Formação de funcionários de bibliotecas*
Investir na formação dos funcionários de bibliotecas para que se tornem mediadores de leitura, aumenta a utilização do acervo e motiva a comunidade a desenvolver o hábito de ler.
Autores: José Carlos Vaz e Marco Antonio de Almeida
Consultores: Hamilton Faria e Valmir de Souza
Investir na formação dos funcionários de bibliotecas para que se tornem mediadores de leitura, aumenta a utilização do acervo e motiva a comunidade a desenvolver o hábito de ler.
Autores: José Carlos Vaz e Marco Antonio de Almeida
Consultores: Hamilton Faria e Valmir de Souza
Os funcionários de bibliotecas, na maioria das vezes, são muito mais que "guardadores" ou "garçons" de livros. Atendem o público, orientam pesquisas, zelam pelo acervo, procurando superar uma série de dificuldades para que os usuários obtenham do acervo o melhor uso possível. Se os funcionários não têm formação para realizarem tudo o que a função exige, não cabe atribuir a culpa a eles, mas ao governo municipal que não investe em sua formação.
A primeira conseqüência desta situação é a sub-utilização do acervo, significando mal emprego dos recursos públicos. Esta sub-utilização traz obstáculos para a ampliação e desenvolvimento do hábito da leitura, constituindo um prejuízo incalculável para a sociedade. A educação também é prejudicada, pois as dificuldades que os funcionários enfrentam afetam o desempenho dos estudantes que se valem dos serviços oferecidos pelas bibliotecas para as suas pesquisas.
O QUE FAZER?
Para enfrentar essa questão, a melhor alternativa é a realização de atividades de formação junto aos trabalhadores que atendem usuários das bibliotecas públicas.
Cerca de 80% do atendimento nas bibliotecas é destinado a pesquisas escolares. Muitas vezes, os bibliotecários, por mais que se esforcem, não têm condições de orientar adequadamente os alunos nestes trabalhos. É necessário, portanto, capacitar os funcionários para isso. A pesquisa escolar bem orientada motiva os estudantes a se aproximarem do mundo da leitura, mas também exige uma preparação especial dos funcionários das bibliotecas.
Através de atividades estruturadas, é possível qualificar os funcionários das bibliotecas para que exerçam atividades de mediação e orientação à leitura. É recomendável organizar as atividades em um programa de formação, com objetivos claros e baseados em análises realistas.
Um programa desse tipo deve ser compreendido como um trabalho de educação permanente dos funcionários envolvidos. Por isso, necessita planejamento e acompanhamento constantes.
A implantação de um Programa de Formação de Mediadores de Leitura exige atividades preparatórias que consomem alguns meses, mas não devem ser dispensadas, pois garantem a adequação do programa aos objetivos da administração municipal, às necessidades do público-alvo e evitam o desenvolvimento de expectativas indevidas. Devem concentrar-se na seleção de temas e abordagens, na divulgação das idéias junto aos servidores envolvidos e na avaliação da qualidade e das deficiências dos serviços existentes junto à população.
A realização do Programa de Formação de Mediadores de Leitura não dispensa a prefeitura de investir na expansão do acervo. Principalmente porque, à medida que o programa vai sendo implantado, tende a aumentar o nível de exigência do público usuário.
Como o programa produz resultados preponderantemente de longo prazo, o custo da descontinuidade é bastante elevado. Interrompê-lo significa jogar dinheiro fora.
RECURSOS
Um Programa de Formação de Mediadores de Leitura pode ser executado por uma equipe pequena, o que o torna mais acessível. Municípios com um número reduzido de funcionários que poderiam participar do programa podem realizá-lo de forma consorciada, onde várias prefeituras montam um programa comum, reduzindo o custo por participante e enriquecendo o seu conteúdo pela diversidade de experiências. Havendo condições, pode-se buscar financiamento de empresas ou fundações para o projeto.
INDO MAIS LONGE
O público-alvo de um Programa de Formação de Mediadores de Leitura é constituído basicamente por funcionários de bibliotecas. Mas pode-se pensar, também, em programas paralelos ou em um programa com um formato tal que possa ser estendido a outros profissionais que, em seu trabalho, têm condições de realizar atividades de mediação e orientação de leitura (como professores e funcionários de outros equipamentos culturais). A prefeitura pode investir apenas na formação daqueles que são seus funcionários ou estendê-la também a profissionais que trabalhem em outras instituições ou outros níveis de governo (professores de escolas estaduais, por exemplo).
É necessário lembrar que o programa deve evitar ser abstrato em excesso. A problemática e a identidade locais devem ser a referência principal, partindo da realidade dos trabalhadores.
EXPERIÊNCIA
Na gestão 1989-1992, a prefeitura de São Paulo-SP implantou o projeto Leitor Infinito, um programa destinado a contribuir na formação dos trabalhadores das bibliotecas municipais para que se transformassem em mediadores de leitura e agentes culturais.
O projeto implantado deve ser compreendido no quadro da política cultural da gestão, especialmente em relação às bibliotecas, onde se procurou introduzir o conceito de "Biblioteca do Cidadão", entendida como espaço de leitura, discussão e convivência. Com este objetivo em vista, a Secretaria Municipal de Cultura passou a atuar em duas frentes: uma, a de renovação dos acervos; outra, a de estabelecimento de programas visando a educação permanente do quadro de funcionários.
Para a realização do projeto Leitor Infinito, foram contratados especialistas nas áreas de ciências sociais, literatura e linguagem. O programa pautou-se por um caráter multidisciplinar e interativo: de um lado, a participação de especialistas que contribuíram com embasamento teórico referente aos aspectos sócio-culturais do trabalho, bem como questões de literatura e linguagem e suas implicações com a atividade de leitura propriamente dita; de outro lado, a participação de funcionários de várias categorias e níveis de escolaridade, tendo em comum a prática de atuação nos setores de atendimento. Os cursos realizados pelo projeto atingiram cerca de 900 funcionários da rede municipal de bibliotecas, ocupando dez professores contratados para a realização do programa.
O programa estruturou-se em 3 estágios:
a)Etapa Preliminar: consistiu numa mesa redonda com a participação dos funcionários e dirigentes municipais da área cultural, além de professores da USP, UNICAMP e de editoras, que discutiram os temas que norteariam as fases posteriores do programa.
b)Primeira Etapa: iniciou-se com um curso de formação básica, dividido em dois módulos – o módulo da Cidade-Cidadania, a cargo de especialistas na área de ciências sociais, e o módulo de Linguagem, a cargo de especialistas de literatura e linguagem, que atingindo um total de 900 trabalhadores das bibliotecas (bibliotecários, atendentes, serventes), divididos em 12 turmas de aproximadamente 75 pessoas. Participaram trabalhadores das bibliotecas públicas (BP – público adulto) e das bibliotecas infanto-juvenis (BIJ).
Como o programa possuía uma conotação prática, foi selecionada entre os funcionários uma equipe para atuar junto aos professores do curso, esclarecendo e informando sobre as questões mais imediatas vivenciadas no trabalho de atendimento nas bibliotecas. Após treinamento com os professores do módulo de linguagem, os integrantes dessa equipe exerceram o papel de monitores para atividades de acompanhamento, funcionando como um desdobramento do curso de formação básica, tendo por objetivo a rediscussão dos temas abordados, estabelecendo uma articulação com a prática cotidiana do atendimento. Além disso, procurou-se abordar as relações pessoais de cada participante com a atividade da leitura.c)Segunda Etapa: caracterizou-se pela realização de um laboratório, com exercícios de sensibilização lingüístico-literário a cargo dos especialistas de linguagem e literatura.
O programa baseou-se no princípio de que, após a conclusão destas etapas de formação, os participantes estariam capacitados para se tornarem "multiplicadores", a fim de estender este processo formativo à comunidade, pela sua prática cotidiana no atendimento.
RESULTADOS
Obviamente, os resultados de um programa como este são dificilmente mensuráveis, e não se apresentam a curto prazo. Para seu sucesso, é necessário vencer uma série de vícios culturais, tanto por parte do funcionalismo quanto por parte da comunidade – nem todas as pessoas atingidas pela proposta engajam-se efetivamente em seu espírito.
O programa tem o mérito de criar subsídios para uma ação cultural que possibilite uma maior interação entre público e funcionários. A partir de sua implantação, pode-se ampliar esta interação, trazendo acréscimos positivos para o papel da biblioteca pública junto à comunidade.
A implantação de um Programa de Formação de Mediadores de Leitura permite que, a partir de uma maior qualificação dos funcionários, ocorra uma melhor utilização do acervo disponível. A partir do Programa de Formação de Mediadores de Leitura, os funcionários das bibliotecas podem auxiliar o desenvolvimento do hábito da leitura, inclusive promovendo uma gradual melhoria qualitativa do material utilizado, que deve ser acompanhada por novos investimentos em acervo.
A formação dos trabalhadores de bibliotecas traz também benefícios para os serviços de educação. A maior capacitação dos funcionários beneficia diretamente os estudantes que procuram as bibliotecas para pesquisas escolares. Estes resultados são multiplicados se os professores da rede pública também são envolvidos no programa ou em atividades paralelas a ele.
A experiência do Projeto Leitor Infinito, em São Paulo, mostrou que uma grande parte dos trabalhadores, principalmente os de menor qualificação, teve aumentada sua motivação e interesse pelo trabalho. A heterogeneidade do público, nesse caso, exigiu esforços adicionais dos professores. Estes esforços não puderam evitar que, em alguns momentos, uma parcela considerável não conseguisse acompanhar os raciocínios.
O porte do projeto implantado na cidade de São Paulo não se justifica para todos os municípios brasileiros. Não obstante, a concepção adotada tem validade para grande parte dos municípios que disponham de bibliotecas públicas.
* Publicado originalmente como DICAS nº14 em 1994
Dicas, é um boletim voltado para dirigentes municipais (prefeitos, secretários, vereadores) e lideranças sociais. Os textos buscam oferecer informações sobre técnicas e práticas de gestão que contribuam para o avanço da democracia, otimização da aplicação e uso dos recursos públicos, promoção da cidadania e melhoria da qualidade de vida.