Um sistema eficiente de arquivos facilita o acesso às informações necessárias à administração e ao exercício da cidadania.Autor: José Carlos Vaz
Consultor: Edgard Luiz de Barros

Um sistema eficiente de arquivos facilita o acesso às informações necessárias à administração e ao exercício da cidadania.Autor: José Carlos Vaz
Consultor: Edgard Luiz de Barros

Na maior parte das prefeituras, não é fácil encontrar documentos ou conseguir informações. E, quanto mais antigo for o documento procurado, maiores são as dificuldades para a recuperação das informações nele contidas. A administração dos documentos públicos é geralmente feita de forma mecânica e burocrática. Em muitos municípios, os arquivos municipais são como depósitos de papéis velhos e o acesso às informações é difícil, não só aos cidadãos, mas também aos próprios governantes e funcionários municipais. Sequer os documentos de valor histórico recebem cuidados e, muitas vezes, perdem-se definitivamente. Mesmo nos municípios que têm alguma preocupação com a documentação histórica, o sistema de arquivo privilegia o documento como um fim, e não como um meio de acesso a informações que permitam o exercício da cidadania e a consolidação da identidade cultural da sociedade.

MAIS QUE PAPELADA

Os documentos que a prefeitura produz e guarda em seu poder não são simples papéis velhos para se jogar em qualquer canto. São um patrimônio público, servem à constituição e exercício da cidadania e à preservação da memória do governo e da sociedade local.

a) Patrimônio público:
Os documentos são patrimônio público, tanto no sentido administrativo como do ponto de vista cultural. A comunidade delega à prefeitura o dever de zelar por esse patrimônio. Além disso, são também instrumentos da ação do governo municipal: a eficiência e a eficácia da atuação da prefeitura dependerão de sua correta administração.

b) Elemento de constituição e exercício da cidadania:
O acesso à documentação pública é fundamental para se promover o direito à informação. Se a guarda e conservação dos documentos impede que se tenha acesso ao seu conteúdo, ela provavelmente estará privando os cidadãos não só do direito à informação como também de outros direitos (o que é bastante comum quanto à posse e propriedade de imóveis ou direitos sucessórios).

c) Base de preservação da memória da sociedade:
Além da sua importância mais direta para o governo municipal e para os interesses particulares dos cidadãos, os documentos municipais têm papel fundamental em um processo de mais longa duração: o direito à memória. Eles devem, portanto, ser conservados e organizados de forma que sejam um espaço para a pesquisa histórica. O direito à memória, do ponto de vista do Estado, significa não só criar condições para que os pesquisadores realizem suas pesquisas, mas para que a sociedade possa constituir e reforçar sua identidade cultural.

De modo geral, podem-se associar estas três dimensões citadas da documentação municipal às idades dos documentos, respectivamente: documentos ativos (documentos de ação já em curso); documentos de arquivamento intermediário (documentos de ações já encerradas, mas que podem ser necessários para novas ações ou verificação de direitos) e documentos históricos (documentos de valor permanente).

O QUE FAZER?
Para que o arquivamento e administração dos documentos públicos promova a cidadania, é preciso que haja uma política claramente definida pelo governo municipal. A formulação e implantação desta política deve incorporar os documentos de ações e processos ainda em curso ou já encerrados e a documentação considerada histórica.

A política de documentação deve ser abrangente para ser eficaz. Deve considerar todos os tipos de documentos e todas as etapas de seu ciclo. Não basta definir onde serão guardados os documentos, mas deve, também, preocupar-se com a forma de registro e acompanhamento de seu trâmite pela prefeitura. (Neste ponto, um sistema eficiente de protocolo e controle de processos deve estar integrado ao sistema de arquivos). É importante, ainda, dar atenção à racionalização dos procedimentos administrativos existentes, eliminando arquivamentos em duplicidade, reduzindo a geração de documentos ou tornando mais rápido e eficaz seu fluxo na prefeitura.

Muitos processos podem ser substituídos por um ou dois formulários, sendo o conjunto de formulários (referentes a cada um dos casos particulares) autuado e arquivado em um único processo.

Os trabalhos devem constituir um sistema municipal de arquivos, com normas claramente estabelecidas e respeitadas pela administração. Estas normas irão regular a abertura, encerramento, arquivamento e desarquivamento de processos, em termos de autoridade, prazos e procedimentos.

O principal instrumento de controle de documentos do sistema municipal de arquivos são as tabelas de temporalidade. São instrumentos de valor legal (normalmente estabelecidos por decreto ou lei) que regulam o arquivamento da documentação, estabelecendo os prazos, critérios e responsabilidades pela conservação e/ou eliminação de documentos. Devem ser elaboradas para as séries documentais existentes, identificando as diversas fontes de geração dos documentos (p. e., uma tabela de temporalidade para documentos relacionados a pessoal, outra para uso do solo, etc.). Os principais responsáveis pela elaboração da tabela devem ser os próprios técnicos que trabalham com os documentos, através de uma ou várias comissões interdisciplinares (para evitar ações corporativistas). Em prefeituras maiores, a setorialização, através de sub-comissões, é importante para que a elaboração e revisão das tabelas de temporalidade não perca a agilidade.

A revisão das tabelas de temporalidade deve ter um caráter dinâmico, buscando melhores formas de ordenar e guardar os documentos para facilitar a recuperação das informações pelos agentes públicos e pelos cidadãos.

IMPLANTANDO
Para os municípios em que a organização da documentação existente apresenta falhas, o primeiro passo é avaliar os arquivos existentes e sua destinação. Para esta tarefa, é necessário constituir uma equipe com representantes de várias áreas da prefeitura, especialmente daquelas que geram ou utilizam os maiores volumes de documentos. Da comissão devem fazer parte funcionários da secretaria de administração, pelo menos um procurador, profissionais das áreas de documentação, obras, informática e organização & métodos. Todos os envolvidos devem estar convencidos da importância de realizar o trabalho, tendo como foco os usuários das informações – os cidadãos e os agentes públicos.

A primeira atividade da comissão deve ser diagnosticar o volume de documentos acumulados, as tipologias documentais, os critérios de arquivamento, o fluxo dos documentos e o estado de organização do material. Após esse diagnóstico, pode-se passar à classificação dos fundos e ordenação das séries de documentos, dando-lhes a respectiva destinação. Normalmente os documentos referentes a pessoal e uso e ocupação do solo significam a maioria absoluta do volume de documentos. Após essa regularização inicial, pode-se passar à estruturação do sistema municipal de arquivos, definindo as tabelas de temporalidade dos diversos tipos de documentos. A prefeitura deve evitar o preciosismo neste trabalho: não é aconselhável dispender esforços excessivos em discussões extremamente técnicas de arquivologia, se isso não trouxer ganhos realmente importantes no acesso à informação.

Uma vez implantado o Sistema Municipal de Arquivos, é possível pensar em integrá-lo a um Sistema Municipal de Informção para a Cidadania. Isto significa que o fluxo de informações da prefeitura deve ser organizado de forma a garantir e estimular o exercício do direito dos cidadãos ao seu acesso.

EXPERIÊNCIAS
Em S. Paulo-SP (9.646 mil hab.), em 1990, foi criada a Comissão Central de Avaliação de Documentos, para dar destinação a cerca de 20 milhões de processos custodiados pelo Arquivo Geral da Secretaria Municipal de Administração, em condições que praticamente inviabilizavam a recuperação das informações. A comissão, constituída por funcionários de várias áreas da prefeitura, e com a consultoria de um historiador, estabeleceu critérios de avaliação para documentos e elaborou tabelas de temporalidade. Por ser muito grande o volume de processos arquivados (onde aqueles referentes a uso e ocupação do solo, significavam cerca de 60%), uma avaliação da totalidade consumiria alguns anos. Entretanto, a sua constituição expressa a importância da vontade política para a resolução do problema.

RESULTADOS

a) eficiência
Constituir um Sistema Municipal de Arquivos, principalmente quando integrado a um programa de racionalização de procedimentos, confere mais eficiência às ações da prefeitura. O governo passa a dispor mais facilmente de informações necessárias à administração do patrimônio público. Reduz-se o desperdício de recursos e pode ser ampliada a capacidade de ação da prefeitura.

b) democratização do Estado
A desorganização administrativa serve aos interesses de quem se apropria dos recursos públicos. Burocracia e "cultura do favor" andam juntas e dela se alimentam, permitindo a corrupção e a impunidade. No campo da documentação, a desorganização significa a privatização das informações públicas. Restringe, portanto, o exercício dos direitos do cidadão. A organização dos documentos da prefeitura e a constituição de um Sistema Municipal de Arquivos, inspirado na promoção do acesso à informação, auxiliam no processo de reversão deste quadro, contribuindo para democratizar o Estado.

c) recuperação e preservação da memória
A avaliação dos documentos dispostos nos arquivos municipais e a existência de tabelas de temporalidade, permitindo a organização e conservação dos documentos de valor histórico, cria condições para que a sociedade exerça o seu direito à memória.

O direito a memória é importante para que a comunidade cultive sua própria identidade cultural.

A preservação dos traços documentais de caráter administrativo que podem assegurar a compreensão da história da cidade, entretanto, não deve substituir outras fontes de pesquisa e reflexão sobre o as mudanças da cidade e sua sociedade ao longo do tempo.

AS TRÊS IDADES DOS DOCUMENTOS

IDADE

IMPORTÂNCIA DO DOCUMENTO

PRINCIPAIS ASPECTOS DO DIREITO À INFORMAÇÃO

DOCUMENTOS ATIVOS NECESSÁRIOS PARA AÇÕES EM CURSO -CONTROLES DAS AÇÕES DO GOVERNO
DOCUMENTOS DE ARQUIVAMENTO INTERMEDIÁRIO NECESSÁRIOS PARA NOVAS AÇÕES OU VERIFICAÇÃO DE DIREITOS -CONTROLE DO GOVERNO

-PRESERVAÇÃO DE OUTROS DIREITOS

DOCUMENTOS HISTÓRICOS PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA DA SOCIEDADE -DIREITO À MEMÓRIA E À IDENTIDADE CULTURAL

Fonte: Edgard Luiz de Barros


* Publicado originalmente como DICAS nº 21 em 1994.Dicas é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Atualmente, seu acervo está publicado no site do Instituto Pólis.