Alterar a forma de apresentação do orçamento municipal traz mais transparência para o processo orçamentário, evitando a sua manipulação pelos governos.
Alterar a forma de apresentação do orçamento municipal traz mais transparência para o processo orçamentário, evitando a sua manipulação pelos governos.

Autor: José Carlos Vaz

Consultor: Amir Antonio Khair

Alterar a forma de apresentação do orçamento municipal traz mais transparência para o processo orçamentário, evitando a sua manipulação pelos governos.
Alterar a forma de apresentação do orçamento municipal traz mais transparência para o processo orçamentário, evitando a sua manipulação pelos governos.

Autor: José Carlos Vaz

Consultor: Amir Antonio Khair

O Orçamento-Programa, ou simplesmente o orçamento do município é, em geral, um verdadeiro enigma para os cidadãos e até mesmo para a administração municipal. A complexidade do orçamento interessa àqueles que querem manipular a vontade da sociedade e os recursos públicos, pois permite que seja utilizado de forma irregular pelos governos ou por funcionários municipais. Como poucos conhecem e compreendem o processo de elaboração e as minúcias legais (contábeis e financeiras) contidas na peça orçamentária, fica fácil promover a manipulação das informações: o governo pode aplicar os recursos de forma diferente da prevista, sem que a opinião pública perceba. Em prefeituras onde apenas um ou dois funcionários conhecem o orçamento em profundidade, estes podem utilizá-lo em proveito próprio, obtendo poder e vantagens.

Para o avanço da cidadania, é preciso simplificar a apresentação do orçamento, tornando-o compreensível para a maior parte da sociedade. Este é um requisito para garantir que a vontade popular esteja presente nas ações da prefeitura. Naturalmente, não se pode perder de vista que é importante, também, modificar o processo de sua elaboração, envolvendo cada vez mais cidadãos.

O QUE É O ORÇAMENTO?

A função do Orçamento é permitir que a sociedade acompanhe o fluxo de recursos do Estado (receitas e despesas). Para isto, o governo traduz o seu plano de ação em forma de lei. Esta lei passa a representar seu compromisso executivo com a sociedade que lhe delegou poder.

O projeto de lei orçamentária é elaborado pelo Executivo, e submetido à apreciação do Legislativo, que pode realizar alterações no texto final. A partir daí, o Executivo deve promover sua implementação de forma eficiente e econômica, dando transparência pública a esta implementação. Por isso o orçamento é um problema quando uma administração tem dificuldades para conviver com a vontade do Legislativo e da sociedade: devido à sua força de lei, o orçamento é um limite à sua ação.

Em sua expressão final, o orçamento é um extenso conjunto de valores agrupados por unidades orçamentárias, funções, programas, atividades e projetos. Com a inflação, os valores não são imediatamente compreensíveis, requerendo vários cálculos e o conhecimento de conceitos de matemática financeira para seu entendimento. Isso tudo dificulta a compreensão do orçamento e a sociedade vê debilitada sua possibilidade de participar da elaboração, da aprovação, e, posteriormente, acompanhar a sua execução.

O QUE FAZER?

É fundamental simplificar e tornar mais compreensível a elaboração e o acompanhamento da execução orçamentária, ampliando as condições de participação e intervenção da sociedade.

Esta simplificação deve ser entendida como um instrumento para democratizar o processo orçamentário. Faz parte, portanto, da política de ampliação da participação popular. A sua idéia central é estender o direito à informação à maior parcela possível de cidadãos, não só com relação à matéria orçamentária, mas em relação a todas as ações do governo.

SIMPLIFICAÇÃO NUMÉRICA

Uma dezena de receitas e cerca de quinze despesas correspondem, normalmente, a 95% dos valores orçamentários. Esta relação só é descoberta quando se analisa mais detalhadamente, identificando quais itens do orçamento têm maior peso no total de despesas e receitas. Para facilitar a compreensão, deve-se apresentar estes itens em destaque, agrupando os demais na rubrica "outros". Pode-se aplicar o mesmo princípio, de elaboração de orçamentos resumidos para algumas partes do orçamento de maior interesse. Como exemplo, pode-se resumir o plano de obras, evidenciando as principais a serem executadas, sua localização e valor, em uma única folha, agrupando um grande número de obras de pequeno vulto em apenas uma rubrica.

Pode-se melhorar a informação oferecida aos cidadãos sem dificultar o entendimento, através da técnica chamada análise vertical, agrupando as receitas e despesas em conjuntos (atividade, grupo, função), destacando-se individualmente aqueles que tenham participação significativa. É apresentada a participação percentual dos valores destinados a cada item no total das despesas ou receitas. Em vez de comunicar um conjunto de números de difícil entendimento ou valores sem base de comparação, é possível divulgar informações do tipo "a prefeitura vai gastar 15% dos seus recursos com pavimentação", por exemplo.

Uma outra análise que pode ser realizada é a análise horizontal do orçamento. Esta técnica compara os valores do orçamento com os valores correspondentes nos orçamentos anteriores (expressos em valores reais, atualizados monetariamente, ou em moeda forte).

Essas técnicas e princípios de simplificação devem ser aplicados na apresentação dos resultados da execução orçamentária (ou seja, do cumprimento do orçamento), confrontando o previsto com o realizado em cada período e para cada rubrica. Deve-se apresentar, também, qual a porcentagem já recebida das receitas e a porcentagem já realizada das despesas.

ORÇAMENTO EM VALOR REAL

É fundamental que a peça orçamentária seja convertida em valores constantes, permitindo avaliar o montante real de recursos envolvidos.

Um valor só tem significado quando identificado no tempo, especialmente em situações de altos níveis inflacionários. CR$ 1000 mil em dezembro é, na verdade, equivalente a CR$ 86 mil de janeiro do mesmo ano, caso a inflação seja de 25% ao mês.

Entretanto, a Lei 4320/64, que define as regras orçamentárias, não identifica no tempo os valores apresentados no orçamento. Para efeito orçamentário, CR$ 1000 mil em janeiro tem o mesmo valor que CR$ 1000 mil em dezembro.

Por conta dessa distorção da lei, uma administração pode executar fielmente o orçamento, cumprindo os valores estabelecidos na peça orçamentária, tendo, na verdade, executado um programa totalmente diverso do previsto. Para tanto, basta liberar as verbas de forma diferenciada no tempo. Por exemplo, pode gastar em obras viárias CR$ 1000 mil em janeiro e CR$ 100 mil em dezembro e com a saúde CR$ 100 mil em janeiro e CR$ 1000 mil em dezembro. Apesar de o gasto nominal ser de CR$ 1100 mil para cada uma delas, na verdade o gasto real será de CR$ 186 mil com a saúde e CR$ 1008,6 mil com obras. Ainda que no orçamento as duas áreas tivessem previsto para si um gasto equivalente, a área de obras terá recebido 84% dos recursos, contra 16% destinados à saúde. Ou seja, é muito fácil, dentro da lei, manipular a execução orçamentária, alterando substancialmente as prioridades definidas no orçamento.

Uma outra forma de alteração do valor real é através das margens de suplementação. Para garantir flexibilidade na execução do orçamento, normalmente são previstas elevadas margens de suplementação, o que permite um uso dos recursos que modifica profundamente as prioridades estabelecidas. Com a indexação orçamentária mensal à inflação real, consegue-se o grau necessário de flexibilidade na execução orçamentária, sem permitir burlar o orçamento através de elevadas margens de suplementação. Pode-se restringir a margem a um máximo de 3%.

Além disso, a política financeira de alocação de quotas deve ser fixada de forma a garantir financeiramente o valor real de cada despesa orçamentária.

Para se aprofundar neste tópico, veja o texto Orçamento em Valores Reais.


EVIDENCIAÇÃO DAS PREMISSAS

Não basta dizer quanto será arrecadado e gasto. É preciso apresentar as condições que permitiram os níveis previstos de entrada e dispêndio de recursos.

No caso da receita, é importante destacar o nível de evolução econômica, as melhorias realizadas no sistema arrecadador, o nível de inadimplência, as alterações realizadas na legislação, os mecanismos de cobrança adotados.

No caso da despesa, é importante destacar os principais custos unitários de serviços e obras, as taxas de juros e demais encargos financeiros, a evolução do quadro de pessoal, a política salarial e a política de pagamento de empréstimos e de atrasados.

RESULTADOS

Os resultados que a simplificação do orçamento geram são, fundamentalmente, de natureza política. Ela permite transformar um processo nebuloso e de difícil compreensão em um conjunto de atividades caracterizadas pela transparência.

Como o orçamento passa a ser apresentado de forma mais simples e acessível, mais gente pode entender seu significado. A sociedade passa a ter mais condições de fiscalizar a execução orçamentária e, por extensão, as próprias ações do governo municipal. Se, juntamente com esta simplificação, forem adotados instrumentos efetivos de intervenção da população na sua elaboração e controle, a participação popular terá maior eficácia.

Os orçamentos sintéticos, ao apresentar o orçamento (ou partes dele, como o plano de obras e os orçamentos setoriais) de forma resumida, fornecem uma informação rápida e acessível.

A análise vertical permite compreender o que de fato influencia a receita e para onde se destinam os recursos, sem a "poluição numérica" de dezenas de rubricas de baixo valor. Funciona como um demonstrativo de origens e aplicações dos recursos da prefeitura, permitindo identificar com clareza o grau de dependência do governo de recursos próprios e de terceiros, a importância relativa das principais despesas, através do esclarecimento da proporção dos recursos destinada ao pagamento do serviço de terceiros, dos materiais de consumo, encargos financeiros, obras, etc.

A análise horizontal facilita as comparações com governos e anos anteriores.

A evidenciação das premissas desnuda o orçamento ao público, trazendo possibilidades de comparação. Permite perguntas do tipo: "por que a prefeitura vai pagar x por este serviço, se o seu preço de mercado é metade de x ?". Contribui para esclarecer os motivos de ineficiência da prefeitura nas suas atividades-meio e na execução das políticas públicas.

MODELO DE ANÁLISE VERTICAL DO ORÇAMENTO
(dados fictícios)

RECEITAS

DESPESAS

Receitas Próprias

Custeio

IPTU

15%

pessoal

55%

ISS

5%

materiais

17%

outras

3%

outras despesas

10%

subtotal

23%

subtotal

82%

Transferências

Investimentos

ICMS

30%

novo hospital

10%

FPM

35%

pavimentação

5%

outras

2%

outros

3%

subtotal

67%

subtotal

18%

Outras

10%

   
Total

100%

Total

100%

 


* Publicado originalmente como DICAS nº 16 em 1994.

Dicas é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Atualmente, seu acervo está publicado no site do Instituto Pólis.

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