TV da cidade*
A TV Pública, ao abrir espaço para a população, é uma forma de democratizar o acesso à informação e ampliar a capacidade de comunicação da prefeitura.
Autora: Veronika Paulics
Consultor: Júlio Wainer
Auxiliar de Pesquisa: Fábio Maleronka Ferron
A TV Pública, ao abrir espaço para a população, é uma forma de democratizar o acesso à informação e ampliar a capacidade de comunicação da prefeitura.
Autora: Veronika Paulics
Consultor: Júlio Wainer
Auxiliar de Pesquisa: Fábio Maleronka Ferron
A TV ocupa espaços, define hábitos, divulga fatos, forma a opinião pública. É um instrumento mediador importante para a democratização da sociedade. Mas, como o custo do horário de exibição nas emissoras comerciais é muito alto, poucas vezes a administração municipal tem espaço na TV para divulgar seus projetos e atividades e as iniciativas do interesse de todos os cidadãos que surgem em cada bairro. Para as organizações sociais, como movimentos populares e sindicais, o acesso é ainda mais difícil.
Do ponto de vista político, a prefeitura é o ator privilegiado para obter uma concessão que a sociedade civil não consegue. Além disso, a prefeitura tem mais condições para articular em torno da proposta diferentes atores sociais.
O QUE É TV PÚBLICA?
O caminho mais fácil para a prefeitura iniciar um projeto de TV, oferecendo espaço ao público para a emissão de programas, é solicitar uma concessão em nível local para retransmissão de uma TV educativa.
O maior cuidado a ser tomado é que a TV não seja patrimônio da prefeitura. Através de uma fundação, ou outro mecanismo, o seu controle deve ficar nas mãos da sociedade civil.
É importante que a programação seja produzida pela própria população, organizada em grupos.
POSSIBILIDADES
Tendo acesso a uma TV Pública, a sociedade pode se apropriar de um instrumento de fiscalização da prefeitura. Além disso, a TV pode se tornar um elemento mediador da realidade local. Através dela é possível estabelecer elos: se a TV comercial vende produtos, serviços e idéias, a TV Pública pode fazer pesquisas junto à população, divulgar iniciativas comunitárias de geração de renda e emprego, entre outros.
Ter uma concessão de TV pode ter muitos outros desdobramentos. Pode ser incorporado num projeto maior, intersetorial, trabalhando em educação, lazer, levando informação, fazendo propostas, levantando discussões que sejam do interesse dos cidadãos.
Por exemplo, em cidades turísticas, a TV pode ter uma programação especialmente voltada para os turistas.
Os valores da cultura local e regional, como músicas, culinária, brincadeiras infantis, expressões lingüísticas, costumes e outros podem estar incorporados no todo da programação, resgatando elementos pasteurizados pela indústria cultural e a TV massificada. Pode-se abrir espaço também para a divulgação de eventos culturais e artistas locais.
O acúmulo de experiências de organizações populares que investiram na área de vídeo, permite constituir novas formas de programação e exibição de TV, rompendo com a forma clássica tradicionalmente adotada que lida com o espectador de forma pulverizada, cada um em sua própria casa. As experiências apontam para a TV em espaço coletivo (TV de rua) que, inclusive, oferecem a oportunidade de integrar os espaços públicos e privados: é possível realizar uma emissão de rua que também entre nas casas.
IMPLANTAÇÃO
Não há nenhuma dificuldade intransponível em fazer televisão. No entanto, o discurso audiovisual é uma linguagem que precisa ser aprendida.
Para que os programas sejam de qualidade razoável, não podem depender apenas da boa vontade: é indispensável que sejam realizados cursos de capacitação técnica com profissionais especializados.
Além disso, é preciso que haja uma equipe profissional que vá capacitando o pessoal local e estimulando a profissionalização nas entidades populares. É importante que também depois se mantenha uma equipe profissional central.
A TV Pública não se firma enquanto depender de gente de fora, mas a partir do momento em que puder contar com seus próprios repórteres, cinegrafistas, apresentadores, num processo de alfabetização audiovisual, desencadeando um processo no grupo social: o fato de membros da comunidade se debruçarem para elaborar uma pauta, elencar prioridades ou conduzir uma entrevista já é, em si, um ato de depuração da realidade e reflexão sobre os processos e os papéis ali vivenciados.
Logo de cara, não é preciso criar toda a programação a ser transmitida. Retransmitindo a TV educativa, aos poucos é possível ir elaborando e ampliando a programação própria.
A forma mais sensata é começar com jornalismo. Além de ser mais simples de produzir, não necessita roteiros muitos elaborados e é a primeira necessidade da sociedade local. A partir do jornalismo, pode-se ampliar a programação introduzindo novos formatos e temáticas: programas curtos de entrevista, debate, serviços.
Reunindo os grupos interessados em produzir os programas, é possível fazer um acordo de tal forma que ninguém saia prejudicado ou privilegiado nos horários. Mesmo porque ninguém é capaz de ocupar muitos horários por dia. É importante também que se tenha um coordenador de programação.
A Prefeitura deve adquirir o equipamento e capacitar todos os grupos interessados para que aprendam a usá-lo. Dessa forma, rompe-se com o discurso do "faz quem pode".
Durante todo o processo não se pode perder de vista a importância de avaliar o que está acontecendo e qual a receptividade do público. Não vale a pena investir tempo e energia em programas que ninguém assiste.
RECURSOS
Um investimento em TV não é tão absurdo, caro nem complexo quanto parece à primeira vista. A prefeitura não vai montar, logo de início, uma super-produtora de vídeo com transmissores gigantescos.
Com um investimento de cerca de 200 mil dólares é possível instalar uma emissora de TV (VHF) com o equipamento profissional básico. O padrão recomendado é o Super-VHS, que é o mais utilizado nas experiências latino-americanas. Esse sistema permite utilizar o VHS (doméstico e amador) e pode utilizar outros sistemas, havendo equipamentos de pós-produção.
Quanto ao estúdio, é possível aproveitar locais já existentes e utilizar infra-estrutura básica como iluminação e cenários de teatro.
A fundação mantenedora da TV Pública deve procurar a auto-sustentação. É interessante que a sociedade assuma uma parte dos custos e a prefeitura assuma a outra parte.
EXPERIÊNCIA
A TV Cultura de Itabira-MG (89 mil hab.) é uma experiência pioneira e bem sucedida de emissora pública municipal do País. Retransmitindo a programação da TV Cultura de São Paulo, a emissora de Itabira é mantida pela Fundação Carlos Drummond de Andrade, entidade sustentada pela prefeitura.
Sua programação é produzida por associações de bairro e entidades sociais; alunos de terceiro grau, sob a supervisão de professores; vídeo-amadores; profissionais da área de saúde e outros. Abrange de esportes e informes médicos a programas dirigidos às crianças, até o "Jornal da Cultura Itabira", telejornalismo diferenciado, que dá mais espaço ao cidadão que as emissoras comerciais.
Em pesquisa realizada pelo Instituto Vox Populi em 1996, para a Rede Minas, a TV Cultura de Itabira aparece como a emissora da Rede com maior índice de audiência após as 14 horas. Durante o noticiário local, de 18 minutos, o índice de audiência fica atrás apenas da Globo e empata tecnicamente com o índice do SBT.
A experiência de Belo Horizonte-MG (2061 mil hab.) limitou-se a uma emissora comunitária que ficou no ar durante dez dias, num raio de 6 quilômetros, resultado de um curso do CODAL – Comunicação para o Desenvolvimento da América Latina, junto com a ABVP – Associação Brasileira de Vídeo Popular, para a capacitação de agentes para TVs comunitárias.
Diariamente era produzido um noticiário de 45 minutos, com notícias locais, comportamento, experiências coletivas de sucesso em BH e outras localidades, quadros musicais, culturais, culinária, humor, matéria infantil e juvenil e destaque para as discussões sobre um aterro sanitário no local.
Uma equipe dedicou-se ao acompanhamento da recepção, visitando residências, pesquisando a aceitação da programação, levantando pautas e ensinando as pessoas a sintonizar o canal 8. Alguns bares, escolhidos como pontos de referência para quem não recebia bem o sinal, tornaram-se focos de aglutinação de pessoas e pontos estratégicos de pesquisa da recepção.
RESULTADOS
Com uma TV Pública, o público vê uma TV onde se vê. A população que se reconhece na TV, não somente no noticiário policial ou no horário eleitoral, tem mais elementos para se valorizar.
As experiências de Itabira e Belo Horizonte mostraram que assistir TV não é necessariamente um ato passivo e solitário, mas pode ser lúdico e participativo quando o espectador se identifica com as pessoas e as questões colocadas na tela.
A TV pública é um instrumento importante de educação e formação de opinião, quando respeita o direito à informação e pluralidade de propostas, o ritmo e a lógica da cultura local.
Ao trabalhar pela cidadania plena, torna-se instrumento político.Ela não vem para desbancar a política mas para reforçar o seu papel. Tampouco vai combater o sistema convencional de TV. Mas este, com certeza, não será mais o mesmo, sofrendo influência das caras, formatos e padrões que a TV Pública vai trazer, abrindo espaço para a espontaneidade, o improviso, a autenticidade.
A TV Pública, quando construída a partir de princípios educativos, artísticos, culturais e informativos é capaz de intensificar relações sociais locais e dar voz aos milhões de excluídos deste país. Com ela, ainda, a prefeitura terá sua capacidade de comunicação ampliada: veiculando informações de utilidade pública, transforma a TV num instrumento de serviço público.
* Publicado originalmente como DICAS nº 64 em 1996