvida, desenvolver uma política tributária ativa que busca romper uma tradição de não contribuição tributária que mantém e reforça as relações clientelistas nos âmbitos local e estadual.

Quadro: Capacidade Contributiva Municipal
Seleção de Municípios participantes do PMAT

Município

UF

RFpcM

R Insuf

CCB91

ICMSpc96

CCA96

RTpc

D.Tr.G

IPTUpc

DesemIPTU

Coluna

 

A

B

C

D

E

F

G

H

I

1. Vitória

ES

2,55

22,0

4,86

283

5,27

233

44,2

30

5,7

2. Rio de Janeiro

RJ

2,56

21,2

4,90

104

4,99

224

44,9

61

12,2

3. Niteroi

RJ

3,19

18,2

5,25

62

5,17

184

35,6

74

14,4

4. Curitiba

PR

2,56

13,5

5,12

90

5,17

183

35,3

55

10,5

5. Belo Horizonte

MG

2,34

24,4

4,57

62

4,50

180

40,0

59

13,1

6. Volta Redonda

RJ

1,40

27,0

3,47

333

3,80

134

35,1

53

13,9

7. Recife

PR

1,74

43,6

3,36

101

3,42

125

36,6

37

10,8

8. Juiz de Fora

MG

1,78

26,9

3,89

74

3,88

109

28,1

52

13,4

9. Manaus

AM

1,55

30,4

3,54

170

3,72

86

23,2

8

2,3

10. Contagem

MG

1,20

30,6

3,15

192

3,34

67

20,1

16

4,9

11. Natal

RN

1,45

40,2

3,15

61

3,10

60

19,5

16

5,3

12. Serra

ES

0,97

42,0

2,57

174

2,71

60

22,1

12

4,3

13. Cuiabá

MT

1,79

29,8

3,82

(ND)

3,82

58

15,2

16

4,1

14. Fortaleza

CE

1,33

48,2

2,79

75

2,78

53

18,9

13

4,7

15. Belém

PA

1,49

37,1

3,28

66

3,25

52

15,9

14

4,4

16. Teresina

PI

1,01

56,5

2,20

61

2,17

29

13,3

6

3,0

17. Petrolina

PE

0,82

62,8

1,81

49

1,76

28

16,1

5

2,8

18. Campina Grande

PB

0,89

58,0

2,03

64

2,00

20

9,8

6

2,8

19. Vitória da Conquista

BA

0,81

59,5

1,90

39

1,81

15

8,5

3

1,4

Desempenho Tributário Global = Receita Própria Tributária / CCA96


FONTES DE INFORMAÇÃO

IBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Populacional. 1991.

IBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. BIM – Base de Informações Municipais. 1996.

KAYANO, Jorge, e CALDAS, Eduardo de Lima. Operacionalização do conceito de "Capacidade Contributiva" e sua apicação na Avaliação de Desempenho da Gestão Tributária dos Municípios. São Paulo. Instituto Pólis. 1999. (mimeo).

NUNES, Márcia Cavallari. Como avaliar a administração municipal. IN: Município Moderno. Brasília. MM Publicações. 1998.

SOUTO, Anna Luiza Salles, KAYANO, Jorge e outros. Como reconhecer um bom governo? O papel das administrações municipais na melhoria da qualidade de vida. São Paulo. Instituto Pólis. 1995.

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