O segundo ponto, ainda muito presente na memória, refere-se às inúmeras lágrimas presenciadas por mim, como Bispo no Acre, sob a ditadura de um Estado de exceção, onde a cidadania fora usurpada pela “nova Lei”

Por: Dom Moacyr Grechi

1- Tirando dúvidas

Ao iniciar esta pequena reflexão, dois breves comentários preventivos surgem a fim de extirpar, cá entre nós, “dúvidas” inaceitáveis no contexto de minha história. O primeiro diz respeito ao meu natural distanciamento partidário. Jamais fui filiado a qualquer partido e vejo valores importantes em vários deles. Isso não significa que eu seja uma pessoa ausente, distante ou alienada diante da necessária organização política do país e da sociedade. O segundo ponto, ainda muito presente na memória, refere-se às inúmeras lágrimas presenciadas por mim, como Bispo no Acre, sob a ditadura de um Estado de exceção, onde a cidadania fora usurpada pela “nova Lei”, e o direito a ter direito pertencia apenas aos que seguravam a chibata já manchada de sangue.

2- Aprendendo com o passado

Resolvida essa questão passível de algumas agruras, retomemos o texto. Há um provérbio português interessante, cuja origem se perde nos tempos remotos da tradição lusa. Ele é capaz de retratar, com certa fidelidade, nosso conturbado momento presente: “Em tempo de guerra, mentira como terra”.

3- Respeito ao voto

Ao não aceitar o resultado final do processo eleitoral do ano de 2014, grupos políticos distintos deixaram de exercer um papel extremamente útil à sociedade, qual seja, o de construir uma oposição capaz de propor e de fiscalizar o governo eleito, para se entregar a um espírito pequeno e destruidor da saudável organização social de nossa tenra democracia ainda em construção.

Todos somos simples mortais, passíveis de erros, equívocos e de pecados, muitos deles impublicáveis. Isso vale para o campo pessoal, espiritual e social. No frigir dos acontecimentos, a mola propulsora de um maior ou menor avanço de uma determinada nação se pauta na sua capacidade em fortalecer estruturas e marcos jurídicos (pactuados de forma cristã e nos espaços adequados), com vistas à defesa dos reais interesses da sociedade como um todo.

4- Manipulação da informação

Tendo isso como uma das premissas básicas para sólidas reflexões, não deixa de ser preocupante a forma como tem ocorrido o processo de construção da informação no país, a qual vem sendo produzida de modo medíocre, parcial e vexatoriamente centralizada. Na verdade, essa informação massificada, pejorativamente falando, tem por meta consolidar interesses políticos e econômicos de castas historicamente abastadas pela riqueza da nação ou a serviço delas. Em um país, de tamanho continental, nove famílias (Abravanel – SBT, Edir Macedo – Record, Cívita – Abril, Frias – Folha, Levy – Gazeta, Marinho – Globo, Mesquita – Estado de SP, Nascimento Brito – Jornal do Brasil, Saad – Band) dominam mais de 70% de todos os veículos de comunicação da sociedade brasileira, além de influenciar significativamente o restante. Reflitamos: esse é o melhor caminho para o fortalecimento e o exercício pleno da cidadania?

5- Identificando um dos problemas

Os referidos dados corroboram, tristemente, algumas das conclusões do Fórum Mundial de Direitos Humanos, acontecido entre os dias 10 e 13 de dezembro de 2013, em Brasília. Naquela oportunidade, Frank La Rue, relator especial da ONU para a liberdade de expressão, destacou: “a concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos é um grave problema a ser enfrentado pelas sociedades modernas”.

Assistimos hoje a um massacre dos grandes veículos de comunicação em prol da derrubada de um governo, com forte vínculo social, pelo fato de as forças conservadoras não aceitarem o distanciamento do poder imposto a eles pelo voto popular. Conforme atestam os juristas com reconhecida credibilidade, inexiste fato jurídico capaz de condenar a presidenta eleita. O atual governo está eivado de erros a serem corrigidos (pecados impublicáveis), todavia a quebra da constitucionalidade não constrói uma democracia mais forte. Isso possui outro nome: “GOLPE”.

6- Inversão de valores

Como é possível a sociedade aceitar que uma mulher eleita com 54,3 milhões de votos, sem qualquer denúncia formada, seja afastada do cargo sob o comando de um Presidente de Câmara Federal de moralidade questionadíssima, mediante um colegiado de 130 membros, dos quais 34 respondem a ações criminais e administrativas de diferentes envergaduras e pesos no STF?

 

7- Demagogia como instrumento contra o povo

Parceiros da lambança, os grandes veículos de comunicação não têm se pautado pela verdade e pela transparência. Trabalham em um conluio vergonhoso, com o propósito de alterar a vontade popular consagrada nas urnas em determinado momento. O que os move não é o interesse social, moral ou ético. Estão longe disso. O que os movimenta é justamente a perpetuação da recorrente omissão do Estado frente aos históricos e nefastos processos de corrupção.

As pessoas possuem o direito de serem informadas com isenção, tempestividade, responsabilidade ética e moral, mesmo que isso signifique ser politicamente contrário aos pensamentos dos donos dos veículos de comunicação.

8- O direito a informação como valor cristão

A reflexão honesta a ser feita de modo individual, objetivando escolhas a partir de seus valores pessoais, deve e precisa estar pautada em informações dignas e as mais isentas possíveis. Sem isso, o processo de “preferência” do indivíduo estará irremediavelmente contaminado e a democracia ferida de morte.

Independentemente de quaisquer juízos de valores, nos dias de hoje, a qualidade tendenciosa das informações de nossos grandes veículos de comunicação não atende ao interesse do povo simples, honesto, trabalhador e carente de políticas públicas mais includentes e cidadãs.

*Dom Moacyr Grechi foi Bispo no Acre e Arcebispo em Porto Velho. Ex Presidente Nacional da CPT e militante dos Direitos Humanos