Manifestação reúne 300 pessoas na Praça da República, em Paris
Praça da República, em Paris, recebe manifestantes em defesa da democracia, do Estado de Direito no Brasil e da presidenta Dilma
Por Pedo Simon Camarão
“Não temos medo de lutar. Nós lutamos pela democracia e não vamos aceitar perdê-la”, essa foi uma das primeiras falas durante a manifestação realizada na Praça da República, domingo, 17 de abril, em Paris. Esse era o clima entre os cerca de 300 brasileiros que participaram do ato. Talvez seja impossível descrever, de forma fiel, como os presentes se sentiam e o que eles queriam expressar, por isso, vou reproduzir aqui o que conversei com alguns deles.
Entre os manifestantes, um senhor negro que registrava a manifestação em um celular enquanto dizia “olha o que estão fazendo aqui para defender a Dilma, está bonito demais”. Pedi para entrevista-lo. Abel Barreto, 63 anos, é diretor do Sindicato dos Empregados Rurais de São Paulo. Ele estava de passagem pela França, vinha da Alemanha onde havia participado de um debate sobre as condições dos trabalhadores do setor de suco de laranja. Ele ainda participaria de outra conversa, sobre o mesmo tema, em Paris. Sobre o processo de impeachment, ele falou com sabedoria, “todos os governos que entram naquele país que fazem alguma política que beneficia a classe trabalhadora, tem histórico… Quem tentou construir alguma coisa para o povão sofrido do Brasil, lá vem eles de novo querendo aplicar o golpe. E o povo brasileiro conhece bem essa história.” A visão dele, que viveu a maior parte da vida na roça, de origem pobre, sobre os últimos treze anos é significativa:
“Foi histórico. Nós elegemos um trabalhador presidente da República, então, para nós foi importante porque começou a fortalecer a democracia. Através do Lula, começamos a participar mais. O povo brasileiro até então não tinha participação na vida política, social e econômica.” Ele continuou, “eu sou um trabalhador da roça, assalariado, não tinha muita noção da política mas a gente aprendeu muito no PT e na CUT. Então foi muito importante o PT, a CUT, os movimentos sociais e, para democracia. O Lula foi muito importante. Eu acho que [ele] abriu possibilidade para participação do povo na política, investiu bem na Educação. A vida social do povo melhorou. O pobre tem mais acesso às coisas que não tinha antes. Nós, antigamente, os trabalhadores, não tínhamos acesso a nada. Era uma pobreza absoluta. Com a entrada do Lula, do PT, no governo, muitas coisas melhoraram. O filho do pobre, hoje, do trabalhador rural, está fazendo faculdade, coisa que não fazia antes. Estão se alimentando melhor, viajando melhor, tendo mais alegria. Houve avanços, sem dúvida nenhuma, significativos. Queremos melhorar ainda mais, avançar ainda mais. A gente merece. E é isso o que eles não querem, né… Eles não querem que a gente avance. E outra coisa, nós não gostávamos da política, e nós estamos aprendendo a gostar dela. Aí, ninguém segura.”
Leonardo Costa, maranhense, 27 anos, mestrando em Comunicação e Cultura na Université Paris 8 comentou o processo de impeachment: “O impeachment é um golpe de Estado perpetrado pelas grandes forças econômicas do país em conluio com a oposição. Não há nenhum crime de responsabilidade. Há um deslize administrativo mas isso não significa motivação jurídica para um impeachment.” O estudante de pós-graduação acha que para mudar o Brasil outra medida é necessária: “acho que tem que haver uma reforma política com participação popular, e é um projeto, inclusive, que já é levado a cabo pela OAB e por outras organizações sociais que protocolaram um projeto de lei na Câmara. Eu acho que é esse o caminho.” Por último, sobre os anos de governos do PT: “é evidente que houve uma pequena mobilização social nas camadas sociais brasileiras. Não suficiente, pois precisa haver muito mais mudanças radicais, muito mais reformas, reforma tributária, taxando os grandes grupos econômicos mas acho que houve, sim, uma mobilização e isso com certeza incomoda grande parte da elite brasileira.”
Uma mulher, que não quis se identificar e disse apenas que tinha vindo morar na França no período da ditadura militar, explicou porque compareceu à manifestação: “Eu estou aqui, justamente, para defender a democracia. Faz anos que eu estou fora do Brasil, saí do Brasil na época da ditadura ainda com meus pais e não tenho a mínima vontade que o país volte a ser uma ditadura qualquer que seja.” Ela acha que deveria haver mais mobilização política no Brasil.
Edimar Costa, pós-doutorando, identifica uma situação absurda no Brasil: “Estamos aqui tentando defender o que resta do Estado democrático de Direito no Brasil. Esse Estado que está sendo nesse momento achincalhado por um bando de bandidos que tenta tirar à força uma presidenta democraticamente eleita com a maioria dos votos, na última eleição. Então, nós estamos aqui, não só para defender a Dilma mas defender também o Estado democrático de Direito que nós sabemos o quanto foi difícil de se conseguir no Brasil.” Costa fez um relato sobre o papel que a imprensa brasileira tem exercido: “Eu penso que, de modo geral, há vestígios de manipulação na grande imprensa brasileira. Seja ela impressa ou televisiva. E, nesse sentido, eu acho que a Globo, por ser talvez o grande canal de notícias que chega à casa de milhões de brasileiros, ela seja então esse símbolo da mídia que manipula e que não entrega a informação, que é um bem público, como deveria entregar já que se trata de uma concessão de um serviço público como outro qualquer.”
Marina Bueno de Carvalho, 31 anos, estudante de pós-graduação, denunciou o impeachment como uma enganação: “Eu acho que é uma grande farsa. Não há nada provado contra a presidenta. É uma articulação da direita corrupta para destituir a presidenta de um governo sério, voltado para a esquerda, que tem sérios problemas. Ela fez acordos com a direita, mas, de uma forma geral, é voltado para o mais pobre, para acabar com a enorme desigualdade social que existe no Brasil.”
Márcia Ângela, advogada que faz doutorado na França, denunciou nulidades no processo de impeachment.
“É uma palhaçada, né… Uma ofensa ao Estado democrático de Direito, uma ofensa ao princípio da legalidade, que é um princípio basilar do Direito, principalmente do direito penal. Está havendo uma perseguição incalculável absolutamente fora das regras do Direito. Um processo, ao meu ver, inquisitivo. Não tem lógica isso que está acontecendo. É surreal. É surreal que pessoas como Eduardo Cunha, que tem um passado de corrupção, que possam dizer que alguém tem que sair, que uma presidenta tem que sair por causa de corrupção… Enfim, é surreal isso o que está acontecendo. É um pesadelo.”
O ato ainda homenageou ao som da canção “Cio da Terra”, os camponeses, integrantes do MST que foram mortos no massacre de Eldorado dos Carajás há vinte anos. Ao final da manifestação, quem compareceu estava preocupado com o dia seguinte, em manter o movimento independente de vitória ou derrota na votação na Câmara. O que nos dá esperança e permite concluir que a luta vai continuar.
Pedo Simon Camarão é jornalista, correspondente da Fundação Perseu Abramo em Paris