Mídia internacional ainda não está convencida sobre quais são os motivos, mas já suspeita que exista uma determinada camada que esteja querendo voltar ao poder a qualquer custo

Por Pedro Simon Camarão

A sessão de votação do impeachment fez com que a Câmara dos deputados, que há tempos é desacreditada dentro do Brasil, se tornasse motivo de chacota no mundo todo. Os jornais internacionais deram destaque ao que disseram os deputados, “pela paz de Jerusalém”, “pelos meus filhos”, “por Deus”, “contra o comunismo”, “contra a corrupção”… A revista The Economist listou e publicou cerca de sessenta justificativas de votos. E essas declarações que foram feitas tão fora de contexto acabaram confirmando o que os veículos de comunicação europeus e dos Estados Unidos já vinham suspeitando: o processo de impeachment não está sendo julgado a partir das chamadas “pedaladas fiscais”, que foram citadas por pouquíssimos parlamentares. Os interesses que movem o impeachment são outros, essa já é uma conclusão. A mídia internacional ainda não está convencida sobre quais são os motivos, mas já suspeita que exista uma determinada camada que esteja querendo voltar ao poder a qualquer custo. Diferentemente dos jornais brasileiros, os estrangeiros não vão se basear apenas em discursos para determinar o que se passa, eles vão atrás dos fatos, informações concretas.

O jornal inglês The Guardian informou que o senador Aloysio Nunes esteve nos Estados Unidos e que se reuniria com o senador republicano Bob Corker, presidente da Comissão de Relações Internacionais e também com o subsecretário do Departamento de Estado do governo americano, Tom Shannon. O objetivo das reuniões, segundo o jornal, era explicar que o processo de impeachment não é um golpe de Estado, que ele está dentro da Constituição. A mídia brasileira não publicou essas informações, por quê? Por que a imprensa brasileira deixa os seus leitores e telespectadores no escuro?

Assim como outros veículos de comunicação, o The Guardian deu destaque ao que falou Jair Bolsonaro. A homenagem ao Coronel Ustra fez com que jornalistas estrangeiros questionassem Dilma Rousseff na última entrevista coletiva para correspondentes internacionais. A partir da sua resposta, ela foi descrita como uma mulher forte, acostumada a grandes adversidades e destemida.

Depois do susto causado pela sessão da Câmara que foi chamada de “circo” e de “telenovela”, e continua a reverberar fora do país, a mídia internacional buscou especialistas em política, economia e história do Brasil para que fosse possível publicar análises embasadas e não ligadas a qualquer corrente ideológica. O canal de notícias francês “itele” entrevistou a historiadora e professora da Sorbonne, Armelle Enders, que classificou o que acontece no Brasil como um golpe de uma parcela da elite brasileira que deseja voltar ao poder. O jornal francês Libération entrevistou Gaspar Estrada, diretor do Observatório Político da América Latina e Caribe (OPALC). O pesquisador disse que a Câmara e os antigos aliados políticos de Dilma se posicionam contra ela por causa de “sólidas inimizades” que foram criadas na demissão de onze ministros suspeitos de corrupção assim que ela assumiu o governo. Ao mesmo tempo, ele diz que esses dirigentes políticos e congressistas adversários da Presidenta assumem tal postura por não quererem nenhum tipo de mudança no sistema político brasileiro. O jornal Le Figaro entrevistou Kostas Vergopoulos, professor emérito de Ciências Econômicas na Universidade Paris VIII. Vergopoulos falou que existe um risco de a democracia brasileira ser afetada e ressaltou: o que acontece no Brasil pode ter consequências em toda a América Latina e também no mundo.

O jornal New York Times publicou artigo do brasileiro Celso Rocha Barros, doutor em Sociologia pela Universidade de Oxford, que dizia no título que o impeachment de Dilma não é um golpe, é uma cortina de fumaça. Na opinião dele, todo esse processo beneficiaria os políticos corruptos que querem esconder o quanto o sistema político brasileiro está em ruínas. O inglês The Guardian publicou editorial no qual classifica o impeachment de Dilma como um escândalo e uma tragédia. O preço de permitir e dar apoio para que políticos suspeitos de corrupção façam o que querem e o que bem entendem com a democracia brasileira pode ser alto demais. A publicação do jornal britânico lembra que em 1941 o escritor austríaco Stefan Zweig apelidou o Brasil de “o país do futuro”. Isso em função de todos os recursos, a beleza, o isolamento de guerras e de problemas que outras nações enfrentam, mas o Brasil nunca conseguiu se estabelecer como tal.

Conversando sobre política com franceses de classe média, fui surpreendido. Primeiro, porque o cidadão médio francês enxerga o seu próprio país com muito desânimo. Não se sentem representados pelos seus políticos, não enxergam muitas possibilidades de ascensão social, identificam a França como um país rico que já não é mais tão importante globalmente. O que mais surpreendeu foi a visão que eles têm do Brasil, apesar de saberem que o país tem dificuldades, o encaram como uma nação jovem e dinâmica, capaz de crescer, gerar riqueza, o que na França é quase impossível.

O que fica de lição é que o Brasil do futuro precisa ser construído. Não adianta apelar para medidas rápidas, como a troca de um governo. É preciso compreender o sistema político e pressionar para que ele seja reformado. Senão, os poderosos vão continuar gozando de liberdades, e regalias. É preciso exigir reforma fiscal, do contrário sempre viveremos em um sistema injusto. É preciso lutar por igualdade judicial para que a lei seja igual para todos. É preciso pensar o Brasil. Só mudando o sistema chegaremos perto do “país do futuro”.

Pedro Simon Camarão é jornalista, correspondente da Fundação Perseu Abramo em Paris