Consórcios na área da cultura facilitam o acesso da população a equipamentos e atividades, além de garantir a continuidade do planejamento cultural nas mudanças de gestão.
Autora: Ana Paula Macedo Soares
Consultor: Marcos T. Galvão (Kaloy), sociólogo e produtor cultural

Consórcios na área da cultura facilitam o acesso da população a equipamentos e atividades, além de garantir a continuidade do planejamento cultural nas mudanças de gestão.
Autora: Ana Paula Macedo Soares
Consultor: Marcos T. Galvão (Kaloy), sociólogo e produtor cultural

Muitas vezes, a necessidade de investimentos na área cultural supera a capacidade do município em recursos financeiros e humanos. Por exemplo, uma cidade pequena não pode construir um teatro pois não tem público efetivo para assegurar o retorno do investimento.

A gestão cultural geralmente tem sido relegada a segundo plano, dando-se maior atenção a questões administrativas, econômicas e políticas das cidades. Entretanto, é importante notar que esses aspectos estão relacionados entre si e são perpassados pela questão cultural. Mas as políticas culturais, em geral não têm continuidade de uma gestão para outra, inviabilizando o planejamento a longo prazo. Não há estruturas de gestão que permitam e acompanhem o desenvolvimento da área cultural dentro da diversidade e complexidade existentes na realidade brasileira, cada cidade com sua identidade e memória.

Além disso, as políticas culturais têm sido administradas de forma centralizada, isto é, a definição de pautas e programas não levam em conta as diversidades dos municípios. Por exemplo, em Campinas-SP (908 mil hab.), a delegacia regional da Secretaria Estadual de Cultura encarrega-se do planejamento cultural de mais de setenta municípios, que têm, entre si, significativas diferenças culturais, relacionadas à sua formação histórica e social, e até mesmo posição geográfica. Esta centralização inibe a manifestação das particularidades locais e a identidade cultural fica submetida à organização da esfera administrativa.

A falta de integração entre municípios, por outro lado, significa um planejamento municipal isolado, com freqüentes disputas entre municípios vizinhos pela atração de espectadores para os eventos realizados.

Os consórcios intermunicipais podem ser uma alternativa para solucionar esses problemas. Trata-se da união de diversos municípios para realizar ações conjuntas, minimizando esforços e recursos para maximizar os resultados. Os consórcios intermunicipais são estruturas de caráter permanente, com poder de deliberação e intervenção, que promovem e acompanham o desenvolvimento cultural, possibilitando o planejamento integrado e orientado pela identidade cultural, abrindo espaço para a organização entre cidades. Aumentam a capacidade de um grupo de municípios para solucionar problemas comuns sem diminuir sua autonomia.

POSSIBILIDADES
As possibilidades de atuação conjunta de municípios através de consórcios são bastante amplas na área cultural: preservação do patrimônio histórico, formação e promoção de eventos e atividades, instalação de equipamentos culturais.

A atuação dos consórcios pode visar pequenas ações pontuais, até programas de longo prazo, com forte influência sobre o planejamento e administração dos municípios.

É possível estabelecer uma agenda coletiva de eventos e atividades para os municípios consorciados, evitando disputas por maior atração de espectadores. Festas regionais e tradicionais são um exemplo: na medida em que houver um calendário em comum, sem coincidência de datas para os eventos mais importantes, a população também será beneficiada pois terá suas opções mais bem distribuídas ao longo do ano.

Outra possibilidade é estabelecer parceria na oferta de serviços culturais públicos, diminuindo os custos fixos e os investimentos sobre uma base maior de usuários, reduzindo o custo unitário da produção e distribuição dos serviços. Equipamentos como teatros, bibliotecas públicas, museus, centros culturais, áreas de lazer, ginásios e quadras de esportes, etc. podem ser consorciados. Mesmo que estejam instalados em uma cidade, é mais vantajoso criar mecanismos que facilitem o acesso para a população de todos os municípios consorciados do que investir na construção e manutenção destes equipamentos em cada cidade.

Também é uma opção criar equipamentos culturais móveis, como o serviço de ônibus-biblioteca ou investir conjuntamente em TVs públicas, formação de agentes culturais , brinquedotecas, programas de recreação ou vivência, oficinas de arte, promoção do resgate da memória e valorização da história local (através de debates, conferências, exposições, vídeos), mostras culturais e científicas.

Funcionando como centros articuladores de políticas culturais, os consórcios intermunicipais têm o objetivo de planejar e avaliar a gestão da cultura, com a elaboração de normas e diretrizes de financiamentos de projetos e estabelecimento de convênios culturais.

CENSO CULTURAL
Geralmente, o primeiro passo para esse planejamento é a pesquisa das possibilidades de investimento na área cultural: o censo cultural. Através dele investiga-se o interesse da população nas várias áreas e as propensões do município. Em Campinas, após a realização do censo cultural, descobriu-se que a vocação inicial da cidade para atividades musicais era menor do que sua propensão para as artes plásticas. Essa propensão pode ser constatada em função, por exemplo, da existência de escolas na cidade. Uma pequena comunidade que conta apenas com professores de música terá propensão para a música.

Consórcios intermunicipais de cultura facilitam a realização de censos culturais pois maximizam os recursos financeiros, humanos e administrativos necessários. De acordo com os resultados do censo cultural, é possível investir em feiras (de artesanato, produtos agrícolas – festa da uva, do morango, etc.), em eventos musicais, de artes plásticas, de teatro, cinema, entre outros. O censo cultural pode favorecer a reformulação do orçamento da Secretaria de Cultura (ou órgão equivalente), bem como estar integrado à promoção do turismo na região.

Além disso, a realização do censo cultural facilita a indicação de elementos para o Plano Diretor dos municípios consorciados.

GESTÃO
As prefeituras devem destinar verba para o financiamento dos consórcios, definindo-se assim um vínculo de responsabilidade por parte de cada município. A vantagem de estipular uma verba para cada município está no fato de que se estabelece um compromisso entre prefeituras e consórcios, com acompanhamento dos resultados produzidos pela instituição. A contribuição financeira de cada município pode variar de acordo com a receita municipal, população da cidade, uso dos serviços e bens do consórcio ou por outro critério julgado conveniente. Os municípios consorciados devem ter força e peso razoavelmente equilibrados, por isso, além da identidade cultural, é interessante agrupar municípios de acordo com população, orçamento e oferta de equipamentos culturais, que tenham objetivos e metas próximos no que se refere à gestão da cultura.

Os estatutos dos consórcios de cultura intermunicipais devem garantir a agilidade das prefeituras na proposição de atividades e programas culturais. Um estatuto rígido pode gerar impedimentos para ações por parte do poder público ou outras entidades conveniadas. Caso o estatuto defina como prioridade de ação o investimento em equipamentos culturais, como bibliotecas e museus, pode eventualmente inviabilizar investimentos em atividades como gincanas culturais ou shows. Por isso, os estatutos devem funcionar como uma "linha mestra" para a condução do desenvolvimento cultural, e não como camisa de força.

IMPLANTAÇÃO

Atualmente, há projetos de implantação de consórcios intermunicipais de cultura na região metropolitana de Campinas-SP, região do Litoral Norte de SP, região do entorno de Brasília-DF, região metropolitana de Belo Horizonte-MG e região metropolitana de Curitiba-PR.

A existência de um projeto piloto auxilia na implantação dos consórcios intermunicipais de cultura. Assim, mesmo que o estatuto de consórcios sejam diferentes, aproveita-se o projeto piloto como referência para determinadas, bem como para questões jurídicas relativas à preparação do estatuto.

A obtenção de consenso entre os municípios envolvidos para definição do estatuto e a definição da verba destinada aos consórcios costumam ser as principais dificuldades encontradas no processo de implantação.

RESULTADOS

Os consórcios intermunicipais são mecanismos de planejamento e fomento cultural. Com um planejamento adequado, a cultura pode ser uma fonte de investimento social, com retorno econômico, gerando emprego e renda, promovendo o desenvolvimento do município. Há geração de empregos pois o campo da cultura envolve atividades de produção local de rádio ou televisão, de ensino e pesquisa, empreendimentos como shows, feiras e vários eventos, contribuindo para a atratividade econômica do município. Também ajudam a valorizar a cultura e tradição locais, auxiliando na construção da identidade sócio-cultural.

Investindo em atividades culturais, ampliam-se as possibilidades de envolver a população em atividades criativas, educativas e comunitárias. Dessa forma, as horas de lazer tornam-se mais proveitosas, quando os indivíduos podem se divertir aprendendo acerca da história de sua cidade, ou freqüentando cursos de fotografia, artes plásticas, música, esportes, entre outros.

Os consórcios intermunicipais possibilitam a elaboração de um planejamento baseado na identidade cultural, aproveitando o potencial regional, a tradição histórica e social das cidades. Também possibilitam o diálogo entre os secretários de cultura dos diversos municípios, desde o processo de elaboração dos consórcios. Esse aumento do poder de diálogo é fundamental para a troca de experiências e o aprendizado conjunto, que acelera o alcance de resultados positivos. Além disso, promovem uma postura propositiva por parte dos formuladores de políticas culturais, fazendo com que elaborem estratégias e projetos, definindo objetivos e metas para o desenvolvimento regional. Outro aspecto de destaque é o fato de que a união de municípios oferece mais atrativos para obtenção de recursos e incentivos para a cultura. Empresas públicas ou privadas se sentirão mais atraídas a investir em uma região do que em um município isoladamente.

Por fim, como o consórcio é uma entidade de caráter duradouro, a continuidade do plano de desenvolvimento cultural é assegurada no decorrer de várias gestões.

O projeto de formação de consórcios para promoção do desenvolvimento cultural foi aprofundado no seminário "Cultura e Metropolização", realizado em março de 1997, na Universidade de Campinas (UNICAMP), pela pró-reitoria de extensão, através do Escritório de Ação Cultural.


* Publicado originalmente como DICAS nº 113 em 1998.
Dicas é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Atualmente, seu acervo está publicado no site do Instituto Pólis.

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