Avaliando a gestão
É importante avaliar constantemente a gestão, sob o ponto de vista da qualidade de vida e do avanço da democracia.Autor: José Carlos Vaz
Consultores: Núcleo de Gestão Municipal do Instituto Pólis
É importante avaliar constantemente a gestão, sob o ponto de vista da qualidade de vida e do avanço da democracia.Autor: José Carlos Vaz
Consultores: Núcleo de Gestão Municipal do Instituto Pólis
A redefinição de encargos entre a União, Estados e Municípios é uma das perspectivas de alteração na conjuntura política para os próximos anos. Ampliar-se-á a discussão sobre a transferência de responsabilidades e de recursos para os municípios. Esta transferência, no entanto, só trará efeitos positivos se os governos municipais puderem assumir suas funções com eficiência e eficácia. Reforça-se a importância de avaliar as gestões municipais também pelo fato de que os atuais mandatos já alcançaram a metade de sua duração e não sobra muito tempo para redefinir rumos. Também não há como adiar a implantação de pontos do programa de governo que até agora sequer foram tocados.
SISTEMA DE AVALIAÇÃO
A avaliação deve ser um procedimento regular. É importante fazer um esforço maior anualmente e no fim do governo, mas devem ser adotados mecanismos de avaliação constante, permitindo, inclusive, a comparação entre diferentes momentos do governo ou entre a gestão presente e as anteriores.
Para garantir um mínimo de eficácia ao trabalho, é preciso adotar um sistema de avaliação. Isto não significa realizar um processo de avaliação longo, custoso e burocrático. Significa definir claramente as responsabilidades, os participantes, as etapas, os instrumentos de avaliação, as fontes de informações e os procedimentos para sua análise.
A escolha do método de avaliação depende das características do município e da gestão. Qualquer que seja o método adotado, alguns pontos são obrigatórios em um governo preocupado com a consolidação da cidadania: participação popular e dos funcionários, critérios objetivos de análise, integração entre uma avaliação global da gestão e as diversas avaliações setoriais, preocupação com o avanço dos direitos sociais e políticos e divulgação pública dos resultados.
A discussão da avaliação com a população deve ser usada como um importante subsídio para o debate de prioridades e metas para o futuro. Quando possível, a avaliação deve se integrar aos instrumentos de participação popular da gestão, especialmente o processo de elaboração participativa do orçamento. A apresentação e discussão da avaliação com a população permite o contato direto com ela, mas é trabalhosa.
O uso de pesquisas de opinião é uma forma válida de identificação da opinião popular e, portanto, de entender os impactos das ações do governo junto à sociedade. Não se pode realizar uma pesquisa sem critérios técnicos específicos, o que normalmente exige a contratação de especialistas.
O método de avaliação adotado deve prever a integração entre uma avaliação global da gestão e avaliações setoriais. Cada área deve realizar seu próprio processo, para que as ações possam ser avaliadas de forma aprofundada. A avaliação global, no entanto, não pode ser apenas a soma das avaliações setoriais. Nela devem-se avaliar as ações, posturas e valores comuns a todos os setores; o cumprimento das diretrizes do programa de governo; a relação do governo municipal com a sociedade e sua preocupação com o avanço dos direitos sociais e políticos.
A AVALIAÇÃO DEVE SER OBJETIVA
Quanto mais objetiva for a avaliação, mais úteis e legítimos tendem a ser seus resultados. A avaliação deve ser feita pela confrontação das ações desenvolvidas com o programa de governo, as aspirações da sociedade e com indicadores objetivos definidos tecnicamente, à luz de critérios de análise que privilegiem os impactos sociais e políticos. Fazer uma avaliação baseada em impressões ou opiniões particulares não só impede que se veja a realidade como pode fornecer uma visão distorcida dos resultados da ação da prefeitura. Os erros podem ser entendidos como acertos; em vez de corrigi-los, eles são reforçados e seus danos são ampliados.
A objetividade da avaliação depende das informações disponíveis. Se as informações não forem confiáveis, a avaliação terá sua eficácia comprometida e perderá legitimidade. Devem-se prever formas de garantir a consistência das informações, não deixando espaço para dúvidas. A prefeitura deve se estruturar para recolher informações relevantes. O registro das ações realizadas, de seus custos e impactos é indispensável, pois a avaliação deve ser integrada às ações de planejamento. O ideal é dispor de um Sistema de Informações para o Planejamento, composto por sub-sistemas sob a responsabilidade de cada secretaria, interligados entre si.
O método adotado também influi na objetividade da avaliação. Ele deve considerar aspectos subjetivos e análises políticas. Mas é preciso dispor também de dados quantificados, que expressem em números os resultados das ações do governo municipal. Estas informações numéricas devem ser indicadores da gestão. É possível compará-los com os de outros municípios, com os de outros períodos ou com padrões técnicos pré-definidos.
INDICADORES
Os indicadores podem ser simples ou compostos. Os indicadores simples normalmente são auto-explicativos: descrevem imediatamente um determinado aspecto da realidade (número de leitos hospitalares implantados, por exemplo) ou apresentam uma relação entre situações ou ações (como a relação entre o número de matrículas no 2º grau sobre número de matrículas no 1º grau). São excelentes para realizar avaliações setoriais e para a avaliação de cumprimento de pontos do programa de governo, permitindo conclusões rápidas e objetivas (por exemplo, se o governo se comprometer a ampliar o número de domicílios servidos por coleta de lixo e este se reduz, a avaliação da eficácia das ações neste setor é óbvia).
Indicadores compostos são aqueles que apresentam de forma sintética um conjunto de aspectos da realidade (por exemplo, o índice de inflação é um indicador que sintetiza o aumento de preços de vários produtos). Estes indicadores agrupam, em um único número, vários indicadores simples, estabelecendo algum tipo de média entre eles. Para isso, é preciso definir uma forma de ponderação, ou seja, dizer que os indicadores terão importância diferenciada ("peso") para a determinação do resultado final.
Para a avaliação da gestão, indicadores compostos são importantes porque permitem fazer comparações globais da situação do município e do desempenho da gestão.
Pode-se, por exemplo, construir um "Índice de Qualidade de Vida do Município", incorporando variáveis referentes à saúde, transportes, educação, meio ambiente, renda, entre outras. Calculando-se este índice para vários anos, pode-se analisar sua evolução ao longo do tempo e, portanto, avaliar como evoluiu a qualidade de vida dos cidadãos (inclusive comparando a posição da gestão em curso com a de gestões anteriores). Também é possível construir indicadores de eficácia da gestão (que meçam o quanto as ações da prefeitura influenciaram a qualidade de vida na cidade) ou indicadores de eficiência da gestão (que avaliem se o governo está utilizando os recursos disponíveis da melhor forma possível).
Para a determinação dos indicadores (simples e compostos) que serão utilizados no processo de avaliação, é importante levar em conta a possibilidade de obter dados confiáveis para apurá-los e sua capacidade de fornecer informações realmente relevantes. Na definição dos indicadores simples, é recomendável adotar aqueles já consagrados, como mortalidade infantil, IPK (índice de passageiros transportados por quilômetro), percentual de reprovações na rede escolar, entre outros). A adoção de indicadores compostos exige um trabalho mais sofisticado, onde é recomendável o auxílio de especialistas.
A avaliação não pode ser reduzida ao uso de indicadores. É mais difícil, mas não menos importante, avaliar os avanços democráticos da gestão (que não podem ser medidos pelos indicadores de qualidade de vida e infra-estrutura social): a expansão dos direitos civis e políticos.
DIVULGAÇÃO
Dentro de suas possibilidades, a prefeitura deve divulgar os resultados da avaliação de forma clara e facilmente compreensível para a população. É preciso superar a tendência de ignorar as deficiências da administração. Avaliações e opiniões contraditórias devem ser registradas e explicitadas. O governo pode se antecipar, divulgando as críticas existentes e sua versão para os fatos, estimulando o debate sobre a gestão.
RESULTADOS
a) qualidade da gestão
Avaliar a gestão é importante para corrigir rumos indesejados que podem estar sendo tomados sem se perceber. Avaliações periódicas permitem identificar e aproveitar oportunidades de ação para solucionar problemas, reduzir desperdícios ou realizar ações para atingir compromissos de governo. E, ao inverso, deixar de avaliar a gestão pode deixar a prefeitura em um caminho que produza como conseqüências finais a ineficácia da prefeitura e a deterioração da sustentação política do governo.
b) promoção da cidadania
A transparência da administração é um ponto fundamental para a democratização da sociedade e consolidação da cidadania. Não pode, portanto, ficar restrita à simples divulgação dos atos do governo. A avaliação dos impactos e resultados desses atos permite uma ampliação da transparência, sendo um fator de promoção da cidadania.
As informações utilizadas para a avaliação (tanto aquelas relativas às ações de governo quanto às relativas à configuração espacial e sócio-econômica da cidade), além de se integrar ao Sistema de Informações para o Planejamento, podem ser integradas a um Sistema de Informações para a Cidadania, permitindo que a sociedade se aproprie delas. Rompe-se, portanto, o monopólio da informação pelos técnicos e dirigentes municipais. Essa democratização das informações auxilia a sociedade não só a controlar as ações do governo municipal: também permite que os movimentos e entidades que atuam na vida política e social formulem propostas de prioridades e de intervenção e as ofereçam ao poder público para implantação.
* Publicado originalmente como DICAS nº 24 em 1994