Facilitar o acesso das pessoas portadoras de deficiência a transporte e locais públicos é um primeiro passo para que elas possam assumir seu lugar no mercado de trabalho e na sociedade.Autor: José Carlos Vaz
Consultora: Adriana R. de Almeida Prado

Facilitar o acesso das pessoas portadoras de deficiência a transporte e locais públicos é um primeiro passo para que elas possam assumir seu lugar no mercado de trabalho e na sociedade.Autor: José Carlos Vaz
Consultora: Adriana R. de Almeida Prado

As pessoas portadoras de deficiência (PPD) encontram dificuldades para deslocamento em todas as cidades brasileiras. As ruas, praças, edifícios públicos e sistemas de transporte geralmente não consideram as necessidades especiais de milhões de cidadãos. (A OMS – Organização Mundial de Saúde – estima que pelo menos 10% da população seja portadora de alguma deficiência.)

As conseqüências dessa situação, que muitas vezes sequer é percebida pelos dirigentes municipais, não se resumem à impossibilidade das pessoas portadoras de deficiência exercerem seus direitos de locomoção, lazer, educação e às atenções especiais para a sua saúde exigidas por sua condição. Com isso, muitas PPD, apesar de suas capacidades, não podem trabalhar. As dificuldades causadas pela falta de acessibilidade estendem-se também àqueles que, por precisarem assistir as PPD de sua família, não podem ocupar posições no mercado de trabalho.

O QUE FAZER?

Como principal responsável pelo controle e definição do planejamento físico territorial, o poder público municipal tem condições privilegiadas para realizar intervenções que permitam a ampliação dos direitos das PPD, especialmente no que diz respeito às suas condições de acessibilidade às vias e edifícios. Facilitando-se os acessos, o espaço urbano e o construído tornam-se menos hostis aos cidadãos que possuam alguma restrição às suas possibilidades de locomoção. O município pode intervir no aumento da acessibilidade por três formas: intervenções diretas no espaço construído, oferecimento de serviços de transporte e modificações na legislação.

INTERVENÇÕES DIRETAS
A prefeitura pode iniciar eliminando os bloqueios à locomoção das PPD através de pequenas obras de adaptação nos logradouros e edifícios públicos. Essas obras devem garantir o conforto e a segurança nos deslocamentos e no uso dos espaços públicos. Nos edifícios, as obras de adaptação devem prever a instalação de elevadores ou rampas de acesso e corrimãos em escadas. É necessário considerar a largura e ângulo de abertura de portas, a largura mínima de corredores e áreas de circulação. Bebedouros, telefones públicos, balcões de atendimento e outros mobiliários devem ter alturas que permitam seu uso pelas PPD. A adaptação deve se estender também a refeitórios, sanitários, auditórios, piscinas, estacionamentos e áreas de manobra.

Nos logradouros públicos, as obras de adaptação têm um duplo caráter: permitir que o cidadão exerça seu direito de ir e vir e oferecer-lhe condições de usufruir espaços de lazer como praças e parques públicos. A principal intervenção deve ser junto às calçadas. Nelas, é preciso modificar tanto o piso quanto o mobiliário urbano. Para o piso, é preciso se preocupar com a inclinação, a textura e a eliminação de buracos e degraus. Quanto ao mobiliário urbano, é necessário alterar seu posicionamento, garantindo uma faixa de circulação de pelo menos 1,20 m, removendo bancas de jornais, postes e outros possíveis obstáculos. Elementos do mobiliário urbano com volume superior maior que o volume na base devem ter piso com textura e cor diferenciadas, com a projeção do volume superior, para evitar a colisão de portadores de deficiência visual. A arborização agressiva também deve ser substituída ou podada, evitando que as PPD se machuquem. Para facilitar a orientação das PPD nas vias públicas e edifícios, deve-se implantar dispositivos de comunicação visual, baseados em símbolos, e placas de orientação bem visíveis e com versão em braille.

A travessia de vias deve receber tratamento cuidadoso. Deve-se providenciar o rebaixamento de calçadas junto às faixas de segurança de pedestres. É preciso programar os semáforos para permitir a travessia segura das PPD. Há tecnologia disponível, já implantada em alguns municípios, para instalar semáforos para portadores de deficiências sensoriais (auditivas e visuais).

TRANSPORTE PÚBLICO
O deslocamento motorizado das PPD requer veículos especialmente adaptados. O acesso ao ônibus pode ser feito pelo uso de um dispositivo de entrada (elevador no veículo ou rampa de embarque nos pontos de parada) que permita a entrada de pessoas em cadeira de rodas ou usando muletas. O ônibus deve ter espaço para pelo menos duas cadeiras de rodas, posicionadas na direção longitudinal, com dispositivos de travamento e pega-mão lateral. Também é importante reservar assentos para as PPD, idosos, gestantes e pessoas com crianças no colo. As adaptações devem atingir também as áreas de embarque e desembarque (pontos de parada e terminais). O investimento exigido pode desestimular empresários privados remunerados pela tarifa a operar serviços especiais para deficientes. O governo municipal, adotando esta alternativa, deve garantir condições econômicas e operacionais para a sustentabilidade do serviço, procurando que todas as linhas tenham veículos adaptados, considerando a demanda e suas características operacionais.

A alternativa à adaptação de ônibus é a criação de linhas especiais ou de um serviço semelhante ao táxi, utilizando veículos do tipo furgão, com plataformas elevatórias e capacidade para duas cadeiras de rodas, em geral. O custo operacional por passageiro destes sistemas normalmente é maior que o do transporte por ônibus. Por outro lado, é possível conseguir melhores resultados em termos de qualidade do transporte, segurança e conforto dos passageiros.

MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO
As leis orgânicas municipais trazem normas gerais de proteção aos direitos das PPD. Poucos municípios regulamentaram esses princípios gerais, transformando-os em uma legislação que trouxesse benefícios concretos. No campo da acessibilidade, há várias possibilidades de garantir a esses cidadãos o direito de ir e vir.

A principal intervenção na legislação é o estabelecimento da obrigatoriedade de todos os edifícios públicos, ou de uso público, serem adaptados à circulação das PPD. Para os edifícios já existentes, deve-se conceder um prazo para a realização de obras de adaptação que sejam possíveis.

As normas urbanísticas referentes aos espaços públicos de circulação e ao mobiliário e equipamento urbano também devem merecer atenção, adotando-se exigências de acessibilidade às PPD.

Ainda no campo da legislação, é possível implantar uma política de estímulo à produção de moradias adaptadas às PPD, através de medidas de flexibilização de exigências da legislação urbanística. Para empreendimentos do tipo condomínio vertical, por exemplo, pode-se permitir metragens adicionais de construção proporcionalmente à quantidade de unidades adaptadas produzidas.

Estas alterações na legislação devem estar associadas a um processo de revisão do código de obras e do código de posturas do município.

A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) editou a norma nº 9050/94 – "Acessibilidade de PPDs a Edificações, Espaço, Mobiliário e Equipamento Urbano", que traz normas para a construção de logradouros, espaços livres e edifícios e pode ser aplicada em qualquer município. É aconselhável consultá-la antes de realizar intervenções ou alterar a legislação.

IMPLANTANDO
A implantação de medidas de promoção da acessibilidade das PPD deve ser feita de forma sistemática, para atingir melhores resultados. Não se deve ir fazendo obras indiscriminadamente. O mais aconselhável é que as ações de aumento da acessibilidade sejam integradas a uma política municipal de atenção às PPD, cuja formulação e implementação conte com a sua participação ativa através de Conselhos e outros mecanismos. Na definição de áreas e locais prioritários para intervenção (escolas, hospitais, áreas comerciais e equipamentos de lazer) é indispensável a colaboração das PPD e de entidades ligadas ao tema. As alterações na legislação devem estabelecer mecanismos que garantam sua aplicação. De nada adianta fazer leis que não serão cumpridas.

A maioria das intervenções de adaptação tem um custo muito baixo, exceto a instalação de elevadores. É possível conseguir o apoio de empresas para algumas obras, em troca de publicidade.

RESULTADOS
As intervenções de aumento da acessibilidade trazem benefícios diretos às PPD. Oferecem-lhes condições de exercer seu direito de ir e vir, ampliando as suas possibilidades de deslocamento e aumentando sua segurança.

As ações aqui elencadas beneficiam, também, outras pessoas, como deficientes transitórios (pessoas machucadas ou debilitadas), idosos, gestantes e crianças. O deslocamento dos pedestres também torna-se mais fácil e seguro, o que pode, de certa maneira, contribuir para o estímulo ao transporte a pé.

Além do significado imediato, há um forte significado político neste tipo de ação do governo municipal. Ao se preocupar com os direitos daqueles que a sociedade não só marginaliza como deixa escondidos em casa, o governo está reforçando a idéia de extensão da cidadania. Abre-se espaço na sociedade, portanto, para outras intervenções que promovam os direitos de outros setores. Além disso, questiona a retórica do liberalismo, que afirma a igualdade de direitos e oportunidades sem considerar as condições materiais de existência. Ainda que em grau limitado, contribui para reduzir as desigualdades sociais, especialmente porque grande parte das deficiências atingem em maior escala a população mais pobre.

O aumento da acessibilidade, entretanto, mesmo sendo fundamental para a promoção da cidadania das PPD, não é suficiente. Eliminando barreiras físicas, ainda sobram muitas barreiras sociais a serem removidas: o preconceito e a ignorância são as mais graves. As ações de aumento da acessibilidade devem ser acompanhadas de outras, que garantam o acesso das PPD à educação, lazer, saúde e emprego.


Fonte: Organização Mundial da Saúde


* Publicado originalmente como DICAS nº 26 em 1994
Dicas, é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Os textos buscam oferecer informações sobre técnicas e práticas de gestão que contribuam para o avanço da democracia, otimização da aplicação e uso dos recursos públicos, promoção da cidadania e melhoria da qualidade de vida.