Programas de renda mínima resultam em redistribuição de renda e na melhoria das condições de vida da população. Além disso, ajudam a enfraquecer práticas clientelistas.Autor: José Carlos Vaz

Programas de renda mínima resultam em redistribuição de renda e na melhoria das condições de vida da população. Além disso, ajudam a enfraquecer práticas clientelistas.Autor: José Carlos Vaz

Não é necessário lembrar que a distribuição de renda brasileira é perversamente injusta, levando milhões de famílias a viverem em situação de extrema penúria, com conseqüências dramáticas principalmente para as crianças.

Mudanças na distribuição de renda dependem muito mais da gestão de variáveis de caráter macroeconômico, fora do alcance dos governos locais. Estes governos, no entanto, podem influir significativamente neste quadro, através de suas políticas sociais. A adoção de programas que garantam uma renda mínima (PGRM) é uma das estratégias de maior impacto. Inicialmente proposta pelo senador Eduardo Suplicy para o governo federal (ainda não adotada), a idéia tem se disseminando pelo País: em vários estados e municípios há leis em tramitação e, em alguns, os programas já estão em funcionamento.

A GARANTIA DE RENDA MÍNIMA
Programas de garantia de renda mínima (PGRM) são instrumentos de política social que garantem aos cidadãos beneficiados disporem de um valor mínimo de renda em dinheiro. Caso a renda do cidadão não alcance o mínimo determinado, ele recebe um complemento financeiro para que sua renda atinja aquele patamar. Os recursos para a concessão de benefícios vêm de rubricas do orçamento público destinadas ao programa. Por isso, a Garantia de Renda Mínima também é chamada de Imposto de Renda Negativo. O acesso ao benefício pode ser livre ou vinculado. Ou seja, pode-se definir que todos os cidadãos que não possuam a renda no patamar mínimo podem receber o benefício, ou somente terão acesso aqueles que satisfizerem algumas condições complementares. Com isso, pode-se conseguir que as famílias beneficiadas tomem iniciativas que contribuam para o rompimento do ciclo de miséria a que foram submetidas.

A participação dos cidadãos nos programas deve ser, preferencialmente, vinculada a compromissos seus com ações voltadas a seu desenvolvimento pessoal e familiar: mais comumente, apresenta-se, nesta hipótese, a obrigatoriedade de manutenção de crianças na escola. Outras formas podem ser a participação em programas de saúde preventiva (especialmente para gestantes), participação de cidadãos desempregados em atividades profissionalizantes ou de reciclagem funcional, participação em grupos locais de ajuda mútua, participação em cursos de alimentação alternativa.

REVISÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS
É equivocado entender que mecanismos de garantia de renda mínima substituem o conjunto das ações sociais do governo. É necessário que o benefício monetário seja acompanhado de outros programas sociais. Na verdade, o programa de renda mínima é apenas mais um dentre os instrumentos de que o governo dispõe para produzir ações coordenadas na área social. Não pode ser adotado, portanto, como um programa isolado das demais políticas sociais. Pelo contrário, a infra-estrutura e as ações realizadas para sua aplicação podem ser um valioso instrumento de política social.

É possível, no entanto, que em determinadas situações, alguns programas no campo da assistência social possam ser desativados em função da implantação do PGRM. Esta probabilidade é maior no caso de programas de caráter mais assistencialista. A implantação do PGRM pode ser urna oportunidade de rever e redesenhar as políticas de assistência social adotadas pelo município.

CUIDADOS
Os críticos da adoção do PGRM têm três tipos de argumentos básicos que, apesar de não serem obstáculos impeditivos da implantação do programa, exigem reflexão por parte dos governos interessados em implantá-lo:

(a)Volume de recursos necessário para o programa: Municípios com renda própria muito baixa tendem a enfrentar grandes dificuldades para implantar um programa de porte. A falta de recursos, no entanto, pode ser relativizada pela implantação gradativa do programa, começando com grupos considerados prioritários como famílias com crianças em idade escolar, com pessoas portadoras de deficiências ou com pessoas idosas. Também é necessário considerar que o PGRM pode obter recursos de outros programas sociais que ele venha a substituir. Além disso, é recomendável limitar o valor do gasto total com o programa em uma porcentagem do orçamento municipal, limitando também, se possível, o valor das despesas com a administração do programa, para impedir que estas, para cobrir ineficiências, absorvam recursos destinados aos benefícios. O valor do beneficio deve ser fixado em função da capacidade financeira do governo municipal, sendo ainda relevante atentar às características da economia local, pois os custos mínimos de sobrevivência variam de cidade para cidade.

(b)Efeito perverso de desestímulo ao trabalho: Nos países europeus em que benefícios parecidos foram implantados, grande parte das críticas situa-se no fato de que tais sistemas produziram um "confinamento" na rede de seguridade social dos beneficiários que não conseguem empregos capazes de gerar-lhes uma renda superior à garantida, mantendo a exclusão social. Entretanto, em uma realidade de desemprego estrutural como a brasileira, agravada pelo processo de globalização e incremento tecnológico, é difícil sustentar tal argumento, uma vez que muitos cidadãos não têm acesso a nenhum emprego. Neste sentido, a adoção de um PGRM ajuda a minorar as conseqüências negativas do desequilíbrio do mercado de trabalho. Logicamente, o desenho do programa deve considerar mecanismos que impeçam que as pessoas se aproveitem dele de má-fé: exemplos destes mecanismos podem ser o acompanhamento das famílias, o estabelecimento de um período máximo de permanência no programa (o que pode, em alguns casos, devolver as famílias à situação anterior) e a vinculação do benefício à participação em programas de geração de empregos e qualificação profissional. De qualquer forma, o valor de complementação que pode ser praticado na realidade brasileira é muito baixo.

(c)Dificuldades de gestão do programa: Algumas críticas apontam para a complexidade da gestão de um PGRM especialmente no tocante à criação de mecanismos justos de seleção de beneficiários. Essa dificuldade tende a se agravar para programas de abrangência estadual ou nacional. Em nível municipal é mais fácil estabelecer procedimentos de seleção confiáveis, partindo de cadastros e do conhecimento da área de bem-estar social da prefeitura. Da mesma forma, é possível criar procedimentos de acompanhamento dos cidadãos incluídos no programa.

EXPERIENCIAS

O Distrito Federal ( 1.598 hab. ) implantou um PGRM que beneficia com um salário mínimo cerca de 6 mil famílias, que se comprometem a manter seus filhos freqüentando a rede escolar. Além disso, o programa é articulado com ações setoriais no campo da alfabetização de adultos, política agrícola e colocação profissional.

Também em Salvador-BA (2.072 hab.) a prefeitura está implantando um programa semelhante, que atende famílias que tenham crianças de até 14 anos e renda per capita inferior a R$ 25 por mês.

O Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima instituído em Campinas-SP (842 mil hab.) tem como prioridade imediata atender famílias cujas crianças encontram-se em situação de risco e em condições de desnutrição. A prefeitura oferece a diferença entre a renda familiar total e a renda mínima estabelecida (R$ 35 por pessoa). O desenho do programa compreende sua interligação com outras ações da prefeitura. Assim, além de oferecer uma garantia de renda mínima em dinheiro, a prefeitura oferece prioridade de vagas em creches para as crianças incluídas no programa e une o acompanhamento das famílias beneficiadas a um trabalho sócio-educativo, orientado para sua inserção em atividades que promovam melhorias em suas condições de vida: os beneficiados pelo programa, além da obrigatoriedade de manter as crianças da família na escola, participam mensalmente de reuniões de acompanhamento e orientação social.

RESULTADOS
O resultado mais evidente gerado pela adoção de um Programa de Renda Mínima se encontra no campo da redistribuição de renda, por permitir a utilização da capacidade tributária do Estado para a promoção da justiça social.

Além dos impactos diretos de melhoria das condições de renda em aspectos como alimentação, saúde, moradia e lazer, pode decorrer da implantação de um programa de renda mínima a ampliação do acesso a serviços públicos e programas sociais pela população beneficiada. Isto pode ocorrer tanto por conta de novos serviços oferecidos, como em virtude do estabelecimento de vinculações do acesso ao benefício financeiro à participação em outros programas sociais.

O aumento de renda nas faixas mais pobres da população tende a produzir um aumento no consumo de bens populares, estimulando o desenvolvimento de um mercado de massas, dentro dos limites impostos pela inserção do município na economia regional, nacional e mundial.

O acesso ao ensino básico gerado pelo programa tende a produzir, a longo prazo, um ganho no nível de qualificação da mão-de-obra local.

Em muitos casos, a adoção de um PGRM pode significar aumento da produtividade dos gastos sociais do governo. Pode permitir que recursos despendidos em atividades-meio, muitas vezes realizadas com baixos níveis de eficiência, passem a ser aplicados em atividades-fim, direcionando o foco para o atendimento de necessidades dos cidadãos. Quando articulado a um conjunto de políticas sociais, pode aumentar a integração das ações setoriais da prefeitura.

O PGRM amplia a cidadania, contribuindo para o resgate da dignidade dos cidadãos. Além disso, contribui para o enfraquecimento das práticas clientelistas, permitindo que se retire poder dos intermediários que se apropriam das políticas sociais, ou da inexistência destas, para uso pessoal e partidário.

RENDA TOTAL E BENEFÍCIO PARA RENDA MÍNIMA
DE $ 30,00 E LIMITE MÁXIMO DE $ 100,00
(dados hipotéticos*)

Programa de garantia de renda mínima*

*BENEFÍCIO=($100 – RENDA PRÓPRIA) x 30%

 


* Publicado originalmente como DICAS nº 48 em 1995Dicas, é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Os textos buscam oferecer informações sobre técnicas e práticas de gestão que contribuam para o avanço da democracia, otimização da aplicação e uso dos recursos públicos, promoção da cidadania e melhoria da qualidade de vida.