Para que a implantação do programa de renda mínima tenha sucesso, devem-se discutir objetivos, critérios, acompanhamento e recursos disponíveis, num processo que envolva os vários setores da prefeitura e toda a sociedade.Autor: José Carlos Vaz

Para que a implantação do programa de renda mínima tenha sucesso, devem-se discutir objetivos, critérios, acompanhamento e recursos disponíveis, num processo que envolva os vários setores da prefeitura e toda a sociedade.Autor: José Carlos Vaz

O Programa de Garantia de Renda Mínima – PGRM – tem sido apontado como instrumento de combate à miséria . Sua implantação, no entanto, não é simples: exige um planejamento detalhado, uma série de ações do governo, e uma constante avaliação.

COMO IMPLANTAR

Para se implantar o PGRM é preciso investir em várias ações preparatórias e clarear algumas definições, principalmente as que dizem respeito aos objetivos e às características básicas do programa. Essas definições não podem fugir do foco de combate à miséria, mas podem eleger públicos prioritários.

Pelo seu significado e impacto, o PGRM precisa ser discutido em profundidade internamente à prefeitura e com o Legislativo Municipal, sempre envolvendo toda a sociedade. O processo de discussão e formulação do PGRM pode se deter na elaboração de um mecanismo que garanta a renda mínima ou, de forma mais ampla, compreender a criação de novos mecanismos de política social, chegando, preferencialmente, a uma revisão das políticas praticadas pelo governo municipal. Como produto dessa etapa de formulação do programa, obter-se-á uma proposta preliminar que deverá ser transformada em projeto de lei de instituição do PGRM. Quanto mais se discutir esta proposta com a sociedade, maiores serão a adesão e a colaboração de entidades. Essa adesão tende a ser mais útil quando o PGRM estiver integrado a outros instrumentos de política social, aumentando a necessidade de parcerias.

Uma vez definidas as características básicas do programa, pode-se planejar sua implantação. É aconselhável que isto seja realizado de maneira gradual, estabelecendo critérios para escolher por onde começar. Pode-se iniciar por uma região da cidade, com as famílias que já façam parte do público de alguma outra iniciativa ou com famílias que satisfaçam determinadas condições. Quando o atendimento aos primeiros beneficiados estiver consolidado, pode-se pensar na ampliação do volume de cidadãos beneficiados.

Uma vez definido o plano de implantação, é necessário compor a equipe de operação do PGRM. Pelo seu caráter, essa equipe deverá ser intersetorial, envolvendo funcionários das áreas de ação social, educação, saúde, desenvolvimento local geração de emprego e de renda e finanças. A atribuição das funções de coordenação do programa deve considerar a capacidade de se trabalhar intersetorialmente. Se as secretarias setoriais não tiverem condições de assumirem esta intersetorialidade, é aconselhável que a coordenação fique com o gabinete do prefeito, com secretaria de governo ou outro órgão de caráter semelhante. Um PGRM exige a formação de um cadastro de cidadãos de baixa renda para atribuição do benefício. Esse cadastro pode partir de outros cadastros existentes (da prefeitura, de órgãos do governo estadual e de entidades da sociedade). Uma vez confeccionado, pode servir de base para outras ações. O cadastramento pode ser utilizado como oportunidade de fazer com que a própria sociedade se mobilize, através de suas instituições, reflita sobre as condições geradoras e conseqüências das situações de miséria e promova algumas ações de combate.

Antes da implantação, também é preciso definir o sistema de controle que será utilizado. Um cuidado importante é não criar um sistema por demais complexo e burocratizado. O ponto mais importante do controle da destinação dos benefícios será o acompanhamento social das famílias beneficiadas, e não um controle rígido baseado em documentos e procedimentos administrativos.

O acompanhamento dos beneficiários deve ser integrado à avaliação do programa. Para isso é necessário desenvolver sistemas de acompanhamento personalizado do desempenho escolar, das condições de saúde e da situação econômica e social das famílias. Esses sistemas devem permitir que se identifiquem os resultados concretos do PGRM para melhorar as condições de vida dos cidadãos beneficiados, além de permitir a identificação de ações complementares exigidas.

Para garantir transparência junto à sociedade, é recomendável instituir uma instância de acompanhamento do programa, como um conselho de gestão do PGRM, composto por representantes de entidades com profunda legitimidade social, abrangendo um espectro o mais amplo possível. Este conselho pode, inclusive, participar da definição de prioridades e critérios de atribuição de benefícios.

Outro conjunto de definições importantes são os procedimentos de pagamento dos benefícios. Devem considerar o cumprimento da comprovação das exigências do programa sem submeter os cidadãos a uma maratona mensal de guichês, filas e fluxo de papelada. Programas que contem com um trabalho de acompanhamento mensal das famílias beneficiadas podem aproveitar as reuniões ou a participação em eventos para realizar os pagamentos ou vincular o comparecimento ao recebimento.

A forma de pagamento mais recomendada é o crédito em conta corrente. Se não for possível fazê-lo, pode-se entregar cheques nominais aos beneficiários.

Uma grande série de ações complementares podem ser exigidas, de acordo com o desenho adotado para o programa. Um programa que não se limite a oferecer apenas o beneficio pecuniário, mas envolva outras ações no campo do desenvolvimento social (como educação, prevenção e educação em saúde, geração de emprego, formação para a cidadania, atenção a crianças e adolescentes), deverá prever a preparação dessas ações, ao mesmo tempo em que se prepara a implantação do fornecimento do beneficio pecuniário. Há portanto, a necessidade de um trabalho intenso de coordenação das diversas ações e de integração das equipes envolvidas, que continuarão sendo pré-requisitos para a operação do PGRM e de todas as outras ações que farão parte de uma Política Municipal de Combate à Miséria.

CONTEÚDO DA LEI

Beneficiários: Esta definição deve ser fruto das prioridades estabelecidas e dos objetivos do programa. A lei deve definir, claramente, em que condições as famílias poderão pleitear o beneficio. Trata-se, portanto, dos critérios de acesso ao programa (condições familiares, prazo de residência, situação escolar de crianças e adolescentes etc.). Como cuidado para evitar que a adoção do benefício gere um surto de migração para o município que este não tenha condições de absorver, é comum que as leis de PGRM utilizem o mecanismo de vincular o beneficio a determinado tempo de residência, mas não há unanimidade neste ponto.

Critérios de exclusão:
Os cidadãos que não se enquadrarem nas condições de acesso estabelecidas devem ser excluídos. Entretanto, a realidade tem mostrado que nem sempre a exclusão automática é o melhor caminho. Portanto, a exclusão deve considerar não só o cumprimento formal das condições mínimas, mas também as particularidades de cada caso (por exemplo, dificuldades de uma família em manter um dos filhos na escola, mas seu sucesso com os demais) e as possibilidades de estimular os beneficiários a buscar ocupações (neste caso, por meio da manutenção temporária do benefício ou de parte dele para aqueles que conseguirem trabalho que eleve seu patamar de renda acima do mínimo exigido).

Gestão do programa: Para o estabelecimento dos procedimentos operacionais, é mais recomendável que a prefeitura utilize-se de um decreto. Entretanto, alguns pontos centrais da gestão devem ser definidos na própria lei, garantindo a transparência dos procedimentos de seleção e comprovação de renda, permitindo que entidades da sociedade tenham acesso às informações e participem da fiscalização.

Tempo de permanência no programa: É recomendável estabelecer um prazo máximo para o recebimento do benefício. A partir do término desse prazo, ele pode ser interrompido subitamente ou reduzido gradualmente (por exemplo, a partir de certo tempo o benefício é reduzido à metade e depois interrompido ou decrescido mais ainda). Nos programas que vinculem seu acesso à permanência de crianças na escola, esse prazo máximo não pode ser curto demais, para não estimular a evasão escolar na saída do programa.

RECURSOS

No que diz respeito a recursos, a lei deve tratar de vários pontos:

Valor da renda mínima: É o valor mínimo de renda familiar ou per capita que se pretende que todos cidadãos disponham. Para seu estabelecimento, deve-se considerar os valores necessários, nas condições locais, para permitir um mínimo de dignidade nas condições de vida dos cidadãos.

Valor do benefício: Deve ser fixado em função de duas variáveis – a capacidade financeira do governo municipal e as características do mercado local. Este valor pode ser fixo por cidadão ou família (por exemplo, um salário mínimo por família com qualquer número de filhos), o que é mais fácil operacionalmente, mas pode gerar distorções. Mais difundida tem sido a idéia de que o benefício corresponda a uma complementação da renda mínima per capita ou familiar, com o PGRM oferecendo a diferença entre a renda auferida e o valor considerado mínimo para a renda. A título de estímulo à busca de trabalho, algumas propostas sugerem que essa complementação seja calculada com o uso de um redutor (por exemplo, com o benefício correspondendo a 30% da diferença entre uma renda mínima de 200 e a auferida, uma família com renda igual a 50 receberia 45 como benefício e teria renda final de 95, enquanto uma família com renda igual a 100 receberia como benefício 30, tendo renda final de 130).

Correção do valor dos benefícios: É importante criar mecanismos de correção automática do valor do benefício, para que não perca o significado em função da inflação.

Alocação de Recursos: É recomendável vincular os recursos a uma porcentagem do orçamento municipal. É aconselhável que a lei preveja crescimento do volume de recursos disponíveis, da porcentagem do orçamento reservada ao PGRM e/ou do valor real dos benefícios na mesma proporção do crescimento das receitas municipais.

Critérios de expansão: A lei deve determinar como poderá ser feita a ampliação do programa, estabelecendo níveis de prioridade para o atendimento de novos públicos.


* Publicado originalmente como DICAS nº 50 em 1995.
Dicas, é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Os textos buscam oferecer informações sobre técnicas e práticas de gestão que contribuam para o avanço da democracia, otimização da aplicação e uso dos recursos públicos, promoção da cidadania e melhoria da qualidade de vida.