Medindo a qualidade de vida*
Avaliações objetivas da gestão e da qualidade de vida de uma cidade permitem aumentar a eficiência e a eficácia da administração, contribuindo para o estabelecimento de prioridades e metas.Autor: José Carlos Vaz
Consultores: Núcleo de Gestão Municipal do Instituto Pólis
Avaliações objetivas da gestão e da qualidade de vida de uma cidade permitem aumentar a eficiência e a eficácia da administração, contribuindo para o estabelecimento de prioridades e metas.Autor: José Carlos Vaz
Consultores: Núcleo de Gestão Municipal do Instituto Pólis
Não se pode fazer avaliações baseando-se apenas em fatores e impressões subjetivas. No caso da gestão municipal, para que se possa avaliar os resultados e também para que seja possível acompanhar a evolução da qualidade de vida, são necessárias informações quantitativas, que expressem em números os resultados das ações do governo municipal ou forneçam uma referência. Essas informações são chamadas indicadores, e têm um papel importante no planejamento e avaliação das ações de governo.
INDICADORES
Indicadores e índices são números que procuram descrever um determinado aspecto da realidade, ou apresentam uma relação entre vários aspectos. Adotando-se técnicas para ponderação dos valores, pode-se criar índices que sintetizem um conjunto de aspectos da realidade e representem conceitos mais abstratos e complexos como qualidade de vida, grau de desenvolvimento humano de uma comunidade ou, ainda, nível de desempenho de uma gestão. Estes indicadores estão sempre sujeitos a questionamento, pois a escolha dos aspectos da realidade a serem considerados é influenciada por opções políticas e distintas visões da realidade. Para um determinado grupo, por exemplo, pode ser mais importante considerar a oferta de transporte coletivo do que o número de telefones instalados. Além dessa restrição, há o problema da disponibilidade das informações. Um índice, para que possa ser comparado com outros municípios e com outros períodos, é preciso que as informações que o compõem estejam disponíveis para outros municípios e períodos. Sem possibilidade de comparação, não há utilidade alguma para um índice.
NA PRÁTICA
O Núcleo de Gestão Municipal do Instituto Pólis realizou, recentemente, uma pesquisa denominada "Evolução Comparada da Qualidade de Vida nos Municípios Brasileiros – O Melhor Desempenho de uma Prefeitura", construindo índices de qualidade de vida e de gestão municipal. Para testar a hipótese de que os índices eram uma ferramenta útil para explicar a realidade, foram escolhidos 14 municípios de diversos portes em vários estados do país, aplicando-se, para todos, um mesmo padrão de análise: Porto Alegre-RS, Niterói-RJ, Curitiba-PR, Florianópolis-SC, Vitória-ES, Paraipaba-CE, Icapuí-CE, Santos-SP, S. Paulo-SP, Santo André-SP, Osasco-SP, Jaboticabal-SP, Taquaritinga-SP e Diadema-SP. O estudo incluiu também uma avaliação das ações das gestões municipais nos últimos anos.
Os pesquisadores desenvolveram dois índices municipais. Um, abrange aspectos de qualidade de vida e, o outro, de gestão municipal. Para possibilitar comparações, foi necessário definir variáveis que pudessem ser obtidas para um conjunto significativo de municípios. Para o primeiro índice, os pesquisadores utilizaram informações coletadas pelo IBGE (censo de 1991). Na construção do segundo índice, foi possível contar com informações adicionais, da Fundação SEADE, para os municípios do estado de São Paulo. Essas mesmas informações foram coletadas nos 7 municípios estudados que não se localizam no estado.
A metodologia utilizada para a construção dos índices inspirou-se no conceito formulado por: Amartya Sen. Neste conceito baseou-se o Banco Mundial para comparar os estágios de desenvolvimento humano de diferentes países – o Índice de Desenvolvimento Humano.
O cálculo dos índices, neste método, é feito através da atribuição de notas entre zero e um, respectivamente para o pior e o melhor valor para cada indicador em estudo.
Assim, por exemplo, um município que tenha 100% de domicílios com fornecimento de água satisfatório terá o indicador correspondente com valor igual a um. Os vários indicadores setoriais são sintetizados em um único índice composto, que permite o estabelecimento de um ranking de qualidade de vida.
O ÍNDICE MUNICIPAL DO INSTITUTO PÓLIS
O primeiro índice construído foi o Índice Municipal do Instituto Pólis. Para calculá-lo, tomou-se como referência os 181 mais populosos municípios brasileiros (exceto municípios do Pará, para os quais não havia dados), com informações do censo de 1991. Inicialmente, foram levantados dez indicadores, que foram sintetizados em quatro índices, de acordo com o aspecto da realidade que representavam: Índice de Renda (composto por renda média dos chefes de domicílios e por percentual de chefes de domicílios com renda até dois salários mínimos), Índice de Habitação (número médio de habitantes por domicílio, número médio de cômodos por domicílio e porcentagem de domicílio com até três cômodos), Índice Ambiental (porcentagem de domicílios com abastecimento de água inadequado, porcentagem de domicílios com coleta de lixo inadequada e porcentagem de domicílios com esgoto inadequado) e Índice de Alfabetização (porcentagem de pessoas analfabetas acima de 15 anos e porcentagem de crianças que vivem em domicílios cujos chefes têm menos de um ano de escolaridade). Estes quatro índices foram, em seguida, agrupados em um único índice, o Índice Municipal do Instituto Pólis.
No cálculo deste índice, para os 181 municípios mais populosos e os 14 estudados em especial, obteve-se um ranking de qualidade de vida em que Santos-SP e S. Caetano do Sul-SP aparecem em primeiro e segundo lugar, respectivamente, com valores bastante próximos: 0,93 e 0,92. As posições menos privilegiadas couberam a três municípios maranhenses: Caxias, Codó e Santa Luzia, com 0,132, 0,091 e 0,07.
O ÍNDICE SOCIAL MUNICIPAL
O segundo índice construído na pesquisa foi o Índice Social Municipal do Instituto Pólis. Seu cálculo foi realizado tomando como base as informações do censo de 1991, acrescidas de outras, referentes a educação e saúde. O índice foi calculado para os 49 municípios mais populosos de São Paulo, além de sete de outros estados.
Isto permitiu o desenvolvimento de um índice ainda mais refinado que o anterior e, portanto, com maior poder de descrição da realidade.
O Índice Social Municipal foi composto por 16 indicadores setoriais, agrupados em seis índices sintéticos. Além dos já utilizados para o cálculo do Índice Municipal -Índice de Renda, Índice de Habitação, Índice Ambiental, Índice de Alfabetização-, foram incluídos Índice de Educação (composto por porcentagem de crianças entre 4 e 6 anos matriculadas em pré-escolas públicas ou privadas, relação entre matrículas no segundo grau e matrículas no primeiro grau e as taxas de evasão e de reprovação no ensino público de primeiro grau) e Índice de Saúde (coeficiente de mortalidade infantil até um ano e número de leitos gerais disponíveis no município). O Índice Social Municipal do Instituto Pólis é, portanto, a síntese desses 6 índices, que por sua vez sintetizam os 16 indicadores setoriais.
Os municípios ocuparam posições um pouco diferentes das obtidas com o Índice Municipal. Com este Índice mais amplo, as duas primeiras posições, por exemplo, se inverteram: S. Caetano do Sul torna-se o primeiro e Santos o segundo lugar (com 0.896 e 0,826). Os dois municípios, entretanto, mantiveram resultados bastante próximos. Essas diferenças deveram-se à melhor posição ocupada por S. Caetano do Sul nos novos indicadores introduzidos. De modo geral não se registraram mudanças drásticas de posicionamento, mas pequenas alterações produzidas pelo acréscimo de indicadores ao cálculo do índice. Na verdade, em virtude dos indicadores utilizados para seu cálculo, os dois índices tem um bom potencial de descrição da realidade e seus resultados possuem ampla correspondência entre si. A introdução de novos indicadores decerto refinaria ainda mais o resultado mas a tendência é que, quando um índice já tem bom poder de síntese do conceito que procura representar, o acréscimo de novos indicadores em seu cálculo contribui relativamente cada vez menos para o resultado final.
CONCLUSÕES
A pesquisa realizada pelo Núcleo de Gestão Municipal do Instituto Pólis aponta a capacidade potencial que a construção de índices tem de auxiliar a administração municipal e as organizações da sociedade civil. Além de serem importantes informações para diagnósticos do município, permitem que, através do acompanhamento de sua evolução, seja possível comparar ao longo do tempo ou com outros municípios, contribuindo para o estabelecimento de prioridades e metas do governo municipal e também para pressão da sociedade civil.
Os índices de qualidade de vida aqui apresentados, podem ser estendidos para outros, de qualquer porte. É importante ter claro que os indicadores de qualidade de vida não podem ser tomados como forma absoluta de explicação e, menos ainda, de comparação. Deve-se levar em conta as especificidades de cada situação, considerando variáveis como a configuração econômica, localização geográfica do município e outras condicionantes da qualidade de vida. Apesar de possível tecnicamente, não terá muita utilidade estabelecer comparações entre municípios muito díspares entre si.
É importante notar que a capacidade do governo municipal de intervir na qualidade de vida dos cidadãos é maior para municípios que assumam mais responsabilidades. Por exemplo, um município que assuma a gestão dos serviços de saneamento tem mais condições de intervir na mortalidade infantil. Assim, medindo-se não só a qualidade de vida, mas também o impacto das ações do governo municipal na sua promoção, a avaliação da gestão é mais rica.
Na mesma pesquisa, o Núcleo de Gestão Municipal do Instituto Pólis criou um Índice que mede o desempenho da gestão municipal. Assim, é possível combinar um índice de qualidade de vida municipal com outro que mede o desempenho da gestão; em termos de eficiência e da eficácia. Passa a ser possível comparar e avaliar o quanto o governo municipal contribuiu para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, o quanto seus esforços produziram resultados e o quanto pôde ser feito com os recursos disponíveis.
RANKING DA QUALIDADE DE VIDA |
|||||||||
NORTE |
NORDESTE |
CENTRO-OESTE |
SUDESTE |
SUL |
|||||
Manaus (AM) | 0,573 | Salvador (BA) | 0,667 | Brasília (DF) |
0,805 | Santos (SP) |
0,930 | Blumenau (SC) |
0,889 |
Boa Vista (RR) |
0,522 | Aracaju (SE) | 0,650 | Goiânia (GO) | 0,770 | S. Caetano do Sul (SP) | 0,920 | Porto Alegre (RS) | 0,885 |
Porto Velho (RO) |
0,504 | Recife (PE) |
0,644 | Cuiabá (MT) |
0,685 | Ribeirão Preto (SP) | 0,899 | Florianópolis (SC) |
0,883 |
Macapá (AP) |
0,484 | Paulista (PE) | 0,629 | Anápolis (GO) | 0,621 | Niterói (RJ) |
0,890 | Curitiba (PR) |
0,882 |
Rio Branco (AC) | 0,418 | João Pessoa (PB) |
0,629 | Dourados (MS) | 0,618 | Campinas (SP) | 0,890 | Joinville (SC) |
0,835 |
Base: Índice Municipal do Instituto Pólis para 181 municípios brasileiros mais populosos, exceto os do Pará. Fonte: Núcleo de Gestão Municipal do Instituto
*Publicado originalmente como DICAS nº 27 em 1994