Leis que facilitam o acesso às informações junto às prefeituras ajudam a consolidar a cidadania e a inibir práticas de governo que contrariem os interesses da maioria da popu1acão.Autor: José Carlos Vaz
Consultora: Renata Villas-Bôas
Entrevistada: Regina Toscano

Leis que facilitam o acesso às informações junto às prefeituras ajudam a consolidar a cidadania e a inibir práticas de governo que contrariem os interesses da maioria da popu1acão.Autor: José Carlos Vaz
Consultora: Renata Villas-Bôas
Entrevistada: Regina Toscano

Obter informações junto a muitas prefeituras é, em geral, o primeiro obstáculo a ser enfrentado pelas entidades da sociedade civil que têm interesse em elaborar projetos sociais ou realizar um controle social das ações governamentais. Em muitos lugares, as dificuldades já surgem ao se tentar descobrir onde determinada informação pode ser obtida. Além disso, os órgãos públicos quase sempre demoram a responder e as informações pelos governos muitas vezes são insuficientes ou inadequadas aos objetivos do trabalho desenvolvido pelas entidades. Essas dificuldades decorrem do despreparo de alguns governantes ou funcionários municipais ou da sua falta de compromisso com o direito dos cidadãos à informação. Nas situações mais deploráveis, mas não menos incomuns, são fruto da má-fé. Em acréscimo a este quadro, deve-se notar que a própria estruturação das prefeituras não leva em conta esse direito, por não considerar os cidadãos como parceiros no governo municipal, mas apenas como objetos da ação do poder público.

PROCEDIMENTOS

Para que se possa garantir às entidades da sociedade civil o direito de pesquisar dados e receber informações de seu interesse nos órgãos públicos municipais, é indispensável a criação de normas legais para seu exercício, evitando que uma eventual descontinuidade administrativa permita a governos descomprometidos com a promoção da cidadania inviabilizarem seu prosseguimento. Os procedimentos para acesso às informações precisam ser simples e claramente definidos, não deixando dúvidas sobre a responsabilização pelo fornecimento de informações, a definição de que tipo de organizações podem acessar as informações, os prazos de resposta e o universo de temas sujeitos à pesquisa e acompanhamento. Um cadastramento prévio das entidades e seus representantes pode tornar mais rápido o atendimento de solicitações.

PROJETO DE LEI

Em 1994, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro-RJ (5.336 mil hab.) aprovou lei de iniciativa do vereador Jorge Bittar, que regulamenta o exercício do direito de entidades da sociedade ao acesso à informação sobre o serviço público municipal, apresentada a seguir.

Lei no 2124, de 23 de março de 1994:

Artigo 1º – Fica garantido às entidades da sociedade civil o direito de pesquisar dados e receber as informações de seu interesse nos órgãos e entidades de administração municipal sobre sua estrutura e funcionamento e a produtividade dos serviços que prestam à população.

Parágrafo 1º – Para fins deste artigo:

1. entidades da sociedade civil são aquelas constituídas nas formas da lei com a finalidade de organizar e representar os movimentos sociais ou prestar-lhes assessoria técnica ou política, bem como os de estudos e pesquisas;
2. órgãos e entidades de administração municipal são os órgãos de direção e assessoramento superior, direção e assessoramento intermediário e os de execução da administração direta, indireta e fundacional.

Parágrafo 2º – O universo das pesquisas e informações sobre a estrutura e funcionamento dos órgãos e entidades da administração municipal e a produtividade de seus serviços abrange:

1. constituição do órgão e organização de suas funções;
2. recursos humanos e materiais;
3. receitas e despesas;
4. documentos, registros e cadastros;
5. atos e decisões;
6. capacidade de atendimento e execução dos serviços;
7. .avaliação de desempenho.

Artigo 2º – As entidades da sociedade civil obterão dados e informações nos órgãos e entidade da administração municipal através de dois tipos de acesso:

1. requerimento de informações;
2. acesso de pesquisadores e/ou usuários credenciados pela entidade solicitante às dependências do órgão ou entidade.

Artigo 3º – O requerimento de informação será encaminhado à direção do órgão ou entidade da administração municipal, contendo os itens sobre os quais a entidade deseja obter informações e acompanhado de cópia autenticada do seu registro legal.

Parágrafo Único – A resposta ao requerimento de informações deverá ser encaminhada por escrito à entidade civil solicitante nos seguintes prazos, a contar da data de recebimento do requerimento:

1. no caso de órgãos de execução da administração direta, no prazo máximo de quinze dias;
2. no caso dos órgãos e entidades da administração indireta e fundacional e dos órgãos de direção e assessoramento intermediário da administração direta, no prazo máximo de trinta dias;
3. no caso dos órgãos e entidades de direção e assessoramento superior, no prazo máximo de quarenta e cinco dias.

Artigo 4º – O acesso de pesquisadores e/ou usuários credenciados pela entidade da sociedade civil às dependências dos órgãos e entidades da administração municipal será autorizada mediante o seguinte procedimento:

I – encaminhamento de solicitação por escrito à direção do órgão e entidade da administração direta, da qual constem:

1. o universo da pesquisa ou a listagem dos itens sobre os quais a entidade da sociedade civil deseja obter informações;
2. cópia autenticada do registro legal da entidade da sociedade civil solicitante;
3. listagem dos pesquisadores e/ou usuários credenciados pela entidade da sociedade para a coleta dos dados e informações;

II – encaminhamento da autorização, por parte da direção do órgão ou entidade da administração municipal, à entidade da sociedade civil solicitante, no prazo máximo de quinze dias a partir da data de entrega da solicitação.

Parágrafo Único – O acesso de pesquisadores e/ou usuários credenciados pela entidade da sociedade civil às dependências de órgãos e entidades da administração direta fica restrito aos órgãos de execução da administração direta, às empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações e autarquias que prestam serviços públicos.

Artigo 5º – A direção do órgão ou entidade da administração municipal para o qual foi encaminhado requerimento de informação ou a solicitação de acesso de pesquisadores e/ou usuários às suas dependências fica responsável pelo atendimento dos pedidos nos prazos estabelecidos por esta Lei, e pela veracidade dos dados fornecidos e das informações prestadas.

Parágrafo único – A não observância dessas exigências acarretará à direção do órgão ou entidade da administração municipal solicitada as punições previstas no art. 315, III da Lei Orgânica do Município.

Artigo 6º – Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

AVANÇANDO

Pode-se ir além na promoção do direito à informação provendo oacesso informatizado dos cidadãos a informações sobre a prefeitura e aos serviços públicos, simplificando a apresentação do orçamento ou estruturando um Sistema Municipal de Arquivos. Caso o município disponha de uma Ouvidoria Pública, este órgão pode executar um papel central na agilização no fornecimento de informações às entidades.

Na verdade, facilitar o acesso de entidades da sociedade civil a informações relativas à atuação do governo municipal é apenas um dos pontos que deve compor um Sistema Municipal de Informações para a Cidadania. Este Sistema é entendido como um conjunto de normas, órgãos públicos, equipamentos, recursos humanos e tecnológicos (inclusive programas de computador e dispositivos de comunicação) organizado em nível municipal com o objetivo de promover a cidadania por meio do exercício do direito à informação.

RESULTADOS

A introdução de uma lei que permita e regulamente o acesso de entidades da sociedade a informações para realização de pesquisas sobre as ações governamentais é um avanço importante no campo do desenvolvimento da cidadania, uma vez que democratizar a informação é indispensável para a consolidação das práticas democráticas na sociedade.

O resultado mais visível ao se facilitar o acesso às informações é que as entidades empenhadas na melhoria da qualidade de vida do conjunto dos cidadãos e na democratização da sociedade têm aumentada a sua capacidade de controle e intervenção sobre as ações do governo municipal.

Este aumento do controle social tende a criar obstáculos para práticas e ações do governo municipal que contrariem os interesses da maioria da população e de seus setores mais carentes. Pode tornar mais fácil identificar as ações excludentes, que beneficiem apenas alguns segmentos da população, as práticas clientelistas, corruptas ou autoritárias. O resultado aponta para um governo municipal com maior transparência em suas ações.

A capacidade propositiva das organizações populares e da sociedade civil também pode ser ampliada: dispondo de mais informações, é possível opinar sobre iniciativas do poder público e apresentar alternativas para soluções dos problemas.

Outros resultados, menos evidentes, também podem ser gerados. A facilitação do acesso à informação reduz o poder da "burocracia" municipal: enfraquece-se o grupo de funcionários que, monopolizando as informações sobre o governo municipal, utiliza-as como instrumento de troca ou de pressão.

A longo prazo, a adoção de medidas que facilitam o acesso dos cidadãos a informações municipais traz um impacto positivo sobre a cultura política, reforçando a cidadania e a consciência do direito à informação.
 


* Publicado originalmente como DICAS nº 47 em 1995

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